Celibatário
Há muitos anos na igreja dos Anjos, em Lisboa, havia um sacerdote casado. Era um antigo pastor evangélico convertido ao catolicismo e, por já ter mulher e filhos e experiência de pregador, foi autorizado a frequentar o seminário de Moscavide, recebeu ordens maiores e passou a exercer a sua actividade na igreja de uma freguesia com numerosos habitantes.
Aos domingos celebrava missa pelo meio-dia. O templo enchia-se para escutar a prédica deste clérigo. E a razão era muito simples: ele, ao explicar o Evangelho, usava exemplos do dia-a-dia da sua vida familiar, aproximando-se muito, mas mesmo muito, da realidade dos que o ouviam. Falava das relações dos casais, da educação dos filhos, de questões íntimas de homens e mulheres. Na igreja não se ouvia um murmúrio, as palavras eram bebidas com intensidade. Os crentes sabiam que ele era um homem exactamente igual a qualquer um dos paroquianos e, quando expunha uma ideia, não era fruto de estudos teóricos, pois tudo passava pelo crivo da sua experiência humana e cívica.
Pergunto-me, qual a razão determinante para o Vaticano ‒ que tem conhecimento destas e de muitas outras ocorrências iguais ou semelhantes (homens viúvos, com filhos e netos, que são ordenados padres) ‒ continuar a insistir no celibato dos sacerdotes?
Não é o celibato que lhes dá mais capacidades para se entregarem à comunidade católica; ele será, no máximo, uma prova de resistência ‒ quando cumprido à risca ‒ a tentações humanas e comuns a todos os animais: o desejo de procriar. Um desejo divino, segundo o traçado das Escrituras integrantes do Velho Testamento.
Tendo em conta que o Papa é, no mundo ocidental, o único soberano dotado de poder absoluto, estranho o facto de Francisco ‒ aparentemente escolhido para romper algumas das vestes tradicionais da Cúria ‒ não ter agora quebrado essa obrigação que, tanto quanto sei e é dito por quem estuda a fundo a História da Igreja Católica, não foi instituída por Jesus nem mesmo pelos seus apóstolos, alguns deles casados.
É tempo de humanizar a Igreja para a colocar muito mais próxima dos crentes e dos problemas levantados pela modernidade de um novo milénio.