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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

20.08.19

A guerra em África: Aldeamentos indígenas


Luís Alves de Fraga

 

É conhecida a frase de Mao Tse-tung: «O povo está para o guerrilheiro como a água está para o peixe». Ela ajudou a definir uma estratégia na contraguerrilha utilizada pelas forças armadas francesas na Argélia e copiada pelos comandos militares portugueses na guerra em África: controlando o povo, “tirava-se a água ao peixe”.

 

Ora, por volta do final da década de 60 do pretérito século, começou a ensaiar-se uma solução “original” nos territórios de Moçambique (em especial na zona de Tete) e de Angola (em especial no Leste): fazer deslocar as populações de aldeias tradicionais indígenas para aldeamentos próximos de aquartelamentos militares onde estavam vigiadas, controladas e apoiadas, também, pelos serviços de saúde militar.

Parecia ideal a solução, pois, para além de se passar a disponibilizar de aglomerados urbanos, com amplas ruas entre as casas, escolas, enfermarias, água canalizada e outros serviços básicos, ainda que mínimos, podiam ensaiar-se meios de defesa autónomos liderados ou por autoridades administrativas ou por chefes autóctones. Nas proximidades dos aldeamentos havia terrenos para fazer lavras tradicionais entre os povos “controlados”.

Esperava-se que, através desta “adesão” das populações à causa portuguesa, não fosse dado abrigo aos guerrilheiros.

Tudo muito inteligentemente preparado, tudo muito “asséptico” do ponto de vista operacional, tudo muito bem feito à maneira dos estados-maiores pensantes!

 

Mas, quem imaginou esta solução, não conhecia a cultura da maior parte destas populações indígenas, nada sabia dos seus hábitos nem das suas crenças!

É que, a maioria dos autóctones, não “civilizados” nem “cristianizados” pelos homens brancos, praticava o animismo! Para estas populações os espíritos dos seus mortos continuavam a coabitar com elas nos seus lugares habituais, debaixo das mesmas árvores e ao lado dos seus animais. É que os espíritos dos mortos e das coisas são muito, mesmo muito, importantes para os negros distantes da cultura europeia e ocidental, por isso, sentem como uma agressão, uma ofensa, a separação dos seus locais de vida, porque os mortos continuam vivos, dando-lhes o amparo e a protecção de que carecem em todos os momentos.

 

Explicado isto, em poucas linhas, percebe-se o tremendo erro cometido com a “brilhante” ideia dos aldeamentos! Os oficiais de estado-maior deveriam ter estudado, mas com olhos e cabeça bem abertos, a Expansão Marítima para perceberem que, tanto os nossos navegadores como os islâmicos, começaram por tentar a conversão religiosa, pois, só desse modo se conseguia a boa relação com os povos. A solução dos aldeamentos foi uma não solução, um ataque aos usos e costumes indígenas e, por isso, as populações, sempre que tal foi possível, apoiaram os guerrilheiros, levando-os, até, a beneficiarem de consultas médicas e de tratamentos de enfermagem.

 

Na Guiné a política de aldeamentos tornou-se muito mais complicada do que nas outras duas colónias em guerra. Com efeito, existiu a intenção de aldear as populações, mas, devido à pequena superfície do território nem era possível criar grandes aglomerados populacionais nem era possível garantir o seu total isolamento da influência do PAIGC. Assim, pode dizer-se, redundou num tremendo fracasso a ideia posta em prática nos outros teatros de operações.

O general Spínola, rodeado de bons executantes, constitutivos do estado-maior e de alguns “bem-pensantes”, optou por uma outra abordagem para “tirar a água ao peixe”: usar, dentro dos limites do possível, os mesmos argumentos do PAIGC e satisfazer as necessidades e reclamações dos das populações. Assim nasceram os Congressos do Povo”.

A ideia foi, incontestavelmente, excelente, mas a sua ineficácia foi, também, evidente, por ter sido tomada já muito tarde; já só aqueles povos naturalmente fiéis ao regime colonial integraram as “banjas” (no dizer moçambicano) spinolistas. A medida imposta limitou-se a evitar que aumentasse a adesão ao partido dos guerrilheiros.

 

O regime fascista e colonialista, em Portugal, pecou, primeiro, por não ter querido aceitar os “ventos da História”, compreendendo que o tempo dos impérios tinha chegado ao fim e, segundo, porque, querendo vencer militarmente um conflito à partida já perdido, não soube, com larga antecipação, mandar preparar os quadros militares de média e alta graduação de modo a aprenderem a lidar com um novo tipo de guerra já, então, experimentado pela Grã-Bretanha e pela França.

Afinal, ao querer “tirar a água ao peixe”, os altos comandos militares portugueses “abriram a torneira” facilitando a vida aos guerrilheiros, que viram simplificada a sua acção de propaganda contra o colonialismo e o fascismo.