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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

07.03.21

A conveniência de estar calado


Luís Alves de Fraga

 

Recordo que, na minha juventude, quando andava pelos treze, catorze, quinze anos, escutando as conversas de adultos, gostava de lançar as minhas opiniões para cima da mesa. Na maior parte das vezes, ninguém ligava nenhuma ao que dizia, noutras, esclareciam o meu erro ou aceitavam parcelarmente as minhas afirmações. Quando se desfazia a mesa e os dialogantes iam cada um para seu lado, o meu pai, se havia estado presente, chamava-me a atenção:

‒ Aprende a ouvir o que os mais velhos dizem para saberes formar uma opinião. É mais importante escutar do que dizer baboseiras.

 

O crescimento foi-me dando a cautela sugerida pelo meu progenitor. Passei a ouvir, sem ansiedade, para, integrando o que foi dito, formar opiniões. Estas ou reservo-as para mim, para meu uso pessoal, ou emito-as quando e onde acho que têm interesse.

Cada vez mais valorizo o saber estar calado, mas, quando julgo ter uma opinião e a considero válida, se necessário, por força da minha idade actual, imponho-a a quem faz parte do círculo que me pode escutar. Ela pode ser valedoura, pois resulta de ter ouvido muito, ter estudado muito, ter meditado muito. Quem não concordar, tem bom remédio… recusa-a.

 

Vem isto a propósito de ontem, sábado, o antigo e mais do que reformado Presidente da República, Professor Cavaco Silva, ter tecido, em público, para uma audiência partidária, uma série de considerandos pouco elogiosos sobre o desempenho do actual Governo. Devia ter calado essas suas opiniões, não pelos mesmos motivos que levavam o meu pai a aconselhar-me silêncio ‒ a minha muita juventude ‒ mas porque foi Chefe de Estado e, antes, havia sido Primeiro-Ministro. O bom-senso, se imperasse, naquela cabeça, não lhe dava o direito que me arrogo de opinar, agora, mas, ao invés, impunha-lhe silêncio. Cavaco Silva agiu como um comum ancião crente na valia do que diz, por causa da experiência, da meditação e do estudo. Mas ele não é, nem será jamais, um qualquer velhote opinioso. Ele será sempre o antigo Presidente da República, com a sobrecarga ‒ aliás, pouco elogiosa ‒ de ter sido Primeiro-Ministro.

 

O silêncio deste homem e de todos os anteriores Presidentes impõe-se mais do as críticas que possa fazer. Se silencioso, sobre si pairará sempre a dúvida do seu juízo, cujo segredo, se bem guardado, terá o peso de uma sentença. Mas Cavaco Silva não é, não foi, nem será um homem prudente, um homem cauteloso. Não. Cavaco Silva deixará transparecer aquilo que o caracteriza: o despeito, o rancor e as manhas.

Não tem mal nenhum, antes pelo contrário, que tenha nascido numa pequena aldeia algarvia, à beira da estrada, no seio de uma família remediada e não mais do que isso. Mas, o que não lhe fica bem é que não soube, ao elevar a sua aldeia e a sua ascendência ao patamar da lembrança histórica, ultrapassar a manutenção de uma postura aldeã, normalmente determinada pelos despiques, desavenças e mexericos da gente cujos horizontes se fecham na primeira curva da estrada ou na linha de um pôr-de-sol logo ali. A diferença entre Cavaco Silva e Oliveira Salazar, neste particular aspecto aldeão, só se faz sentir através da passagem do segundo pelo seminário onde aprendeu a burilar as manhas, cobrindo-as com o manto de um cinismo que falta ao primeiro.

 

Tenho pena de Portugal por ainda não se ter, através das suas elites, sabido elevar ao patamar das virtudes que, supostamente, adornam os Estados onde imperam costumes sociais mais saudáveis.

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