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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

31.07.22

A corrida de fundo


Luís Alves de Fraga

 

Escrever sobre os últimos apelos do Presidente Zelensky para que as populações do Donbass saíam imediatamente da região para evitar serem feitas prisioneiras dos russos é quase ridículo, porque toda a gente está a aperceber que se pode tratar de uma artimanha para levar as tropas russas a acreditar numa investida em força dos ucranianos sobre as cidades já ocupadas ou de uma acção desmobilizadora junto dos ucranianos pró-russos, levando-os a pensar no bombardeamento da prisão onde estavam ucranianos do célebre batalhão Azov. Será que Zelensky os sacrificou para atirar as culpas para os russos e fazer fugir-lhes os apoiantes residentes na região?

Não se admirem os meus leitores, porque políticos com alto poder de decisão e generais calejados em guerras ou mesmo exercícios militares, mandam para a morte com muita facilidade e continuam a dormir e a comer e a conversar como se nada fosse com eles. É que a morte de uma só pessoa impressiona muito mais do que a morte de centenas, milhares ou milhões; quanto maior é o número menor é a sensação de culpa. É a inevitabilidade da História. Eisenhower, o comandante das tropas de assalto na Normandia, no Dia D, sabia que iam morrer uns bons milhares de homens nas primeiras horas, mas não hesitou em dar a ordem de ataque aos alemães, nem de bombardear as cidades inimigas até não ficar pedra sobre pedra. Não perdeu o sono, foi Presidente dos EUA e morreu com setenta e oito anos. Churchill, foi, durante a 1.ª Guerra Mundial, o grande autor do desastre militar no estreito dos Dardanelos, que levou à morte milhares de soldados australianos e neozelandeses, contudo, nem perdeu o sono, nem isso lhe travou a carreira política. A propaganda apaga rapidamente as memórias más junto das multidões.

 

Parece que se prepara uma ofensiva ucraniana sobre os russos apoiada com material militar recebido do Ocidente (vamos a ver o destino dele quando chegarem ao fim as hostilidades na Ucrânia… Contra quem se virará?). Se os russos tiverem de recuar até ao começo do Inverno, podemos começar a falar de uma vitória da Ucrânia, mas aqui e agora, não está em causa a vitória de Kiev sobre Moscovo; o que, realmente, se joga é a posição da Rússia no contexto das grandes potências. Esse é o cerne da toda a questão.

De facto, tudo parece indicar que os EUA, por interposto país e interposto conflito, que vem de 2014, pelo menos, quer remeter a Rússia para uma posição secundária no plano da estratégia global, que se defende em Washington. E está a cumpri-lo, pois o mundo ficou a saber que, com o armamento clássico, a Rússia não vai além de um impasse militar na Ucrânia, quando, em Fevereiro, toda a gente temia que às ordens de Moscovo pudessem ficar todos os Estados da Europa. Eu próprio, logo de início, imaginei possível uma guerra relâmpago.

Ora, se a Rússia, com material de guerra clássico, não passa deste ponto, esta mesma leitura estão a fazê-la os dirigentes políticos e militares da China e vêem nisso a abertura de uma oportunidade para concorrerem ao segundo lugar. Contudo, os EUA também percebem o que se em Pequim e, por causa das dúvidas, sem o nível da paciência e da diplomacia chinesa, fazem saber que estão dispostos a apoiar, acirrando-o, o conflito entre a China continental e a Formosa ou Taiwan.

Esta atitude forçada, corresponde à do cão rafeiro que, naquele muro além, alça da pata e urina de encontro às pedras para marcar o terreno ‒ «Aqui ninguém mais mija! Este muro tem a minha protecção!» Mas esquece que, antes, o cãozinho chinês já por lá havia mictado, dizendo suavemente aos seus companheiros de raça: «Se aqui algum cão estrangeiro mijar reunimos forças e mijamos-lhe todos, ao mesmo tempo, em cima, para que saiba que, também ele, é terreno nosso!»

 

Este é o retrato figurado do que ocorre neste momento entre os EUA, a China e a Rússia. Esta é a corrida de fundo que os três estão a fazer por causa do controlo global que passa, necessariamente, por ter força militar para dissuadir os outros concorrentes nas diversas modalidades onde querem ser os detentores da medalha de ouro.

 

Com mais adornos, mais requintes de linguagem, mais voltas ou reviravoltas que alguém seja capaz de dar, a guerra na Ucrânia foi a espoleta que determinou o disparo para esta corrida de fundo pela primazia da detenção do pelouro governativo da globalização.

Será que o domínio do mar e do comércio marítimo, logo, do poder global, está a transitar do Atlântico para o Pacífico, tal como já transitou do Mediterrâneo para o Atlântico, tendo, nesses períodos, feito dos Fenícios, dos Gregos, dos Cartagineses e, depois dos Romanos, os detentores incontestados do poder, para serem, muitos séculos depois, substituídos pelos Portugueses e Espanhóis, que cederam o lugar aos Ingleses e Holandeses e estes aos Americanos? Será que estamos a viver o período de transição para os Chineses? Haverá alguma espécie de determinismo nestas deslocações? Será que os EUA estão a opor-se ao sentido da História?

 

Se calhar, porque estamos no olho do furacão, não nos apercebemos dos vórtices que se nos impõem num tempo de mudança.

Seja como for, a Rússia já não é a potência que se contrapõe, em termos de poder militar clássico, aos EUA, mas caber-lhe-á, ainda, o segundo lugar no pódio?

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