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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

27.09.22

Ave Maria


Luís Alves de Fraga

 

Até há alguns anos fui daqueles ‒ e ainda sou ‒ que estranhava e, vamos lá, desconfiava dos idosos que, tendo passado uma vida inteira distanciados da Igreja Católica, quase de repente, se tornavam pios e crentes frequentadores dos templos e das sacristias. Achava ‒ e acho ‒ que era o medo da morte o motor fundamental dessa reconversão ao cristianismo da infância, porque não havia em Portugal quem, na tenra idade, não tivesse frequentado a catequese e feito, no mínimo, a primeira comunhão.

 

Dada esta explicação inicial, não tomem o meu texto como uma confissão de medo de morrer ‒ tenho, e não é pouco; tenho como não tinha quando era um jovem militar pronto para todos os sacrifícios ‒, mas aceitem-no como uma meditação sobre o que a Vida me foi ensinando, tanto nos livros como nos atalhos e nas veredas percorridos.

Postas as ideias neste pé, deixem-me que vos explique um pouco de como a minha mãe, era eu muito menino, me ensinou a rezar e a fazer todos os sinais exteriores pelos quais é reconhecido um católico. Depois, debruçar-me-ei sobre a oração que dá nome a este apontamento.

 

Não sendo uma criança endiabrada eu era, na minha infância, irrequieto e brincalhão, mas, ao mesmo tempo, meigo para com a minha mãe, o meu pai e a minha irmã, além de primas, tios, avós. A minha curiosidade por tudo o que me rodeava não tinha fim e adorava escutar as conversas dos crescidos para aprender o que não sabia ou aquilo de que jamais ouvira falar.

Lá por volta dos quatro ou cinco anos, a minha mãe, cheia de paciência, começou a introduzir-me na catequese do catolicismo, explicando-me a existência de Deus, do Menino Jesus, de Nossa Senhora e de São José. Passou, de seguida às orações básicas: o Pai-Nosso e a Ave Maria. Foram conjuntos de palavras que decorei e que, durante muito tempo, disse de seguida sem pensar no seu significado, embora soubesse que o chamado Pai-Nosso foi a única oração ensinada por Jesus, segundo o testemunho dos evangelistas.

 

Os anos passaram-se, e já bem consciente das minhas decisões perdi aquilo que os católicos de hábitos arreigados chamam a fé. Entrei pelo caminho da dúvida. A Igreja Católica tornou-se, de repente, uma construção dos homens, os rituais levados a efeito nos templos assumiram a mesma dimensão das práticas externas dos povos pagãos, os sacramentos ganharam exclusivamente a sua dimensão histórica e nunca a de uma ligação a um Deus que era (ainda naquele tempo, na viragem posterior ao Concílio Vaticano II) um ente que castigava, que punia, que não perdoava a não ser se percorrendo uma vereda estreita de confissão, arrependimento e de sacrifício, de um papa que se fazia transportar aos ombros de homens comuns, sentado numa pesada cadeira e vestia e calçava roupas e sapatos de excelente qualidade, embora se tivesse tornado um apóstolo da Igreja, peregrinando pelo mundo.

 

Essa Igreja teve de esperar por um bispo para Roma, vindo da América do Sul, um cardeal que escolheu para nome papal o de Francisco, o pobre entre os pobres, aquele santo homem que não queria dinheiro para construir nem templos nem mosteiros, porque as esmolas eram para ser dadas aos mendigos, que nada tinham para comer. O papa, que no dia em que foi eleito pediu, com uma humildade inabitual no Chefe de uma Igreja que já foi muito arrogante, que rezassem por ele, deixou-me expectante.

E o actual Francisco começou a escrever e a falar sobre oração e admiti que deve ter sido, e se calhar ainda é, um homem muito atormentado na sua fé e o meu pressuposto resultou da interpretação de um pequeno desabafo tido quando, conversando com a jornalista menos humilde da nossa praça nacional ‒ a Maria João Avilez ‒ lhe disse, de passagem, que nos seus momentos de oração e de reflexão se distraía e o pensamento lhe fugia para outros lados, mas que isso pertencia aos insondáveis caminhos do Espírito Santo.

Isto ficou-me a martelar cá dentro. Quem sabe se, até, com a idade que tem ‒ um pouco mais velho do que eu ‒, quando está a orar, não dormita, não escabeceia, levado pelo cansaço? E, se tal acontece, é humano e divino, porque, segundo ele, é a vontade do Espírito Santo, essa terceira entidade de que se compõe o Divino, o Deus, que, sendo Pai, também é Filho.

 

Perdido nestas reflexões, sabendo que orar não é repetir, em jeito de lengalenga, as palavras que a minha santa mãe me ensinou, quando eu era um menino de cinco ou seis ou, talvez, sete anos, dei comigo a pensar nesses termos tão ditos e reditos, em tantas línguas, por esse mundo fora, e que começam por ser uma saudação à mãe de Jesus: Ave Maria.

Percebi que é uma das mais belas orações compostas para serem melopeia, que sacerdotes, monges, monjas e leigos, dizem ao rezar o terço ou o rosário.

É composta por duas partes: uma, é a simplificação da Anunciação feita pelo Anjo São Gabriel e, outra, é um pedido cheio de medo, mas, contraditoriamente, de esperança; um pedido onde se reconhece a tal condição de pecador, mas de arrependido.

 

Ave Maria (Olá Maria) cheia de graça (cheia de virtude) o Senhor é convosco (Deus está convosco), bendita sois vós entre as mulheres (vós, de entre todas as mulheres, sois a abençoada), bendito é o fruto do vosso ventre (abençoado é aquele que estais a gerar), Jesus.

E acaba aqui a primeira parte da recordação da Anunciação.

 

De repente este relato atira-nos para a frente de todas as mulheres que são mães, que já pariram, ou que esperam fazê-lo. Coloca-nos perante a nossa própria mãe, aquela a quem nos ligou um cordão alimentar a que os cirurgiões chamaram umbilical; um cordão que, quando queremos estabelecer uma relação, uma prisão doce e boa, uma dependência amorosa, chamamos, também, do umbigo ou umbilical.

Atira-nos para a frente da nossa própria mãe, esquecendo o São José a quem nos liga, afinal, aquilo que aprendemos para podermos entrar na vida, mas a Vida, quem no-la deu, foi ela, a mãe, que pode ter sido Maria ou ter tido outro nome.

E quando dizemos «Ave Maria» estamos, afinal, a invocar a nossa mãe, aquela da qual fomos fruto e fomos benditos por ela.

 

Como o papa Francisco, perdi-me na reflexão. Não sei se foi o Espírito Santo, mas foram, de certeza, as asas do pensamento que me fizeram ir muito mais longe do que aquilo que aqui vos digo. E passei à segunda parte da oração.

À Maria, que foi abençoada, chamamos-lhe Santa Maria, e reconhecemos-lhe a condição de mãe de Deus, mãe de um dos três elementos da Santíssima Trindade e pedimos para rogar por nós pecadores, para ser a intermediária dos nossos desejos, pois não estamos de bem com a nossa consciência e, por isso, nos chamamos pecadores, mas rogai por nós não só agora, que estamos aflitos, mas, também, na hora da nossa morte.

 

E digam-me, aqueles que tiveram a paciência de ler este texto até aqui, quantas vezes, em momentos de aflição, não se lembraram do apoio, da ajuda, do amparo que era a vossa mãe, porque eram pequenos e frágeis?

Quantas vezes eu já disse: «Ai minha querida mãe, dá-me forças, dá-me o teu amparo?»

E clamo por ela, porque foi quem me alimentou, através da sua boca, quando eu ainda me movimentava no seu ventre e me deu de comer para eu sobreviver quando era pequenino, porque foi ela quem ficou à minha cabeceira quando eu estava doente.

 

Afinal, para concluir este resumo de uma longa reflexão que fiz e ainda estou fazendo, rezar a Ave Maria é muito mais do que rezar à mãe de Jesus; é rezar à nossa mãe e a todas as mães que bendisseram o filho que traziam no ventre ligado pelo cordão umbilical que nunca se quebra por mais que a tesoura da parteira o tente cortar.

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