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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

22.11.22

Da “ciência militar” dos comentadores civis


Luís Alves de Fraga

 

Tenho acompanhado, com o fastio de um doente grave, os comentadores televisivos civis de coisas militares, nomeadamente, da guerra russo-ucraniana e só não mudo de canal para poder, como professor que fui, durante trinta e cinco anos (entre estabelecimentos militares e universidade), apreciar as calinadas e “dar nota” a esses senhores (e algumas senhoras, de quando em vez).

É que não basta ter estudado Geopolítica, Geoestratégia e Relações Internacionais numa qualquer universidade nacional ou estrangeira para se estar habilitado a dar palpites sobre o desenrolar da guerra e as razões das manobras militares que se fazem de cada lado da linha divisória das operações. É preciso muito mais!

 

Por regra, na vida de um oficial de carreira, no tempo em que assentei praça como cadete na Academia Militar (1961) havia que se fazer, no mínimo, três cursos longos para se ascender na graduação: o da Academia ‒ que preparava as bases fundamentais para toda a vida militar, de alferes a general, e que nos dotava de capacidade de comando até ao posto de capitão inclusive ‒, o curso de promoção a oficial superior ‒ que nos dava conhecimentos e prática para o exercício nos postos de major a coronel ‒ e o de oficial-general ‒ que preparava para o exercício das funções de brigadeiro a general de quatro estrelas. Claro que, a estes, associavam-se outros cursos mais curtos, com excepção do de oficial de estado-maior, vocacionados para o desempenho de funções na arma ou serviço respectivo. Mas, para o efeito, o que pretendo destacar é que, o da Academia Militar, intenso e intensivo, durante três anos e mais um quarto de tirocínio ou estágio, nos dava as bases teóricas dos três conhecimentos fundamentais da vida castrense ou, se se preferir, das Ciências Militares: Estratégia, Táctica, Organização e Logística.

À primeira estava indissoluvelmente ligada a Geografia e esta, para ter algum interesse, associava a Topografia e as Informações (que serviam muito a Táctica); na Táctica estudávamos a movimentação no terreno de grandes unidades militares e suas parcelas mais pequenas (da divisão de infantaria ao simples posto de socorros ou posto de abastecimento de géneros); na Organização aprendíamos a estrutura a que devia obedecer a formação de um exército, começando pelas funções do seu estado-maior e acabando na da secção de infantaria ou na de qualquer das outras armas ou serviços; na Logística era-nos ensinada a estrutura de toda a cadeia que alimenta e põe em marcha uma grande unidade militar.

Esta era a visão mínima para quem se destinava a atingir, se atingisse, o posto de general. Assim, eu e os meus camaradas, à saída da Academia Militar sabíamos olhar para uma carta militar (o mesmo que um mapa físico) e “colocar no terreno” uma divisão de infantaria, da mesma forma que sabíamos mover um pelotão (pouco mais de trinta soldados). Mas também sabíamos o que era uma manobra de reconhecimento, uma retirada estratégica ou a exploração do sucesso, para além de muitíssimo mais.

Como parêntesis, cabe aqui a minha crítica a todos quantos dizem mal dos ministros da Defesa Nacional que nunca fizeram serviço militar, pois tão ignorante é aquele que não foi militar miliciano como aquele que o foi, porque um alferes em cumprimento do serviço militar obrigatório só sabe ‒ e, às vezes, mal ‒ comandar um pelotão e nunca ouviu falar de Táctica superior à de uma companhia. Fecho o parêntesis.

 

Todo este arrazoado, para além de querer deixar evidente a ignorância da maior parte dos nossos comentadores televisivos de coisas castrenses e bélicas, procura provar que só se têm feito afirmações erradas sobre a retirada das tropas russas da bolsa de Kherson, atribuindo-a a uma vitória da Ucrânia.

Aqui, não há nem derrota nem vitória de nenhum lado! Há, simplesmente, uma manobra estratégica/táctica de grande envergadura por parte dos russos. Vejamos.

Foi em Kherson que eles conseguiram ultrapassar o rio Dniepre e instalaram-se ofensivamente, como ponta-de-lança na margem direita com vista a alargarem essa testa de ponte para um futuro avanço. Não conseguiram ir mais além. Pelo contrário, os ucranianos estavam prontos a estabelecer um cerco a esse enclave. Manterem-se na posição, isso sim, ia corresponder a uma clara derrota e, na impossibilidade de se conservarem na área conquistada e alargá-la, optaram por uma retirada para a margem esquerda do rio, instalando-se defensivamente. Em tempo oportuno, e de acordo com os movimentos das tropas ucranianas, o alto comando russo há-de optar por preparar dois ataques simultâneos: um de finta e outro com finalidade ofensiva para romper linhas e obter resultados, isto se a iniciativa não for dos ucranianos.

 

Estrategicamente a situação está “empatada”: não há vencedores nem vencidos ou melhor dito: à um vencedor, a Rússia, que ocupa solo ucraniano, mas o impasse é evidente. Resta à Rússia desmoralizar a retaguarda inimiga através de lhe criar péssimas condições de vida durante o rigoroso Inverno que aí vem. Claro que Moscovo tem de contar com o poderoso auxílio militar em armamento que os EUA, o Reino Unido e a Alemanha estão a dar a Kiev. Mas isso são contas de um outro rosário.

 

Em conclusão, a “vitória” de Zelensky não passa de mais uma das suas muitas manobras de teatro pífio e de propaganda a que nos vai habituando. Cabe, agora, aos estrategistas do Pentágono e aos economistas da Casa Branca e do Senado saber se vale a pena continuar a apostar na carta que tem como figura o actor-presidente, substituindo-o por outro mais "maleável". Se calhar, em face dos gastos e dos mortos, é tempo de convencer a Ucrânia a perder uma fatia do seu terreno a Leste e de Washington desistir de estender a OTAN àquela zona de cerco à Rússia, porque a Coreia do Norte está a lançar sérios avisos sobre o que se pode passar, se a China, sua aliada, optar por fazer valer direitos sobre a Formosa.

Merecíamos uns comentadores capazes de desmistificar a guerra, os bons e os maus da fita!