Central nuclear de Zaporizhia
Há mais de uma semana que a central nuclear de Zaporizhia anda nos noticiários televisivos, radiofónicos e na imprensa escrita, por causa do perigo de ser bombardeada. Mas bombardeada por quem, se ela já está ocupada pelos russos?
Pois, a questão é essa! Só poderá ser bombardeada pelas tropas ucranianas e, a haver um desastre nuclear, a responsabilidade recai sobre Kiev.
Alegam os ucranianos que, nas instalações da central ou nas suas imediações, se instalaram forças militares russas e, por isso, querem a desmilitarização da região.
Ora, não é por causa do risco nuclear que o Presidente Zelensky tanto barafusta! É por causa da situação táctica que possibilita, partindo da região da central, os ataques eficazes sobre tropas ucranianas.
Tal como já várias vezes tenho dito, esta é uma guerra de embustes.
A fiscalização da operacionalidade e segurança da central, tão solicitada pela Ucrânia, ocorreu na maior liberdade dada pelas tropas russas, que aceitaram essa mesma inspecção levada a cabo por técnicos imparciais supervisionada pela agência da ONU. Foi o maior tiro no pé que Kiev podia dar. Vou tentar explicar.
Se Moscovo estivesse a fazer da central um local de concentração de tropas para iniciar um ataque, para além de ser visível através dos satélites espiões dos EUA, não iria permitir a inspecção. Ora, a prova acabada de que a central não está a ter utilização militar reside na autorização, mas, mais do que isso, ao aquiescer com a inspecção o que a Rússia está a dizer aos poderes militares do mundo inteiro é que a central de Zaporizhia é território conquistado.
Ao deslocar uma inspecção técnica à central sob a égide da ONU, reconhecendo que as tropas russas não opuseram qualquer limitação de deslocação, esta organização supranacional acaba de aceitar duas coisas: que não há problemas de maior do ponto de vista da segurança na central nuclear e que esta foi conquistada pela Rússia.
E não chego a esta conclusão por mera dedução ou jogo de palavras. Ela tem origem no Direito Internacional, pois há duas formas de reconhecer uma alteração no quadro das relações entre nações, que se definem usando as expressões latinas de facto e de jure.
O primeiro caso ocorre quando os governos não fazem declaração pública de reconhecimento, mas comportam-se perante a situação como se ela fosse irreversível; no segundo caso, há declaração pública de reconhecimento e aceitação do facto ocorrido.
Quando a ONU anuiu patrocinar uma visita à central sob o controlo de tropas russas, reconheceu de facto a conquista feita por Moscovo. Daqui até ao reconhecimento de jure trata-se de um passo, que pode demorar muito ou pouco, mas que será dado se as tropas da Ucrânia não reverterem a situação.
Tal modificação passava por tornar a central numa zona desmilitarizada e, por conseguinte, território não pertencente, de facto, à Rússia. Contudo, quando a ONU dá cobertura à inspecção anula esta hipótese e, naturalmente, não é Moscovo quem vai recuar. Assim, estamos, cada vez mais, a aproximar-nos de resultados irreversíveis e da necessidade de se passar à fase das negociações diplomáticas entre a Rússia e a Ucrânia e, se em Bruxelas não houvesse tanta dependência dos EUA, era este o momento oportuno para a União Europeia marcar a sua posição no mundo das relações internacionais, tentando mediar, para benefício dos Estados europeus, a paz entre as partes em desavença.
Claro que não é agora que se pode definir esta nova estratégia europeia, mas é de toda a conveniência que se pense nas linhas que a explicam.