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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

17.09.22

A legitimidade das monarquias


Luís Alves de Fraga

 

Ontem vi, numa das nossas estações de televisão, um programa gravado com os eurodeputados portugueses e um deles ‒ creio que o do Bloco de Esquerda ‒ disse, a dado passo, qualquer coisa como (cito de memória): «As monarquias não são legitimadas pelo voto popular».

Se não foram exactamente estas as palavras, a ideia era, sem dúvida, a que expressei.

 

Fiquei com os poucos cabelos, que me restam na cabeça, de pé! Meu Deus, manda-se para o parlamento europeu alguém capaz de dizer barbaridades destas? Onde está a preparação em Ciência Política de um senhor destes? Para este político, pelos vistos, a legitimidade só existe quando existe votação popular.

Tal barbaridade só pode sair de quem foi “formatado” em certos “moldes” ou de quem não sabe nada de História e do processo de legitimação dos poderes políticos.

Tão grande ignorância merece um esclarecimento, uma explicação, porque, quase pela certa, haverá por aí quem vá replicar a asneira até à exaustão e, como uma mentira ou um erro repetidos mil vezes se podem tornar numa “verdade”, é de toda a conveniência que se desfaça o equívoco, tão breve quanto possível. Vamos a isto?

 

Na Europa, a formação dos reinos, que deram origem aos países actuais, resultaram da queda do império romano e pelo domínio de grandes parcelas de território por parte de guerreiros com forças e poderes para controlar as suas propriedades. Naturalmente, as lutas entre vizinhos era mais ou menos constantes, pois, a determinante era a ampliação do território. Em muitas circunstâncias, os adversários da véspera ter-se-ão aliados contra um outro guerreiro mais poderoso e, assim se estabeleceram hierarquias de poder que levaram aos sistemas de vassalagem quando havia comunhão de objectivos. Foi esta identidade de interesses que formou o princípio da monarquia: um guerreiro com mais domínios dava auxílio a outros, que aceitavam dispensar-lhe ajuda quando ele dela carecesse para defender o conjunto. E o grande guerreiro era o rei, que prodigalizava benefícios a todos quantos o ajudavam a ampliar os seus domínios.

Pergunta: ‒ Onde estava a legitimidade?

Resposta: ‒ Traduzia-se na comunhão de interesses que unia os senhores da força. O “povo” era constituído pelos servos da gleba ou pelos pequenos proprietários de leiras donde tiravam o rendimento necessário para duas coisas: pagar a renda ou imposto ao “senhor da terra” (que, supostamente, os defendia dos seus inimigos) e comer parcamente alguns produtos guardados para sustento da família.

Os Visigodos e os Germanos tinham um sistema ligeiramente diferente: o rei era eleito de entre os grandes senhores da terra, que repetiam a eleição após a morte do rei anterior. Foi, aliás, por causa deste princípio e dos desentendimentos entre eleitores que um dos “bandos” visigodos, que ocupava a Península Ibérica, pediu auxílio aos berberes do Norte de África e estes, entrando em luta com os aliados e inimigos, ocuparam todo o território e conquistaram-no em nome de Alá.

 

Como, em poucas linhas expliquei, a “legitimidade” desses tempos nada tem a ver com a dos de hoje. Tal como continua a não ter com as “legitimidades” populares nascidas com a independência americana ou com a Revolução Francesa.

Com efeito tanto uma como outra, embora se tenham servido do povo (e aqui refiro-me àqueles que não tinham nem eira nem beira) não aconteceram para esse “povo”. Colheram a legitimidade junto de um “outro povo”, aquele que sabia ler e escrever ou, não sabendo, pagava impostos e tinha bens de raiz; era “um povo” a caminho de ser burguesia. Podiam e deviam votar nos seus representantes, já que a soberania residia não no rei mas nesse tal “povo”.

Dessas revoluções ao regime liberal foram anos que passaram num instante e, é depois da primeira metade do século XIX, quando estava a arrancar em força a Revolução Industrial, que a “legitimidade” começa a alargar-se timidamente aos homens analfabetos e sem fortuna pessoal. Alargou-se por via da existência de dois vectores concorrentes para o mesmo sentido: um, a necessidade de ampliar o consumo dos bens produzidos e, outro, trazer à cena política mais eleitores, mais homens capazes de votar, porque eram capazes de comprar, o mesmo é dizer, de ganhar dinheiro enquanto estavam a ser “engolidos” pela “máquina produtora de bens de consumo”, nascendo, deste modo, a pequena, a média e a alta burguesias.

Para provar que o sistema seguiu este caminho, basta recordar a luta das sufragistas britânicas, que tendo sido absorvidas pela “máquina produtora” de bens, queriam iguais direitos de legitimação do poder político atribuído, até então, só aos homens. Elas já estavam na “engrenagem”, elas tinham de ter, por conseguinte, uma palavra a dizer sobre quem podia e devia governar.

 

Creio que deixei provado que as monarquias feudais e absolutas foram legitimadas por aqueles que encontravam nelas as vantagens de as apoiar, assim como apoiavam o monarca de quem podiam receber favores; as monarquias liberais, porque a soberania deixou de ser um “dom e uma obrigação” recebidos directamente de Deus, passando a residir no Povo (entenda-se “isto” como mais jeito der), são ainda hoje uma excrescência de uma tradição perdida no tempo, legitimadas pela aceitação concebida nas revoluções liberais de que o rei não era o soberano. Eis a razão de, em Setembro de 1820, no Campo de Santo Ovídio, no Porto, se aclamar o liberalismo ao mesmo tempo que se davam vivas ao rei e à Santa Religião.

Os tronos liberais passaram a ser adornos de um tempo já fora do tempo.