Mário Crespo
Acabou há pouco, Mário Crespo (jornalista pelo qual eu nutria alguma simpatia) de declarar, quase no fecho do Jornal das Nove, na SIC Notícias, e do debate entre Luís Fazenda e Ângelo Correia, que os militares por ele entrevistados deram mostras de não perceber que o país está a viver uma crise.
Estranha conclusão esta de um jornalista que devia estar informado e, acima de tudo, estar conhecedor das razões de reclamação dos militares!
Será que Mário Crespo não percebe que as Forças Armadas estão praticamente “moribundas” para o cumprimento da missão que lhes é atribuída? E estão-no por sentirem o garrote financeiro a apertar à vota da “garganta operacional” que têm de manter em pleno funcionamento!
Saberá Mário Crespo que, neste momento, a Força Aérea só tem nos seus quadros operacionais dois tenentes-generais e que todos os postos de comando que são pertença daquela graduação estão a ser desempenhados por majores-generais? Saberá que não há promoções nas Forças Armadas e que sendo elas uma organização altamente hierarquizada carecem de comandos devidamente qualificados para os cargos que desempenham e que à qualificação corresponde uma graduação? Saberá que foi por ausência de oficiais que o Corpo Expedicionário Português, na 1.ª Guerra Mundial, em França, perdeu capacidade operacional e entrou em ruptura moral? Isso não lhe fará sentir que o moral das Forças Armadas pode romper-se de um momento para o outro? Que o “descomandamento” de quem tem a capacidade de colocar na rua a máxima violência é um risco que nenhum político pode desejar?
Mário Crespo tinha obrigação de saber que é crime, pelo menos moral, descartar obrigações relativamente a seres humanos que serviram denodadamente a Pátria quando eles já não são prestáveis! E é exactamente isso que os Governos, de há cerca de vinte anos a esta parte, vêm fazendo com as Forças Armadas e com os veteranos de guerra. O máximo ataque está a ser feito pelo Governo de Passos Coelho, mas já o de Sócrates lhe dera início ao comprimir despesas de assistência sanitária com o pessoal na situação de activo, reserva e reforma.
Se Portugal não quer ter Forças Armadas tem de assumir, uma vez por todas, essa responsabilidade histórica. A responsabilidade histórica de abdicar de possuir e manter o aparelho militar dissuasor mínimo que garanta a manutenção mínima da soberania nacional. Se Portugal quer passar a apostar exclusivamente na manutenção das forças de segurança interna tem de o afirmar publicamente. Se Portugal quer desarmar toda e qualquer capacidade de retaliação militar perante uma ameaça externa tem de ser capaz de o dizer nacional e internacionalmente. Mas tem de ser o Governo a fazê-lo e a arcar com o peso dessa responsabilidade. Não pode cortar a capacidade de sobrevivência das Forças Armadas através de lhes negar o financiamento necessário para o recrutamento e treino dos homens e mulheres que nelas servem e responsabilizá-las pelo cumprimento de uma missão para a qual não têm capacidade de execução. Foi por algo semelhante que os militares, em campanha, no final do ano de 1973, começaram a conspirar contra o Estado Novo… a guerra na Guiné estava à beira do colapso e Marcelo Caetano ia responsabilizar os militares pela derrota, tal como Salazar o havia feito em relação ao Estado Português da Índia, em 1961; uma derrota que era inevitável dada a desproporção de meios postos à disposição das Forças Armadas naquele território africano. Esquecer as lições da História é sempre perigoso!
Os militares estão a sacrificar-se e a compreender, há mais de vinte anos, a situação de Portugal e dos Portugueses. Viram aumentar as mordomias para todos os que vivem à custa do Orçamento do Estado, quando para eles faltava dinheiro e havia sempre necessidade de reorganização. Um dia o “cavalo” cansa-se e resolve alijar a carga que lhe verga o dorso e mal irão as coisas quando tal acontecer!
Atenção, Mário Crespo! O senhor não pode ser a voz do Governo e não quero acreditar que seja a voz do Povo, pois se for alguma delas, ou as duas, muita coisa estará errada em Portugal!