A guerra em África: madrinhas de guerra
A ideia de “dar” aos combatentes uma “madrinha” nasceu em França durante a Grande Guerra. Também, em Portugal houve, a partir de 1917, madrinhas de guerra.
Naturalmente, e na ausência de um estudo profundo sobre o assunto, quase posso garantir que terão sido muito poucos os soldados a corresponderem-se com tais senhoras, em consequência do elevado analfabetismo da nossa tropa. Madrinhas de guerra, nessa altura, tiveram-nas alguns sargentos e oficiais. Por trás deste movimento estiveram organizações femininas ligadas à Igreja Católica e às mulheres republicanas.
A ideia de madrinhas de guerra, no conflito colonial, depois de 1961, nasceu do Movimento Nacional Feminino. Era e foi, mais uma maneira de envolver, com muita subtileza, as mulheres, indistintamente da sua idade e condição social, na aceitação da guerra como um mal necessário e patriótico. Ao cabo e ao resto, mais uma obra da propaganda salazarista.
Para se perceber este “fenómeno” ‒ o das madrinhas de guerra ‒ do tempo da campanha colonial há que explicar certos aspectos cada vez mais difíceis de compreender, dada as alterações comunicacionais da actualidade. Vejamo-los, por partes.
O isolamento dos militares, nos aquartelamentos no mato ou em localidades “distantes” de tudo, era um convite à desmoralização.
A correspondência postal tinha um papel básico nos agrupamentos humanos solitários, fosse originária da família ou de qualquer outro ente, porque a ausência de cartas, no momento em que outros as liam, marcava mais profundamente o afastamento de quem as não tinha. Isto era verdade tanto para os quartéis como para as prisões, colégios internos ou seminários católicos. O elemento determinante é a presença e ausência de notícias. Só isso justificava que, até os menos letrados, se sentissem descompensados na altura da distribuição das cartas.
A correspondência, vinda do “exterior”, quebrava as rotinas da vivência do “interior” do grupo e possibilitava, pelo menos durante a leitura ‒ muitas vezes repetida ‒, uma “fuga” mental para situações e locais mais agradáveis, beneficiando, assim, de um “restauro” das forças anímicas.
As revistas femininas da época veiculavam os nomes e endereços dos militares, pedindo madrinhas de guerra. Deve ter-se em conta que tais revistas, ditas femininas, estavam especialmente viradas para grupos sociais de baixos rendimentos financeiros e cultura tradicional, funcionando como meios de comunicação capazes de alienar as mulheres, reservando-lhes papéis subalternos ao homem, supostamente “dignificando” a função de “dona de casa”, de companheira silenciosa e submissa do marido e de mãe “educadora”.
Através desses pedidos, iniciava-se, deste modo, a troca de correspondência entre pessoas, quase sempre de formação e conhecimentos distintos. As notícias chegavam ao afilhado e várias coisas podiam acontecer, tal como aconteceram: a madrinha tornar-se no elo de ligação e de apoio à família do militar; tornar-se no centro das atenções do combatente, suplantando, às vezes, a própria família pouco pródiga em notícias; podia, também, por força do isolamento, o afilhado começar a enamorar-se da madrinha, sem, contudo, haver sinais por parte desta no sentido de alimentar tal paixão; ou, por fim, haver até um encontro sentimental, que acabava, ou não, em um relacionamento mais sério e profundo.
Seja como for, à luz da História, as madrinhas de guerra têm de ser olhadas sob dois ângulos, pelo menos: instrumentos não conscientes da máquina propagandística do salazarismo e da ideologia veiculada pelos mentores do fascismo português, que a si mesmo se designava por Estado Novo, ajudando a tornar amorfos e “pacíficos” os militares já vítimas da alienação política; e conformando os militares à aceitação dos infortúnios de uma guerra desmoralizante, servindo, neste sentido, de apoio ao comando militar, que, não discutindo as razões da guerra, tudo fazia para manter o moral dos combatentes.