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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

09.07.22

A queda de Boris e a guerra


Luís Alves de Fraga

 

Finalmente, Boris Johnson caiu da cadeira onde o populismo mais primário o havia colocado em nome de um nacionalismo inglês quase incompreensível num tempo em que a tendência geral é para se criarem blocos capazes de enfrentar a globalização. Mas, na verdade, tudo é possível de uns tipos que, vivendo numa ilha, afirmam que, em momentos de grande temporal, o continente está isolado!

‒ E será que o desaparecimento da cena política daquele desgrenhado, também mental, tem qualquer tipo de reflexo na guerra que se trava entre a Rússia e a Ucrânia?

Tenho para mim, naturalmente ditado por razões estratégicas, que, venha quem vier, não altera, de maneira significativa, a política de guerra do Reino Unido, porque há, pelo menos, dois factores a levar em linha de conta: em primeiro lugar, a política externa inglesa ainda tem tiques imperiais ‒ Londres olha para o mundo como se o eixo da política global passasse por Greenwich tal como passa o meridiano de referência, mas, realmente, já não passa ‒; depois, na Inglaterra, sabe-se, com muita certeza, que só a ligação de Londres a Washington pode induzir importância de grande potência à pequena Grã-Bretanha de hoje. Assim, na City, percebe-se que a ligação mais conveniente aos interesses financeiros britânicos é feita, em directo e em primeira mão, à Wall Street, em Nova Iorque.

 

Em Londres ninguém esqueceu ainda que as grandes guerras na Europa foram resolvidas graças à intervenção dos soldados, do armamento e dos bens de toda a ordem vindos dos EUA, em 1917 e em 1941.

Se em 1918/1919 os EUA mantiveram a prática da doutrina de Monroe (em síntese, com ilações adjacentes: o presidente James Monroe, em 1823, estabeleceu, no Congresso, o princípio de que a América é para os americanos e, deste modo, devem ser impedidas as intervenção da Europa no Novo Mundo, deixando que sejam os EUA a conduzir e influenciar ‒ de acordo com a ideia do chamado Destino Manifesto, ou seja, a difusão da democracia, da liberdade e da realização da felicidade na Terra, através da criação de oportunidades para todos, pertence aos EU ‒ todos os Estados que haviam sido colónias de Portugal, da França, da Holanda e de Espanha, no continente, de modo a que, de Washington, partissem as directivas e acções que deveriam ser aceites do Norte ao Sul do continente americano), dizia, se mantiveram a doutrina de Monroe, levando a que o presidente Wilson visse gorada a sua tentativa de influenciar a política europeia, o mesmo não aconteceu, em 1945, porque, pode garantir-se, a velha doutrina estabelecida pelo quinto presidente dos EU, se começou a transformar em algo cujo enunciado se traduz numa frase muito simples, que glosa a de 1823: O mundo é para os americanos. E era para os americanos, porque eles haviam vencido na Europa, no Pacífico e em todo o lado onde a guerra chegara, menos onde os vencedores haviam sido os russos da URSS.

O típico gentleman britânico, conservador e incapaz de abdicar dos seus princípios, do guarda-chuva, do chapéu e da fleuma tinha sido destronado pelo filho do agricultor americano, capaz de fazer negócio e prosperar através das oportunidades dadas pela liberdade, também, de chantagem e vigarice. O mundo não era mais aquele local onde flutuava a Union Jack, mas onde se bebia Coca-Cola, mascava chuin gum, e se falava um inglês adulterado pela iliteracia de um povo que socorrera a Velha Europa, evitando que soçobrasse perante a ameaça de uma nova ideologia política que socializava os bens de produção e falava de um homem novo. O Reino Unido desfez-se ‒ para satisfazer a vontade de Washington ‒ do império colonial, mas, para ilusoriamente se compensar, ampliou a Commonwealth.

 

Nesta descida aos infernos da Grã-Bretanha há que perceber que jamais os homens da rua, o Mr. Brown ou o Mr. Smith deixaram de ter a, agora mais do que ilusória, sensação de serem donos de um império. Trata-se de algo que nós, portugueses, somos capazes de compreender muito bem, bastando lembrar-nos da Glória de termos dado mundos ao mundo através da Epopeia dos Descobrimentos… Incha-se-nos o peito, mas é só vento, só História, que ameniza a triste condição do presente nacional.

Na verdade, a Inglaterra foi, do final do século XVI em diante, até 1945, um dos Estados predominantes na Europa, disputando o domínio dos mares à Espanha, à Holanda, à França e, por fim, à Alemanha. A Inglaterra foi árbitro e jogador nos conflitos europeus, contra a Holanda, a Áustria, a Prússia e, acima de todos, a França. Foi determinante no Congresso de Viena. Opôs-se, na Europa e no mundo, às tentativas hegemónicas da Alemanha, depois desta se ter unificado. Segurou a França e a Bélgica, em 1914 e, de novo, estes mais a Polónia, em 1939.

Mas o que a Inglaterra parece não ter compreendido é que a perturbação continental deixou, em 1945, de ser provocada pelos Estados europeus e, até mesmo pela URSS, porque deslocou o seu eixo para o continente americano e, partindo deste, para todo o mundo, de modo a exercer o controlo estratégico do mesmo.

Os motivos de guerra deixaram de estar no Velho Continente e Boris Johnson parece ter baralhado as páginas dos compêndios de História por onde estudou (?) ou, então, ardilosamente, procurou um populismo que o afasta da realidade presente para o colocar num passado ainda recordado como sendo grandioso e interventivo.

 

Tal como disse no início, o que se seguirá a Boris Johnson não faço ideia, mas julgo poder dar garantias se for a vertente populista a preponderar: tudo ficará na mesma em relação à guerra; contudo, se prevalecer o bom-senso entre os conservadores britânicos, não sei se serão capazes de se desligar da estranha e quase contranatura aliança com os EUA para procurarem ser um dos pilares fortes da Europa, porque, desta vez, não são significativas as diferenças entre os grandes Estados do Velho Continente, nomeadamente, a Alemanha, a França e, de alguma maneira, a Itália e, em menor medida, a Espanha. O perigo está no momento em que o pensamento estratégico se deixa dominar por emoções e interesses periféricos, como sejam eleições internas, por exemplo.