A Luta dos Trabalhadores
Pois é, quando eu digo que esta crise nos vai levar a um estádio semelhante — repito, semelhante — ao que vivíamos nos anos 60 do século passado há quem olhe para mim desconfiado. Como é que se pode recuar, num tempo de computadores e telemóveis, ao tempo da televisão a preto e branco e ao velho telefone?
Não é desse recuo que eu estou a falar! Refiro-me ao recuo de capacidades de consumo, de segurança social, de estabilidade laboral, de facilidades de crédito, de hábitos modestos. É a isso que eu me refiro. Todos nós vamos ter de reaprender — muitos terão de aprender — a fazer escolhas de substituição: ou se compra e tem-se isto ou se compra aquilo… Para as duas coisas não dá o dinheiro!
Em alguns aspectos estamos mesmo a recuar aos primeiros tempos da ditadura salazarista! Repare-se nas imposições do Governo no que toca aos horários de trabalho, a despedimentos e a gozo de férias.
Mas será possível — perguntarão os mais cépticos — recuar assim para um tempo de ditadura, vivendo nós um sistema democrático? É claro que é possível. A União Europeia é uma armadilha “democrática” que se transformou numa “branda ditadura”.
Ah, pois é!
Tudo depende de quem a governa e dos valores éticos e políticos que prossegue. Vejamos.
Quando se diz que não são admitidos Estados ditatoriais dentro da UE está-se a defender esta do contágio de sistemas políticos totalitários, mas esquecemo-nos que, mantendo formalmente a aparência democrática, é possível fazer prevalecer dentro da UE Estados tendencialmente autoritários.
Tomemos o exemplo da Região Autónoma da Madeira. Alguém tem dúvidas que nela se vive um sistema semi-ditatorial? Pessoalmente tenho certezas. Não se prende quem esteja contra Alberto João Jardim — isso era absolutamente primário — mas persegue-se, de forma subtil, limitando-lhe as possibilidades de gozo de todas as liberdades. Ora, aqui, no continente, com o Governo Sócrates, foi ensaiado o mesmo sistema, aquando da célebre manifestação dos professores — a maior que se tinha visto nos anos mais recentes — pois, pura e simplesmente, ignorou-se o acontecimento, passou-se por ele como cão por vinha vindimada! Isto é pior do que mandar prender ou proibir a manifestação. E é neste aspecto que a democracia está a perder terreno em Portugal. Reclamar ou ficar quieto é, para os governantes, exacta e rigorosamente, o mesmo! Eles continuam a fazer o que querem e decidem nos seus gabinetes. Esbracejar no Parlamento é, em rigor, o mesmo que nem lá pôr os pés!
A partir do momento em que as Forças Armadas foram neutralizadas, por força da simples adesão e integração na União Europeia, há uma total impunidade dos governos da mesma União e, em particular, dos daqueles países que estão a sofrer as mais ferozes medidas financeiras, económicas e sociais. Assim, a “ditadura” já existe na União Europeia sem ser necessária impô-la!
A construção da Europa segundo os padrões dos pais do tratado de Roma está atraiçoada por toda uma geração de políticos que não quis compreender os fins da Europa unida: uma Europa de paz, de abundância, de justiça, de livre circulação, de cultura, de prosperidade. Essa Europa foi atraiçoada pela Senhora Thatcher tal como está a ser liquidada pela Senhora Merkle. Essa Europa é hoje uma prisão em vez de ser um espaço de liberdade. Essa Europa da equidade social sonhada por Jean Monnet, baseada na livre circulação da riqueza, das mercadorias e da mão-de-obra, morreu quando se quis ir mais além do que os contornos possíveis definidos por quadros culturais nacionais.
Portugal é vítima dessa Europa dos políticos do liberalismo e o recuo “técnico” aos tempos de Salazar está aí à vista imposto, não pela mão pesada do ditador de Santa Comba Dão, mas pela da troika que recebe a bênção da Alemanha e da França rendidas ao deus Finança. Não há negociações e concertações sociais que resistam e se oponham à vontade desta ditadura… O mais que pode acontecer são ligeiras modificações cosméticas aceites com desprezo, como quem concede uma esmola a um pedinte miserável, lá no alto das cadeiras do Poder.
Neste contexto, a luta dos trabalhadores é um combate perdido no imediato, é uma derrota social. Veremos o que se pode semear, no futuro, desse esforço quase inglório que se avizinha. Portugal e a Grécia estão de luto. Luto carregado. Mas a “armadilha” chamada Europa mantém-se de boca aberta á espera de engolir mais uns quantos Estados. Em Espanha o desemprego já passou a marca recorde dos 22%. O que lhe irá acontecer?