A guerra em África: combatentes
Os combatentes portugueses na guerra em África, entre 1961 e 1974 foram os jovens, quase todos, os que tinham idade e condições físicas para serem incorporados nas fileiras do Exército, Marinha ‒ fuzileiros, em especial ‒ e Força Aérea.
Em média, nos anos subsequentes a 1963, os efectivos metropolitanos nas colónias rondavam os seguintes totais: Angola e Moçambique vinte mil cada uma e Guiné cerca de dez mil.
Foi uma sangria constante de homens novos, entre os vinte e os vinte e quatro anos de idade.
Nas aldeias deste país ‒ então muito “grande”, pois para ir de Lisboa a Chaves demorava-se, de comboio, quase um dia e da capital até Ficalho, no Alentejo, outro tanto ‒ sabia-se que o filho, em idade militar, ia, de certeza, malhar com o corpo em uma das três colónias. Sorte, muita sorte, era poder transitar do Exército para a Marinha ‒ desde que não fosse para fuzileiro ‒ ou para a Força Aérea, pois, nesses casos, por muito “empenhado” na guerra, ficava-se sempre numa cidade, o que era fantástico.
Mas, no Exército, chato mesmo, era ser colocado numa companhia de combate e seguir para um “buraco” qualquer na vastidão dos territórios de África. Ficava-se, usualmente, mais de doze meses em zona de intervenção ‒ onde se podia ter um “encontro” desagradável com uma mina ou, pior ainda, com uma emboscada montada por guerrilheiros ‒ e outros doze já fora de grande perigo. Contudo, isto era só verdade para Angola e Moçambique, porque, na Guiné, o perigo estava em todo o lado; perigo, má alimentação, calor húmido e ausência de pequenos prazeres, que dão sentido à vida de um jovem.
Era uma força armada quase toda constituída por rapazinhos feitos, à força e repentinamente, homens “de barba rija”. Os graduados mais próximos dos soldados tinham a mesma idade destes e não havia intimidades, nem tu-cá tu-lá; o respeitinho impunha-se. E impunha-se porque, supostamente, o “nosso” furriel e o “nosso” alferes sabiam mais de tropa e de guerra do que o soldado arrancado à enxada lá na aldeia por trás do sol posto!
Felizmente, era uma guerra na qual o inimigo não tinha superioridade de armamento, mas tinha uma coisa tão má ou pior do que melhor armamento: a surpresa. Nunca ninguém sabia onde, no trilho, na picada, estava uma mina antipessoal ou anticarro. Uma vez pisada era um grande salto ou para a morte ou para um aleijão permanente. Os combatentes, e só estes, transpiravam medo, porque os outros, os do “ar condicionado” transpiravam suor. Curioso é que há hoje muito “combatente” que esteve sempre no “ar condicionado”!
Claro que os “combatentes do ar condicionado” faziam falta para pôr em funcionamento toda a “máquina” de guerra útil e indispensável aos combatentes no mato, mas isso não lhes dá agora direitos de “heroicidade”.
Depois, havia o pessoal do quadro permanente ‒ oficiais e sargentos ‒ que, consoante o posto e a especialidade, iam ou não para o mato, para as zonas de combate. Mas, desde o começo da guerra ‒ 1961 ‒ até ao fim dela ‒ 1974 ‒ ia-se sendo promovido e os riscos do começo diminuíam com o passar do tempo; um capitão no início era já tenente-coronel no fim.
Ir para as colónias, em todas as circunstâncias, era aumentar o potencial de perigo, porque, por combate, acidente automóvel ou doença podia-se regressar com maleitas desnecessárias, se os políticos de Salazar ‒ e ele mesmo ‒ tivessem tomado em conta a mudança dos tempos e o direito de os povos tomarem em suas mãos os seus destinos.
P. S. ‒ Para que conste:
Porque oficial da Força Aérea, de uma especialidade que não me levava à actividade de voo, fui “combatente no ar condicionado”, por isso, coerentemente, nem sócio sou da Liga dos Combatentes.