A técnica e a cultura
Cada vez mais vou sentindo que os jovens técnicos se apresentam melhor preparados para enfrentar os desafios da modernidade, seja na área das chamadas “ciências exactas” como na das “ciências sociais e humanas”. Em abono da verdade, os primeiros enfatizam a importância dos seus saberes numa disputa entre o raciocínio preciso e o espírito especulativo dos segundos, mas tudo isso se vai esbater quando perceberem a interdependência de conhecimentos… Contudo, a dificuldade está no percurso a fazer até lá, porque esse “caminho” é trilhado através de algo que se chama vida e cultura!
E o que é, neste caso, “cultura”?
É a percepção de que a Ciência é una e única, pois, só por conveniência, ela se separa em “ramos”. Trata-se de uma conveniência assente no utilitarismo da aprendizagem, porque cada vez é maior a complexidade das “especialidades” da Ciência. Vai muito longe o tempo do “trivium” (lógica, gramática e retórica) e do “quadrivium” (aritmética, música, geometria e astronomia), abarcando “todos” os saberes de então. O século XVIII aniquilou de vez este limitado conhecimento, caindo no exagero do enciclopedismo, para definir e compartimentar, depois, uma vez por todas, as matérias condutoras à modernidade e à Revolução Industrial. A “Revolução Cibernética” acabou por gerar a tal sensação de que, para além do que se estuda com exactidão, não “há mais mundo” científico, só se apercebendo do irrealismo desta postura intelectual aqueles que se dedicam à investigação especulativa.
Por felicidade minha – às vezes sentida como uma infelicidade – fui obrigado a estudar, quase em simultâneo, desde literatura, a língua inglesa, francês, matemática, contabilidade, cálculo comercial e financeiro, direito comercial, economia política, filosofia, lógica, geografia, história, física, química, física geral, geometria descritiva, matemáticas gerais, armamento, táctica, estratégia, transmissões, química dos explosivos, fortificações militares, matérias-primas, técnicas de venda, topografia, motores de explosão, finanças públicas, estatística; depois, já voluntário, estudei ciência política, sociologia, antropologia, geopolítica, geoestratégia, história militar, relações internacionais, direito internacional e mais uma multiplicidade de “histórias” e de outros saberes. Foi isto que me deu a completa percepção de que a Ciência é una e que as rivalidades entre sectores do conhecimento não têm sentido, porque o fundamental é ampliar horizontes, articulando o saber de uma forma lógica para perceber a plasticidade da vida em sociedade.
Se é verdade que, agora, mal me recordo do que são as derivadas, o cálculo vectorial, os limites de uma função, o número imaginário, as matrizes, os integrais, o seno, a co-tangente, o triângulo esférico, o foco, a corrente alterna ou a lei da atracção universal, não é menos verdade que tudo isto e muito mais converge, na minha mente, para possibilitar raciocínios amplos e lógicos tendentes a perceber a razão de determinados fenómenos sociais acontecerem com maior ou menor frequência e merecerem, ou não, ficar explicados na História para os vindouros enxergarem um passado que, no mínimo, os moldou e ajudou a ser como são.
Eis a razão, porque não gosto do elogio de um só saber ensinado em um só lugar. A emulação é boa quando usada dentro de certos limites.