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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

25.06.24

A QUARTA HOSPITALIZAÇÃO

02 ‒ A tomada de consciência


Luís Alves de Fraga

 

Não é novidade que sou neto e filho de militares, sargentos, é certo, mas militares, que fui aluno do Instituto dos Pupilos do Exército e da Academia Militar até ganhar o direito de usar o meu galão de alferes da Força Aérea. Bolas, é muita tropa numa vida de oitenta e três anos! E, com isto, o que quero dizer? Algo muito simples: tenho entranhado sob a minha epiderme a condição militar e o que ela supõe: a vaidade de ser o que sou ou, dizendo melhor, o sentido da disciplina e da hierarquia!

Ser militar não é ser nem melhor nem pior do que uma oura profissão qualquer: é diferente. Eu comecei a ser preparado para ser diferente com a idade de treze anos e, muito a sério, para comandar, chefiar ou dirigir homens aos vinte anos. Foi isso que gerou em mim a vaidade de ser diferente e, de entre o grupo militar, ir sendo mais diferente quanto mais ascendia no posto. Quando o meu cadáver estiver a entrar no cemitério tenho direito a uma salva de três descargas de pólvora seca, disparadas por um pelotão, diferentes da do sargento que for a sepultar no mesmo lugar em horas aproximadas. Sou diferente, até na morte.

Naturalmente, sem se dar por isso, lentamente, a consciência de ser diferente, gera um outro sentimento que não é bonito nem recomendável: a vaidade.

Eu, negando a mim mesmo e aos outros, sou vaidoso. Vaidoso por ser diferente, vaidoso por ter alcançado o que alcancei, vaidoso por ser quem sou. Todavia, como já disse, sempre neguei a mim mesmo e, em especial, aos outros a minha vaidade.

 

Não ter um quarto para mim, no internamento no HFAR, foi brigar com a minha diferença e, naturalmente, com a minha vaidade.

Tal como em apontamento anterior disse, antes de adormecer na minha cama no canto da enfermaria, pedi a Deus um sinal e ele foi-me dado através de um sono profundo, repousante e descansado, tal como se estivesse no melhor quarto do hospital. Afinal eu podia ser tratado naquela enfermaria e não ia ser tratado só da doença que me vai consumindo, mas da minha vaidade, do meu exagerado sentido de diferença. Eu estava ali para pôr à prova a minha humildade, porque, naquele local o que se trata é da saúde e não da saúde segundo postos hierárquicos. Eu estava na “trincheira” onde todos lutam pela sobrevivência ajudados por profissionais de saúde que não olham a vaidades, nem a diferenças.

Esse acordar, na manhã de terça-feira, recordou-me o professor que fui, na Academia da Força Aérea, da cadeira de Deontologia Militar e do que ensinei aos meus cadetes sobre o dever de tutela o qual se consubstancia na obrigação de zelar pelo bem-estar dos nossos subordinados e só se sabe exactamente como deve ser exercido se tiver estado ao lado dos nossos subordinados, correndo os mesmos riscos e conhecendo o sabor do medo que devemos controlar. Naquela enfermaria, não sendo o doente mais novo nem o mais graduado era, quase de certeza, aquele que estava mais consciente do que me rodeava e havia, de certeza, um propósito para estar ali.

Quando o chefe do serviço de medicina interna veio falar comigo, como eu havia exigido na véspera ao enfermeiro, depois de ouvir as explicações que me deu, declarei-lhe que ia ficar naquele canto à espera de ser tratado dos meus males físicos, porque, dos morais fiz questão de os guardar para mim, pois desses trato eu.

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