Aliás, sim, mas porquê?
Há dias, duvidei que fosse possível a Rússia ter bombardeado, no dia seguinte à assinatura do acordo sobre saída de cereais do porto de Odessa, esse mesmo porto. Duvidei com base numa certa lógica da dialéctica que se supõe existir nas acções e reacções próprias da guerra. Não se faz um a cordo para, menos de vinte e quatro horas depois, o torpedear ou, no caso, o bombardear.
Moscovo acabou por confirmar, através de várias vias, que tinha bombardeado o porto de Odessa, mas, dada a precisão das armas utlizadas, os impactos ocorreram a uma significativa distância dos silos dos cereais armazenados e, nos dias seguintes, os bombardeamentos não têm parado um pouco dispersos por todo o território ucraniano. Que bandidos são os russos!
Mas, deixei-me lá ver uma coisa… Os ucranianos têm estado a sofrer os ataques russos e não têm ripostado sobre as tropas invasoras? Estão a preparar um recuo táctico, porque não têm capacidade ofensiva?
Todos sabemos que as respostas são negativas. As tropas da Ucrânia têm atacado e não tem sido pouco, as tropas russas e as suas linhas logísticas. Esse é, afinal o objectivo para o fornecimento de armas e munições que o Ocidente em geral e os EUA e o Reino Unido em particular têm estado a fazer. Sabemos de algumas vitórias pontuais dos ucranianos. Ou julgamos saber.
Ora bem, quando os ucranianos fazem esses ataques, o mundo aplaude e regozija-se com as destruições alcançadas, que os russos, aliás, não exibem, segundo os melhores preceitos bélicos: há que dissimular, para manter o inimigo enganado. Todavia, tão ufanos estão os ucranianos das suas conquistas que não dissimulam nem a origem das armas nem das respectivas munições ‒ como o poderiam fazer? E, vai daí, os russos, através da sua rede de informadores e das observações directas que fazem com satélites e com possíveis drones de voo a grande altitude, têm indicações precisas dos locais onde se encontram ou armazenadas as armas ou as munições que vão chegando ao território da Ucrânia e, por isso, não se fazem rogados, quando o alvo é compensador. Claro, as televisões só mostram, depois, casas esventradas, apartamentos destruídos e vivendas rurais em ruínas, mas não dizem o que havia pelas redondezas, fazendo-nos acreditar que os russos são loucos ao mandar disparar mísseis que custam pequenas fortunas para arrasar casas, escolas, hospitais e bairros residenciais.
Gostaria que os leitores fossem capazes de perceber que a guerra, qualquer guerra, é como os teatros de sombras: o que parece não é! O coelhinho a comer não passa de duas mãos bem colocadas para parecer um coelhinho a roer; o gigante é, afinal, um menino que, bem posicionado em relação à luz, surge como um monstro terrível.
Quando é que o nosso racionalismo é capaz de perceber que a Rússia de Putin é um tigre de papel, pois, se de facto, fosse aquela potência avassaladora que pretende chegar ao Atlântico na costa francesa ou mesmo portuguesa, sem utilizar o arsenal nuclear ‒ utilizando-o, qual seria a vantagem de chegar tão longe? ‒ já tinha esmagado a Ucrânia e atingido todos os objectivos que, supostamente, lhe colocam em cima da mesa do estado-maior?
Teatro de sombra que, todavia, não se deixa enganar, para não perder o prestígio que já teve e, um dos maiores erros do Ocidente está na tentativa de provar, por A mais B, que a Rússia é vencível por uma Ucrânia ajudada pelos EUA e mais a Europa, sem perceber que está a arrastar, com a aplicações de sanções económicas a Moscovo, o mundo, e em especial a União Europeia, para uma crise que só teve paralelo nos anos a seguir à 2.ª Guerra Mundial.
É tempo de abrir os olhos. As extremas-direitas estão à espera para tomarem conta do poder e, então, lá se vai o projecto europeu, a democracia e a liberdade. Será isso que tão afincadamente desejamos?