As palavras de Otelo
Quando, há dias, Otelo Saraiva de Carvalho se opôs à manifestação dos militares a ter lugar no dia 12 de Novembro de 2011, contrapondo-lhe a posição de que os militares devem, em caso de descontentamento, fazer revoluções ele estava a dar voz a uma corrente de pensamento castrense que não compreende o associativismo militar e menos ainda a forma “civil” de o manifestar. Ele defende, como há muitos militares que defendem, as “quarteladas” e os golpes militares. Ele defende uma forma passada de fazer política e de impor legitimidades quando os partidos políticos já se não entendem e lesam a população.
Vasco Lourenço, entrevistado no início da manifestação, mostrou a outra face, a moderna, a actual, de os militares apresentarem a sua indignação contra as políticas governamentais. Essa passa por virem ordeiramente para a rua, em clara distinção das manifestações populares que impõem palavras de ordem mais ou menos ameaçadoras, virem para a rua, dizia, silenciosamente, em força e quantidade, dar pública nota da sua discordância política.
São duas posições — a de Otelo e a de Vasco Lourenço — que só diferem num pormenor: a capacidade de compreensão dos políticos que são alvo da manifestação. No primeiro caso, eles são obrigados, pela força das armas, a perceber que já não são legítimos; no segundo caso, deveriam perceber que a paciência castrense está a chegar a um limite que é perigoso, pois os militares, enquanto tal, acham que “eles” enquanto políticos, estão próximos de atingir o ponto de perda da legitimidade política. A manifestação pública da discordância castrense está só um patamar atrás da “quartelada” e do golpe militar. É, ainda, uma forma democrática de aviso. Pode repetir-se por várias vezes, mas, para políticos inteligentes e pouco arrogantes do seu vão poder, constitui uma advertência, um “cartão amarelo”. É que os militares, para além de serem os detentores da gestão da máxima violência do Estado, são o último repositório da legitimidade política. E, tal como disse Vasco Lourenço, quando a democracia estiver em perigo, é legítimo os militares fazerem um golpe, uma “quartelada” ou o quer que seja para repô-la.
Exposta a questão deste modo, o que me resta deixar claro, é a inteligência dos políticos. Inteligência ou arrogância. Pois, perante uma manifestação como a de dia 12, deviam perceber que as Forças Armadas estão a lançar um aviso muito sério não só ao Governo, mas à Nação e aos poderes constituídos. Aviso de que assim a governação não vai bem! E não se trata de uma questão corporativa, não se trata, como pretendem fazer crer de uma reivindicação semelhante à de um qualquer sindicato — esse é o pretexto. Trata-se sim de recordar que, se os militares já se estão a queixar, haverá muita gente no país que já não suporta a canga de sacrifícios que está a ser lançada sobre o Povo. Trata-se de recordar que a política de austeridade tem limites e devem ser respeitados. Esta é a “leitura” que o Primeiro-ministro e todos os membros do Governo devem fazer da manifestação dos militares. Terá de ser uma “leitura” entre linhas e não linear.
A União Europeia garante a democracia enquanto a prática desta não for uma fraude, um embuste, porque democracia supõe mais do que o direito de expressão livre do pensamento, de manifestação e de greve; supõe que do lado do Poder há respostas aos estímulos que são mostrados do lado de quem é governado. Quando o silêncio é sepulcral na área da Governação e dela só parte arrogância e desprezo pelo Povo, o contrato social está roto, a legitimidade faliu, o direito a governar atingiu o seu limite.