Da Habitação à Entrevista
Foi já há vários dias que António Costa deu uma entrevista à SIC sobre a questão da habitação e dos planos que estão associados ao projecto, que primeiro lançou para auscultar a opinião pública e que, depois de devidamente rectificado, avança, agora, para o Parlamento.
Creio que já se disse tudo sobre o assunto, mas, talvez seja ou inocência ou sonho meu, falta acrescentar o mais importante deste projecto: a sua finalidade estratégica no plano político nacional. É para esse ponto que vou chamar a vossa atenção, repito, talvez ingénua ou onírica.
Diz-se que a questão habitacional é um problema nacional. Não é! Trata-se, mais do que tudo, de algo que se fica pelos aglomerados urbanos, em especial os de grandes dimensões geográficas, podendo estender-se, em casos mais raros, aos de pequeno tamanho. E não é nacional, porque, como Costa mostrou no mapa, que tirou do bolso, é mais do litoral do que interior.
Se tomarmos em boa conta o que acabei de escrever, não compete ao Governo resolver regionalismos, pois, para aquele devem ficar os de âmbito nacional. António Costa e a sua equipa de ministros e de secretários de Estado, com consciência ou não, lançaram um projecto de medida política estrutural mais profundo do que parece. Vamos ver.
Passando para as câmaras municipais muitas das atribuições que vão resolver o problema da habitação, o Governo está a descentralizar aquilo que, até agora e desde sempre, esteve nos lombos do Executivo ou seja, como se dizia nos séculos XIX e XX, na área do Terreiro do Paço. O que cabe, por agora, ao Ministério da Habitação é gerir fundos financeiros, disponibilizar para habitação imóveis que são propriedade do Estado e estão devolutos, articular o trabalho dos municípios e pouco mais; o resto que se entendam com as câmaras municipais, com as juntas de freguesia, com os poderes locais. Esta é uma mudança estrutural na política portuguesa e não é só por causa de se estar à procura de soluções para a falta de habitação; é, porque vai dar aos portugueses e às eleições municipais uma muito maior importância do aquela que tinham até agora. Vai obrigar a escolhas de partidos políticos e de executivos camarários que representem e defendam os interesses dos munícipes. Vai obrigar os moradores das vilas e cidades a escolherem os presidentes de câmara que lhes resolvam efectivamente aquilo que cada um espera que seja resolvido ao nível do poder municipal. A crítica ao poder local pode e deve ampliar-se para níveis que cheguem à capital. A atenção à gestão dos orçamentos municipais deve estar mais na preocupação das populações, podendo estas intervir em concordância com o artigo 49.º da Lei 75/2013, de 12 de Setembro, que estabelece, taxativamente, o seguinte sobre as reuniões das assembleias municipais: «Sessões e reuniões: 1 — As sessões dos órgãos deliberativos das autarquias locais são públicas, sendo fixado, nos termos do regimento, um período para intervenção e esclarecimento ao público. 2 — Os órgãos executivos das autarquias locais realizam, pelo menos, uma reunião pública mensal, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto na parte final do número anterior.»
Está na altura, de com as devidas autorizações, se criarem jornais electrónicos, que vivam de publicidade local, para exercerem a actividade informativa e crítica dos municípios, defendendo os munícipes e os seus interesses.
Estarei a delirar ou está na altura de os cidadãos aprenderem a viver com os seus direitos de cidadania, em vez de criticarem os governos da Nação, seja ele qual for, para exigirem maior respeito por aquilo a que acham que têm direito? A democracia representativa é um convite ao desleixo cívico e à crítica irresponsável. Costa está a abrir caminho para se começar a reclamar “por baixo”, pelo poder local.