Ajudas do Estado
Claro que, quando a economia começa a ameaçar ruir, é ao Estado que compete segurar todas as pontas para que não caiamos no caos absoluto. Disto não há dúvidas, por mais que se esteja contra este ou aquele governo.
Naturalmente, temos de nos perguntar sobre quem é o Estado. Na velha definição aprendida há muitos, muitos anos, o Estado é a Nação politicamente organizada e, ao aceitar que assim é, aceitamos que no Estado reside a nossa vontade colectiva, colectivamente delegada para nos assegurar bem-estar, defesa, segurança, ordem e integração no concerto dos outros Estados também soberanos.
Talvez nunca, nos últimos anos, a figura Estado tenha tido tanta presença junto de nós, pois, agora, todos esperamos que seja ele o nosso protector, o nosso amparo, o nosso sustentáculo. Estranhamente, nesta altura, esquecemos a relutância que temos quando toca a pagar impostos para dar existência à máquina estatal, porque todos fugimos o mais possível a essa contribuição; fogem os ricos e fogem os menos ricos. Sendo esquisito, contudo, é compreensível, esta forma dicotómica como percepcionamos, por um lado, as obrigações do Estado e, por outro, os seus direitos, pois é um direito estatal a arrecadação de impostos para cumprimento dos seus deveres.
Compreendem-se os nossos estados de espírito perante o Estado, porque somos fruto de uma cultura individualista: exigimos receber e evitamos pagar. Prevalece o eu liberal em oposição ao nós colectivo. Esse nós só funciona, e com toda a carga imperativa, quando cada eu individual se sente ameaçado e, então, surgem as obrigações colectivas do Estado.
Aplaudimos e louvamos os esforços do pessoal sanitário, que nos salva e nos trata agora, mas esquecemos que eles têm de viver dos nossos impostos e, bom será que mantenhamos a recordação actual quando chegar o momento de lhes reduzir as horas de trabalho e aumentar os salários. Acreditem que essa hora vai chegar! Vai chegar da mesma forma que a administração da TAP já se posiciona para pedir ao Estado a ajuda a que se julga com direito em consequência da falta de operação.
Temos aqui um caso típico de um eu colectivo a funcionar como um eu individual. Vejamos.
A TAP vai ter um grande prejuízo no final desta crise. Claro que vai, tal como todas as grandes empresas que vivem de um mercado flutuante, mas o capital que sustenta a companhia de aviação é conseguido pela compra de acções, o que quer dizer que o prejuízo é suportado em função da não distribuição de dividendos aos accionistas. Estes têm bom remédio: vendem as acções de modo a perderem o menos possível. E vendem ao Estado, pois assim será justo o processo de o dinheiro público poder dar entrada com vantagem na companhia aérea. Injusto seria injectar dinheiro a fundo perdido, pois, mais tarde, os dividendos irão cair nos bolsos dos accionistas.
Claro que o conselho de administração da companhia pode, se assim o decidir, lançar um grande empréstimo sob a forma de obrigações!
Poder, pode, mas é mais fácil, à semelhança do que a banca fez, levar o Estado a capitalizar a TAP, o mesmo é dizer, levar todos nós a pagar o prejuízo que deve ser suportado pelos accionistas, na medida em que, havendo lucro, este não é entregue ao Estado, ou seja, a todos nós.
A TAP não se pode querer comparar a uma pequena ou média empresa capitalizada à custa de bastantes sacrifícios dos sócios, geralmente dois ou três com pequenos recursos financeiros. Neste caso, esses negócios têm de ser olhados pelo Estado como se de cidadãos individuais se tratassem, olhados do mesmo modo como olha o desempregado, o doente, o reformado.
É no exercício deste difícil equilíbrio entre ser político e ser servidor da nação, que os governantes, porque dão pernas, braços, corpo e rosto ao Estado, têm de mostrar a sua real capacidade e, acima de tudo, a sua honestidade.
Vamos ver, vamos ver…