Correspondentes de guerra
Talvez muitos dos leitores mais novos desconheçam que Winston Churchill foi oficial do Exército britânico e que, quando ainda prestava serviço militar, a seu pedido, foi desligado das cadeias de comando para, ao serviço de jornais com quem previamente estabeleceu chorudos contratos, ser correspondente de guerra nos grandes conflitos coloniais em que a Inglaterra esteve envolvida, no final do século XIX. E como correspondente, embora fardado de oficial do Exército, foi feito prisioneiro na guerra anglo-bóer. Acompanhava as tropas e, depois dos recontros ou dos grandes combates, escrevia longas crónicas ‒ mais tarde publicadas em livros ‒ sobre o que se passava na frente de batalha. Naturalmente, os seus textos eram sempre elogiosos para com os soldados de Sua Majestade Britânica! Mas contava o que via e descrevia como se desenrolavam as operações. Claro, era a visão dele, carregada com os seus interesses.
Durante a 1.ª Guerra Mundial houve correspondentes nas várias frentes e das várias nacionalidades ‒ até Portugal teve o seu que, comodamente, mandava notícias do front instalado na cidade de Paris! ‒ que procuravam, sem trair segredos operacionais, explicar o que se passava nas trincheiras, na Europa Ocidental ou noutros teatros de guerra. As populações letradas (e também as iletradas) gostavam de saber como se batiam os soldados e quais os avanços e recuos que as várias grandes iniciativas operacionais provocavam. Entre todos aqueles que não combatiam, havia uma certa morbidez em saber o sangue que corria nas frentes militares. Era a morbidez dos que, cobertos pela certeza de não serem chamados às fileiras, se compraziam em discursos heróicos, quase sempre animados pelos seus ideais políticos, por um ódio não explicado contra o inimigo ou pelas descrições românticas e romanceadas dos correspondentes de guerra.
A par desta informação de iniciativa privada havia os chamados boletins informativos dos diferentes escalões militares onde se dava uma noção dos acontecimentos em cada semana. Evidentemente, os órgãos militares e estatais não permitiam a divulgação de dados que pudessem vir a ser utilizados pelo inimigo para proceder a ataques sobre as frentes de combate. As localizações eram devidamente omitidas, assim como o número de mortos e prisioneiros (exageravam-se as baixas infligidas ao inimigo).
A Guerra Civil de Espanha foi um ensaio daquilo que se havia de passar durante a 2.ª Guerra Mundial.
Com efeito, quer do lado nacionalista quer do lado republicano e democrático, havia correspondentes de guerra. Até Portugal, em pleno fascismo salazarista, mandou um repórter do vespertino Diário de Lisboa, Mário Neves, fazer a cobertura da chegada dos nacionalistas (fascistas) a Badajoz e, por um mero acaso e distracção da censura portuguesa, foi através dele que o mundo inteiro ficou a saber do terrível massacre de republicanos fuzilados a sangue-frio, na praça de touros daquela cidade. Entre os republicanos, tornou-se famoso pelas suas crónicas aquele que viria a ser mais tarde prémio Nobel da Literatura, Ernest Hemingway.
Na 2.ª Guerra Mundial, a nova tecnologia, de então, criou o chamado repórter de imagem tanto fotográfica como cinematográfica. E, tanto do lado dos Aliados como do lado nazi, foram famosas as reportagens que o mundo conheceu carregadas de propaganda, como não podia deixar de ser evidente, mas com imagens reais de combate, feitas debaixo de fogo e com risco da vida daqueles que queriam informar as populações que serviam.
Do conflito na Ucrânia o que é que nos chega como reportagem de guerra?
Exactamente aquilo que não nos informa rigorosamente nada sobre a guerra!
Chegam-nos imagens de cidades bombardeadas e entrevistas de desalojados, que tanto podem ter sido feitas na véspera como há dois meses. As imagens noticiosas ganham a forma de cenários de cinema, o que serve na perfeição para enganar quem se quer deixar enganar e gerar fortes dúvidas junto daqueles ‒ nos quais me incluo ‒ que tendem a duvidar daquilo que nos é mostrado. Assim, através das reportagens de guerra, deste conflito militar percebe-se, perfeitamente, que o mais importante de tudo, quer no lado russo como no lado ucraniano, é conquistar adesões com base na propaganda, com base em encenações que ajam sobre a emotividade, porque estão a ser atingidas populações indefesas!
Isto não é reportagem de guerra, isto não é informação sobre o andamento das operações! Isto é sim, uma imensa operação de lavagem ao cérebro dos distantes assistentes da guerra feita, no lado ocidental, exactamente nos mesmos moldes que no lado russo!
Faltam-nos as imagens dos combatentes no campo de batalha, a visão da morte e das baixas que se sofrem ou que se impõem ao inimigo. Faltam-nos as verdadeiras vivências de campanha dadas por aqueles que arriscam o bem mais precioso que possuem.
Esta ausência de verdadeiros correspondentes de guerra evidencia que mais conquista, menos conquista de território na Ucrânia é absolutamente insignificante para Kiev, porque importante é a condenação e, se possível, a destruição da Rússia. Claro, também se pode dizer que, para Moscovo, mais soldado russo morto ou vivo é indiferente, pois importante é demonstrar que a Ucrânia, estando ao serviço dos EUA, coloca em sério risco a existência da Rússia.
A falta de correspondentes de guerra, dos verdadeiros, daqueles que nos habituámos a ver de máquina fotográfica ou de câmara de cinema nas mãos, nos dá ‒ a todos os que querem ver com olhos de ver e cabeça de compreender ‒ a clara noção do tipo de conflito que está a decorrer na frente ucraniana.
Esta é uma guerra de embustes!