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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

22.07.21

Ainda a Reforma e a dúvida do Almirante


Luís Alves de Fraga

 

O almirante Alexandre Reis Rodrigues levantou, há pouco tempo, num artigo intitulado «As razões que a razão não entende», a questão da justificação mais profunda para se verificar a alteração que o ministro da Defesa Nacional propõe para a estrutura dos altos comandos das nossas Forças Armadas.

Ao ler, com atenção, o texto fui sendo levado para memórias já quase esquecidas sobre assuntos militares aos quais dediquei alguma atenção há anos. Comecei a juntar pontas: coisas de agora e coisas de antanho.

 

Porque escrevi há dias um texto sobre a nova disposição sobre sacos de compras. Para me documentar fui ver o Decreto-Lei e verifiquei que, no preâmbulo, se faz uma exaustiva referência às directivas dimanadas da União Europeia e à subordinação que a legislação nacional deve a essas mesmas directivas, o mesmo é dizer, os Estados membros têm uma imensa parcela da sua soberania hipotecada a uma outra que lhes é superior e imperativa: a da União.

 

Há dezasseis anos escrevi (Revista Militar n.º 2440 ‒ Maio de 2005) um artigo intitulado “Forças Armadas: Uma contradição europeia?” ao longo do qual teci muitas considerações, passando a transcrever algumas donde se perceberá a razão do título:

«Até há bem pouco tempo, os tratadistas políticos e os estrategistas europeus, em consonância com os dos restantes continentes, dividiam os interesses nacionais em dois grandes grupos: permanentes e transitórios. Nos primeiros cabiam, no topo da enumeração, a defesa da independência e da soberania, ou seja, a permanência da vontade de se continuar a Nação como um Estado capaz de emparceirar, na ordem externa, em pé de igualdade, com outros Estados

Mais à frente, disse: «(…) a cultura dos interesses nacionais faz-se, pelo menos, em três grupos distintos de servidores do Estado ou, melhor dizendo, da Nação: o dos Políticos, o dos Diplomatas e o dos Militares. Ora, só se pode cultivar o que se conhece, razão pela qual é imprescindível manter viva, no seio deste grupo, a aprendizagem dos valores mais elevados e mais puros do nacionalismo actuante, os quais se consubstanciam em uma palavra, entre nós, um pouco esquecida e quase obsoleta: Patriotismo.»

Páginas depois afirmei:

«Quando de uma comunidade de interesses essencialmente económicos [estava a referir-me à CEE] se transitou para uma união política com objectivos que transcendem em muito os anteriores, naturalmente passou a estar-se perante uma nova realidade, exigindo novas posturas por parte dos Estados. Uma delas implica a alteração do conceito de soberania. É sabido que a União Europeia pretende assumir-se como uma unidade política com um grau de soberania superior ao dos Estados que a integram.»

Um pouco mais à frente, dizia:

«Se olharmos a actualidade através das «lunetas» herdadas da Revolução Francesa concluímos, sem dificuldade, o quanto a União Europeia é uma subversão da ordem interna e da ordem externa dos Estados soberanos. E nem se pode invocar exemplos de Uniões ou Federações existentes no continente americano, porquanto essas se assumiram como «revoluções» libertadoras de uma subjugação colonial que, por coerência, teriam de romper com o modelo de onde provinham.»

Logo de seguida avancei:

«A União Europeia ao subverter o modelo herdado e consolidado de Estado, através de um aprofundamento da prática de uma soberania «superior», subverte concepções centenárias nos Estados e Nações do continente. Uma delas é, sem sombra de dúvida, a do Patriotismo. A Europa encontra-se em fase de abandono das Pátrias para avançar rumo a um novo conceito que, por não estar claramente definido nem ser absolutamente consensual, ainda se busca qual cego no labirinto de Creta. Contudo, há que ter em consideração que os nacionalismos definidores dos Estados ainda não foram enterrados.»

Depois continuei:

«(…) face à subversão em curso e que todos os políticos «euro-crentes» defendem, coloca-se, com profunda acuidade e pertinência, a questão de saber sobre que pilares deverá assentar a base formativa dos militares ‒ e em especial dos oficiais das Forças Armadas ‒ desta Europa subvertida. Nos velhos conceitos de Patriotismo nacionalista que vêm do século XIX? Nesse caso está-se a corromper, por dentro, a evolução tão desejada por todos aqueles que defendem a União Europeia como futura unidade política supranacional. Gera-se, propositadamente, o vazio formativo nos novos quadros militares? É sabido que a Natureza tem horror ao «nada»; ele há-de ser preenchido por uma qualquer ideia ou ideologia. Será a acertada e conveniente?»

Porque começa a ser fácil perceber onde eu pretendo chegar agora, limito-me a mais uma transcrição:

«Na nossa opinião, só após terem sido lançados os alicerces da política comum será possível falar de uma política de defesa comum, já que esta advém, como vimos anteriormente, da prévia definição dos interesses a salvaguardar. Poder-se-á, no presente, falar de cooperação militar entre Estados, mas não será mais do que isso mesmo, na exacta medida em que os aspectos fundamentais se continuam a centrar na defesa dos interesses das Nações. Podemos, então, deixar a pergunta: sobre que ideais deverão começar a ser educados os futuros oficiais de umas Forças Armadas europeias?»

 

As preocupações que deixei ao longo desse trabalho, cuja finalidade apontava no sentido da formação dos futuros oficiais militares da União Europeia, levaram-me a, em função do artigo do almirante Reis Rodrigues, redireccionar-me, pois a resposta às justas causas daquele oficial da Armada, não vão ser dadas na perspectiva que eu alinhei há dezasseis anos!

Não, elas, em vez de começar por baixo, vão começar por cima!

A reorganização dos comandos das nossas Forças Armadas faz ‒ não posso apostar, porque não tenho mais dados do que a simples dedução ‒ parte do plano de criação das Forças Armadas da União, no mais curto espaço de tempo.

Tudo se tornou urgente em função de um conjunto de dados externos a Portugal: o fenómeno Trump e a nuvem negra que pode pairar em qualquer momento sobre a Europa, se o elo atlântico se quebrar; a pandemia, que veio mostrar à saciedade a dependência em que a Europa está da China, porque é lá que está a indústria que faz falta à sobrevivência com autarcia limitada da Europa e, por fim, mas não por último, a corrida aos armamentos modernos que a China está a fazer, com especial orientação para o seu mar, facto que obriga os EUA a deslocar a sua força para o Pacífico, deixando à Europa a obrigação de defender o Atlântico. Acrescente-se, para ultimar, a pressão que a Rússia pode fazer nas fronteiras orientais da União.

 

Não apostando, creio não estar longe do alvo, pois Bruxelas e os europeístas ‒ aqueles tecnocratas que resolvem tudo nas costas de todos nós ‒ são bem capazes de ter o dossiê já preparado para a criação das Forças Armadas da União. Faltará a directiva, mas essa prepara-se num abrir e fechar de olhos, se todos os ministros da Defesa estiverem de acordo. E se a minha hipótese estiver certa, é assim que se justifica a perda de importância dos Chefes dos Estados-Maiores dos ramos, que passarão para lugares bastante subalternos numa orgânica da força europeia.

 

Porque o ministro da Defesa Nacional não nos explica nada, nem ele nem o Primeiro-Ministro, seguindo o trilho aberto pelo almirante Reis Rodrigues, todas as deduções são possíveis.

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