Da Condição Militar
O correcto uso das palavras
«Subordinação, repito, e não submissão» disse, há dias, o capitão-de-mar-e-guerra, António Moura, presidente da assembleia-geral da Associação dos Oficiais das Forças Armadas (AOFA), na tomada de posse dos membros eleitos para um novo mandato, onde participo integrando o conselho deontológico, a propósito da forma de estar das Forças Armadas perante o poder político.
A semântica é terrível e estabelece toda a diferença entre o que se quer dizer e o que se deve dizer.
Na realidade, creio, a maioria dos nossos políticos de todo o leque partidário deve julgar ‒ embora saibam, suponho ‒ não haver diferença entre subordinação e submissão, quando falam de Forças Armadas.
Eu, quando aluno dos Pupilos do Exército, com quinze anos, um dia, em casa, conversando com o meu pai, disse qualquer coisa como: «O capitão ordenou ao inferior que (…)». O meu progenitor, então já na situação de reserva da nossa Marinha de Guerra, 1.º sargento enfermeiro, com uma recruta feita muito à pressa, no Alfeite, havia muitos anos antes, pouco dado a militarices, cortou-me rapidamente a palavra e obrigou-me a repetir a parte transcrita da frase. Obediente, como sempre fui à vontade paterna, disse novamente o que havia afirmado.
Muito sério, o meu pai declarou o seguinte, que ficou gravado a fogo, para sempre, na minha mente:
‒ Entre os seres humanos não há inferiores; há subordinados! Nenhum homem é inferior a outro.
Devo dizer, que o meu progenitor, antigo seminarista, distinto estudante, concorreu à Marinha de Guerra, para ser cabo-aluno de enfermagem, por mera necessidade financeira, tornando-se, depois, num excelente profissional. Ora, nas primeiras semanas de militar, em pleno Rossio, na companhia de um outro camarada mais dado às coisas castrenses, frente ao café Chave d’Ouro, que tinha um porteiro fardado, cheio de galões amarelos e cordões pendurados de um dos ombros, fez uma esgalhada continência. Interrogado pelo camarada para quem tinha sido a saudação, respondeu: «Para aquele almirante!» e apontou, com um gesto de cabeça, para o porteiro. Claro, o tempo foi-lhe ensinando aquilo que pouco sabia no começo da carreira, mas, de língua portuguesa e de conceitos humanos, conhecia o necessário para dar lições ao filho em fase de preparação para a vida.
Submissão e subordinação até parecem a mesma coisa, tal como inferior e subordinado, mas não são! O homem que fez a continência ao porteiro de um café, o homem que me deu o ser sabia-o, porque, para além de saber língua portuguesa, sabia outra coisa que hoje, num tempo de reivindicações de direitos e condenação de distinções, não se sabe. Sabia de Ética, de Moral, de Humanismo.
Nós, militares, somos subordinados, mas jamais seremos submissos.