28 de Maio ‒ Os sovietes de tenentes
Já pouca gente sabe que, por trás dos generais golpista, de 28 de Maio de 1926, estava uma turba imensa de tenentes do Exército a incitá-los e a apoiá-los para a revolta. A ditadura partiu, efectivamente, do descontentamento dos tenentes, que conspiravam sob a forma de juntas militares. O maior núcleo situava-se no Norte.
Perguntar-nos-emos, nos tempos que correm, qual a razão profunda deste descontentamento entre oficiais jovens.
A resposta vai-se encaixar num acontecimento relativamente recente, na época: a participação de Portugal na Grande Guerra e o consolado de Sidónio Pais. Vejamos, para compreendermos.
Quando Portugal entrou na guerra, em 1916, teve de acelerar a formação de oficiais na Escola do Exército e, ao mesmo tempo, incorporar oficiais milicianos ‒ novidade entre nós ‒ para suprir as faltas de subalternos (alferes e tenentes), especialmente de infantaria, engenharia e médicos. Mas, a entrada na guerra não foi, de todo, bem aceite aos diferentes níveis e estratos sociais, incluindo as fileiras do Exército. Essa foi a razão pela qual, por exemplo, Sidónio Pais, aquando da preparação do golpe que o levou ao poder, contou com o integral apoio dos cadetes da Escola do Exército. Na época, havia uma alienação política, que levava a acreditar no auxílio desinteressado da Grã-Bretanha e nas boas intenções da sua política externa. Era um mero engano, era um querer acreditar naquilo que se não devia acreditar. Assim, desde os oficiais aos soldados, a ida para França foi uma imposição não compreendida.
Mas o pior veio depois do fim da guerra. Os quadros permanentes do Exército ficaram cheios de oficiais e a progressão na carreira tornou-se impossível. Os tenentes só iriam passar desse posto ao cabo de muitos anos, assim como os capitães. Beneficiados com a guerra foram os oficiais com graduações iguais ou superiores a capitão; desses, a quase maioria chegou a coronel e bastantes a general.
Os tenentes queriam uma mudança da situação política e, porque também a desejavam largos sectores da população urbana, o golpe de 28 de Maio de 1926 teve sucesso. O grave, no meio de tudo isto, é que, na realidade, não eram os generais quem, na prática, tomava as decisões políticas mais importantes, mas sim os sovietes de tenentes, que se reuniam nos quartéis ‒ em Lisboa, no Regimento de Caçadores n.º 5 ‒ e em certos cafés da Baixa lisboeta. Era aos gritos que propunham soluções ou inviáveis ou inapropriadas. Todas elas apontavam para a imposição de um regime conservador e, naturalmente, autoritário, desde que a autoridade fosse imposta pelo Exército.
Esta situação só conseguiu ser revertida e modificada ao cabo de dois anos e tal, quando Salazar foi chamado para ficar à frente do Ministério das Finanças e aceitou, em Abril de 1928. Todavia, persistiram ainda fortes influências dos tenentes até que foi indigitado para formar governo. Nessa altura, os tenentes já estavam dominados.