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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

21.07.22

As demissões e os mísseis


Luís Alves de Fraga

 

Há dias abordei aqui as demissões de dois altos funcionários ucranianos, por decisão do Presidente Zelensky e aventei hipóteses sobre essa atitude. Os dias passaram e eis que hoje, na newsletter que quotidianamente recebo do jornal Expresso, lá está escarrapachada a opinião do major-general Agostinho Costa ‒ militar que procura pensar fora da caixa, ou melhor dizendo, como estrategista neutro e independente, não alinhando com propagandas ‒ que diz taxativamente o seguinte:

«Estas demissões e afastamentos no SBU são o epílogo do que parece ser o resultado de uma falha de segurança relacionada com um ataque que destruiu uma messe ‒ ou clube de oficiais ‒ em Vinnytsia [centro da Ucrânia] na passada quinta-feira» e continua o jornal: “o general, baseado nas informações recolhidas, refere-se a uma "reunião de alto nível" onde deveriam ser tomadas decisões importantes, na presença de delegações internacionais, dizendo de seguida: «Dois mísseis Kalibr russos estavam apontados para um alvo em Zhytomyr (noroeste), mas terá havido uma fuga de informação e foram desviados para atingir esta reunião, liquidando todos os participantes. Este ataque em Vinnytsia terá eliminado não apenas os participantes ucranianos, altos quadros da Força Aérea, como também as delegações estrangeiras», afirmou o militar português.

A partir da fuga de informações, diz Agostinho Costa, «também permitiram que fossem divulgadas imagens de oficiais superiores do comando da Força Aérea na lista dos mortos. "Eram imagens de coronéis, oficiais da Força Aérea que estavam no local, mas não há indicações sobre quais as delegações estrangeiras presentes». Na sequência, afirma a notícia que “Na reunião de Vinnytsia, cidade situada a oeste da capital Kiev, próxima das fronteiras com a Moldávia e Roménia, estaria alegadamente em análise «um acordo de fornecimento de aeronaves de combate à Ucrânia», repetindo as palavras do general.

 

Esta não terá sido a primeira vez que os russos, de acordo com informações recebidas, atacaram unidades militares onde se estavam a desenrolar conversações entre delegações ucranianas e entidades estrangeiras sobre cedências de material. O Expresso cita o caso de «um ataque à base de Yavoriv [em 13 de março] perto de Lviv, que estava repleta de estrangeiros. Os ucranianos falaram em 30 mortos, e os russos cerca de 200», segundo disse o major-general Agostinho Costa. «Na sequência deste ataque, o então chefe local do SBU também foi afastado».

O Expresso avança que «o Presidente ucraniano revelou ainda que mais de 60 oficiais do SBU estão a trabalhar "contra a Ucrânia" nos territórios controlados pelos separatistas russófonos e pelas tropas russas, e anunciou "651 processos por traição e colaboracionismo”».

 

Claro que aquilo que o oficial português revelou tem proveniência russa, facto que parece irritar certos meios nacionais, mas, contudo, a verdade possível só se pode estabelecer se se tomar em consideração aquilo que ambos os lados fazem circular nos meios de comunicação. Sempre foi assim, em todas as guerras, quando nelas o país não toma parte activa ao lado de um dos contendores. Basta consultar os jornais portugueses do tempo da 2.ª Guerra Mundial, quando éramos neutrais, ainda que sob um regime ditatorial e simpatizante do nazismo, e vemos notícias provenientes de Londres, ou de Washington e de Berlim. E mal ia se que assim não fosse, pois logo a embaixada do país que se considerava prejudicado, reclamava junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Ora, a verdade é que Portugal, como membro da OTAN, é, de jure, neutral, embora, de facto, seja beligerante neste conflito. Mas, se queremos respeitar as normas do Direito Internacional, tão apregoadas aquando da invasão levada a cabo pela Rússia, temos de dar oportunidade a que sejam ouvidos ambos os lados em litígio.

 

O que o major-general Agostinho Costa veio fazer foi restabelecer esse princípio de equilíbrio de um Estado que, de jure, não está em guerra com a Rússia, ajudando-nos a perceber a relação entre os ataques com mísseis e as demissões de altos funcionários ucranianos.

Deste modo, fica mais claro, para quem quiser compreender, que esta guerra entre a Rússia e a Ucrânia não é totalmente transparente no que toca a fidelidades, nacionalismos e traições, pois, até há bem poucos anos ‒ o que são três décadas na história de um povo, depois de séculos de boa convivência com um vizinho que, culturalmente, está muito próximo em língua e hábitos de vida? ‒ todos se confundiam na lealdade e patriotismo, ainda que por causa de uma ideologia que os identificava. Recordo que, se para Napoleão Bonaparte qualquer guerra na Europa era uma guerra civil, mais razão de ser é civil a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, pois, culturalmente, o que as separa é muito menos do que aquilo que as iguala.

Temos de ser capazes de abandonar ideias feitas e adquirirmos o hábito de pensar pela nossa cabeça com a independência possível quando não conhecemos todos os condicionalismos que ditam as situações conflituais.