Mais uma estratégia errada?
Este Governo parece apostado em traçar estratégias erradas ou, no mínimo, pouco inteligíveis para o comum dos cidadãos. Realmente, olhando para os meses passados, vemos que começou por faltar a uma promessa eleitoral não aumentar os impostos ; de seguida, entrou em conflito com a função pública em geral e, mais em particular, com os professores, os militares e os magistrados situações conflituais que se continuam a arrastar; depois, gera-se o confronto por causa dos apoios aos candidatos Mário Soares e Manuel Alegre que, para além de dividirem o tecido partidário do PS, divide o eleitorado simpatizante do mesmo partido; mais à frente, acontece a discussão do Orçamento do Estado, onde são evidenciadas medidas draconianas quanto ao corte de despesas, enquanto vamos tendo notícias de gastos desnecessários em certos ministérios, nomeadamente com assessorias dispensáveis, e promessas de continuar com projectos megalómanos em obras públicas aeroporto da Ota e TGV.
A não ser que este desconchavo constitua, ele próprio, uma estratégia, através de gerar momentos de diversão sobre temas que nos passam à margem, a mim, sugere-me a existência de uma liderança plena de altos e baixos, traçada por uma vontade que se afirma em certos instantes e se apaga noutros, sem completo acerto entre os diferentes sectores governamentais e, mais do que isso, com acessos de autoritarismo e arrogância.
O último argumento que vem confirmar a minha sugestão anterior é a recente medida de mandar retirar os crucifixos das escolas.
Para que não restem más interpretações, sou conscientemente favorável ao preceito constitucional que determina a laicidade do Estado português; sou republicano e laico. Advogo que compete aos pais e aos filhos fazerem a sua livre escolha dos valores religiosos que possam querer adoptar sem constrangimentos de nenhuma espécie. A liberdade, como ponto de partida para o respeito mútuo, é o eixo fundamental para servir de apoio a uma sociedade tolerante e não obscurantista. Após esta prévia advertência, necessária à compreensão da minha postura política, julgo que poderei continuar.
Ainda que há 30 anos tenha sido aprovada a regra constitucional da laicidade do Estado, a verdade é que, com uma prudência em tudo louvável, os vários Governos provisórios e os sucessivos Governos constitucionais optaram por não reacender, nos já distantes anos 70 do século passado, a questão religiosa, que foi bandeira da 1.ª República. Se o fizessem era, num tempo de grande mudança, abrir mais uma frente para desunir e desmembrar a sociedade portuguesa. Foram cautelosos e a meu ver, bem os militares e os políticos que conduziram os primeiros passos da Revolução de Abril. A laicidade foi «escorrendo», com o rodar dos tempos, para o regular funcionamento das instituições. É um processo que, por si próprio, se está a impor mesmo sem a intervenção do Estado ou apesar da «neutralidade» do Estado.
A laicidade tem-se afirmado pelo discurso político, pelas opções partidárias, mas, acima de tudo, pela fortíssima influência dos órgãos de comunicação social, com particular relevo para os televisivos. Formalmente, não deveria ser assim, contudo, qual será o resultado de um posicionamento frontal? A radicalização de todos quantos, na vida diária, já adoptam uma conduta laica ou semi-laica. Neste caso, as hostes favoráveis à permanência de símbolos religiosos em escolas e locais públicos, unir-se-ão e criar-se-á como se está já a criar uma onda de afirmação de algo que não corresponde a verdade nenhuma.
O Norte de Portugal diz-se católico. Sê-lo-á, efectivamente? Veja-se a adesão das gentes nortenhas a programas televisivos onde impera a falta de moral até cívica e de bons costumes, tais como os de um certo humor super duvidoso e de reclusão forçada em «casas», «quintas» e «quartéis»! Veja-se a proliferação de bares de alterne por vilas até há 30 anos pacatas e recatadas! Onde está a influência do clero católico nessas famílias nortenhas? Desapareceu. Aliás, olhadas bem de perto, todas as actuais manifestações populares de prática da religião católica apostólica romana aquela que supostamente é maioritária no nosso país não passam de simbolismos sem sentido, até para aqueles que nelas participam. Os exageros públicos tais como o cumprimento de dolorosas promessas são o fruto de uma crendice que não se extirpa por decreto, mas tão só através de um paulatino trabalho de luta contra o obscurantismo levado a cabo por professores esclarecidos. Deixem estar os crucifixos, mas eduquem os mestres. Assim, estou convicto de que, com exclusão de núcleos muito bem definidos e identificados, acaba desaparecendo a já fraca influência obscurantista do clero. O que resta, agora, são reminiscências infundamentadas de uma religiosidade passada. Quanto às crendices menores «adoração» de imagens, peregrinações e procissões não merecem a perda de tempo em combatê-las, porque ou se tornam em meros adornos folclóricos ou deixam de existir com o rodar dos anos.
Nos recuados tempos da cristianização da Europa, a Igreja foi bem mais inteligente, porque, ao invés de contrariar práticas pagãs, associou aos locais de peregrinação os seus templos, encaminhando os bárbaros hábitos para devoções católicas. A mutação foi «indolor».
À Associação Cívica República e Laicidade compete alertar para os desvios existentes e aceites pelo Estado e, neste caso, pelo Governo. No entanto, a este último cabe definir caminhos a seguir de modo a não tornar instável o que até aqui estava estabilizado. O jogo da tolerância, tem de ser inteligentemente jogado, porque a flexibilidade, naquilo que não é fundamental, demonstra sentido de Estado.