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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

18.03.21

A Guerra Colonial

(Conceitos para a compreender e explicar)


Luís Alves de Fraga

O facciosismo transforma um inteligente num estúpido.

O conhecimento científico explica as distorções da política.

 

Conceitos básicos:

Poder político: é aquele que dita, domina e controla a tomada de posição da entidade geradora e gestora da decisão em determinada unidade social organizada.

Legalidade: é o elemento essencial que dá força a toda e qualquer disposição ditada pelo poder político no exercício das suas funções.

Legitimidade: é a força consensual de uma maioria social, transformada ou não em expressão numérica, na qual se apoia o poder político para justificar a legalidade das suas decisões.

Direito: é conjunto de normas gerais, abstractas, dotadas de coercitividade, que regem os comportamentos e as relações numa sociedade.

Soberania: é o direito de um poder político não reconhecer, na ordem interna, poder igual ao seu e, na ordem externa, poder superior ao seu.

 

A Guerra Colonial à luz da legalidade do poder político nacional português:

Em Março de 1961, quando começaram as operações militares em Angola para repor a ordem anterior, o poder político português de então, designado por Estado Novo, deu início a um conflito que, em breve, se generalizou às três maiores colónias africanas.

A guerra começada era legítima e legal à luz do contexto da época. Vejamos a razão.

O poder político havia, no prosseguimento da tradição histórica, considerado os territórios ocupados pelo Estado português ao longo de séculos, desde a Expansão Marítima, como pertença de Portugal (Constituição Política de 1822: “ARTIGO 20º — A Nação Portuguesa é a união de todos os Portugueses de ambos os hemisférios. O seu território forma o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e compreende: I — Na Europa, o reino de Portugal, (…) e Reino do Algarve e das Ilhas Adjacentes, Madeira, Porto Santo e Açores; II — Na América, o Reino do Brasil, (…); III — Na África Ocidental, Bissau e Cacheu; na Costa de Mina, o forte de S. João Baptista de Ajudá, Angola, Benguela e suas dependências, Cabinda e Molembo, as ilhas de Cabo Verde, e as de S. Tomé e Príncipe e suas dependências na Costa Oriental, Moçambique, Rio de Sena, Sofala, Inhambane, Quelimane, e as ilhas de Cabo Delgado; (…). A Nação não renuncia ao direito, que tenha a qualquer porção de território não compreendida no presente Artigo”).

Vinha, por conseguinte, de há mais de cem anos, a certeza continuada, depois, pela 1.ª República, de que a Nação portuguesa resultava da união de todos os portugueses, de ambos os hemisférios, fosse essa união o que fosse, e fossem considerados portugueses quem quer que fosse.

Assistia, assim, legitimidade à decisão política de continuar legal, em 1961, o que era legal em 1822, por jamais ter sido contestado de forma revolucionária ou democrática pela Nação.

 

A Guerra Colonial à luz da legitimidade internacional:

Por força das descolonizações feitas na sequência do final da 2.ª Guerra Mundial e de novas correntes de pensamento sobre territórios coloniais, nomeadamente na Ásia e África, que encontravam apoio no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), não era já legítimo nem legal, no plano da legalidade internacional, a existência de colónias portuguesas.

Ora, ocorre que, nessa época (ainda agora), o Direito Internacional é discutível, pois carece do elemento que dá força a qualquer Direito: a coercitividade. Deste modo, o mentor do Estado Novo, Oliveira Salazar, ditador, recusou as determinações internacionais da ONU sobre as colónias. Era o confronto entre a soberania portuguesa e a nova norma internacional que nascia. Ainda havia, mesmo no plano internacional, legitimidade para a posição do Estado Novo ao mesmo tempo que existia espaço para a luta diplomática em substituição da falta de força dos órgãos e Estados defensores da ordem saída da 2.ª Guerra Mundial.

Isto remete-nos para um novo quadro delimitado por contornos de natureza interna, o mesmo é dizer para uma nova legitimidade interna.

 

A Guerra Colonial como fonte de desgaste:

Ainda que o conflito em África tenha sido de muito baixa intensidade em consequência do tipo de armamento usado pelas forças em confronto, ele foi altamente desgastante por dois motivos: um, fracos recursos económico-financeiros de Portugal; dois, falta de população europeia para manter em armas uma força militar em renovação constante durante os anos da guerra. Quando estes dois elementos convergiram no seu ponto mais alto ‒ falta de efectivos europeus para as fileiras e elevado custo da guerra ‒, em 1973, surgiu, também, nos teatros de operações de Moçambique e da Guiné, uma nova arma que punha em causa a supremacia aérea nacional, quase impossibilitando o uso das aeronaves nas missões comuns. Estava-se no auge da guerra e, dali para a frente, só se conseguia vislumbrar uma derrota militar em muito pouco tempo.

 

O novo perfil da legitimidade:

Não raro, as Forças Armadas foram, durante a vigência do Estado Novo, identificadas como o pilar fundamental do regime político. Mas foi esse pilar que o poder político decidiu desgastar na guerra, confiante na fidelidade dos altos postos da hierarquia, deixando-se ficar indiferente aos escalões intermédios de comando.

Ora, acontece que a guerra de guerrilhas, feita em África, envolvia nas operações de combate raros tenentes-coronéis, poucos majores, mas muitíssimos capitães, e restantes graduados abaixo deste posto, até chegar à simples praça obrigada a ir para uma guerra que nem compreendia nem queria fazer. Este facto, embora associado a outros que não esmiúço, inverteu, ao cabo de doze anos de guerra, o “pilar” de apoio à legitimidade do poder político: enquanto antes do conflito os baixos escalões da hierarquia deviam uma obediência cega aos mais altos comandos, em 1973, estes mesmos comandos, talvez, sem percepção completa do fenómeno, estavam condicionados pela vontade e disponibilidade dos escalões médios de comando. Assim, era com estes que o poder político poderia contar para se manter dentro de uma legitimidade que lhe segurasse a legalidade da sua vontade política. E, no final do ano, já não contava, nem de perto nem de longe, com qualquer tipo de legitimidade (recorde-se a sessão de apoio dos generais a Marcelo Caetano ‒ a chamada “brigada do reumático” e percebemos como governantes e altos postos militares não tinham por trás de si nem uma parede onde se apoiar, quanto mais um forte pilar).

O golpe militar de 25 de Abril de 1974 foi a afirmação pública de uma nova legitimidade que, no momento, estava nas mãos de um organismo, indefinido para a população portuguesa, que se chamava MFA ou Movimento das Força Armadas. Estas queriam que fosse encontrada uma solução política para a Guerra Colonial, a par da libertação, desenvolvimento e democratização da Nação.

 

A transferência da legitimidade:

Os oficiais do MFA não queriam ficar detentores do poder político e havia que entregá-lo aos políticos, mas, porém, tinha de, ao acabar com a guerra, encontrar a maneira de proceder à descolonização. Foi este ponto que gerou uma luta política desgastante, na qual os militares entraram a fundo, mas compreende-se o motivo: a legitimidade de toda a acção, fosse ela a que fosse, estava na posse do MFA e era ele quem a tinha de passar aos políticos. Foi esta luta que consumiu o próprio MFA, pois os capitães dividiram-se entre as várias alternativas políticas possíveis. Até ao dia 11 de Novembro de 1975 (independência de Angola, última colónia portuguesa) a disputa esteve acesa, mas, dessa data em diante, era de esperar o desfecho ocorrido a 25 desse mesmo mês. Os golpes militares (porque foram vários) desse dia correspondem, em boa verdade, ao fim da Guerra Colonial e à completa passagem da legitimidade, dita, revolucionária para o poder político definido pela vontade da Nação.

 

As perguntas finais:

Num processo que demorou de Março de 1961 a Novembro de 1975, será de admirar que haja quem ainda não tenha percebido toda esta fenomenologia política e se sinta perdido algures, lá atrás, no tempo? Não haverá quem tenha percebido a diferença abismal entre legalidade e legitimidade? Quem esteja amarrado a definições e opções feitas a “meio caminho” até ao presente?

Nada me espanta. Resta-me ser tolerante perante situações complexas e muito mitificadas pelo tempo e pelo facciosismo político.

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