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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

21.01.10

Carta para um jovem quadro africano


Luís Alves de Fraga

 

 
Meu Caro Amigo,
 
Foi há quase doze horas que nos despedimos com um forte abraço. O abraço que liga o antigo aluno ao velho professor.
 
Dormi sobre a nossa conversa e acordei sobressaltado, pensando nas minhas palavras, nos meus conselhos, nas minhas divagações perante as notícias que me dava do seu jovem país.
Volto à carga, agora, com um raciocínio mais estruturado.
 
O mundo ocidental — a Europa e os EUA — estão a exportar — o conceito de democracia, a sua democracia, para todos os recantos da Terra como se fosse possível igualar o que não é igual.
O conceito de democracia foi construído há milénios sobre um outro que lhe serviu de cabouco, de suporte, de estrutura base: o de pertença a um grupo social bem definido enraizado num território. A esse outro conceito deram os Latinos uma designação: Pátria.
Disse-lhe eu, na tarde de ontem, que o conceito de Pátria é agregador, quer dizer, une os cidadãos à volta de uma ideia concretizada numa História comum, num desejo, também comum, de futuro, num território e no anseio de segurança e bem-estar para todos. Ora, pensando nos Estados africanos ao sul do deserto do Sara verificamos que herdaram a desunião como fruto do traçado das fronteiras coloniais. Raramente a um Estado corresponde uma única Nação. Temos, por conseguinte, Estados desagregados sobre os quais não se consegue construir um Estado democrático na perspectiva e nos padrões ocidentais. Para aí se chegar tem de se passar pela fase agregadora. O Professor Adriano Moreira chamou, há muitos anos, projectos nacionais a esses Estados, exactamente por não terem ainda concluído aquilo que identifico como agregação.
Claro que pressinto a pergunta a bailar-lhe nos lábios: — Estamos condenados a um modelo político diferente do democrático?
Respondo-lhe que, em certa medida, estão e, noutra, não estão. Vejamos como resolvo esta aparente contradição.
 
O discurso político das jovens elites africanas terá de ser não o do estafado modelo democrático ocidental, mas o da agregação, isto é, o do patriotismo. Mas um patriotismo que desemboque nos nefastos nacionalismos do século XX? Não. Um patriotismo que aponte para a Democracia; a Democracia de escolha daqueles que governam melhor em nome da Pátria — uma democracia não desagregadora, mas unificadora; uma democracia que junte os melhores para defender os reais interesses do Estado, cumprindo a finalidade suprema da sua existência: a segurança e o bem-estar dos povos e que, ao mesmo tempo, preserve o valor da Liberdade. A liberdade de oportunidades, a liberdade de realização, a liberdade de opinião. Deste modo, tal como a Revolução Francesa teve a sua trilogia — Liberdade, Igualdade e Fraternidade — os novos Estados africanos terão uma que se fundamentará na Pátria, na Democracia e na Liberdade.
 
Ao escolher a Pátria como valor supremo os Estados africanos — os da África Negra — estarão a optar pela identificação de tudo o que os une dentro das suas fronteiras, repudiando elementos de desagregadores, tais como diferenças étnicas e culturais que se confundem, muitas das vezes, com pseudo-partidos ditos democráticos.
 
Como lhe disse, ontem à tarde, um projecto desta natureza destina-se a ser abraçado por elites e quadros jovens, politicamente descomprometidos dos velhos partidos supostamente democráticos e, acima de tudo, jovens que rejeitem a corrupção como moeda de troca para realizarem os seus sonhos patrióticos. O caminho a seguir tem dois trilhos concomitantes: o domínio da instrução pública e o controlo de alguns meios de comunicação de massas. Com o primeiro, assegura-se a construção do futuro, formando cidadãos identificados com os valores supremos da Pátria, da Democracia e da Liberdade; com o segundo, explica-se, no presente, a importância de optar por um valor que une, que identifica, que está equidistante da mesquinha luta de interesses menores e de projectos pessoais.
 
Meu Amigo, em resumo, dir-lhe-ei que a Democracia é a prática do patriotismo; ela não pode existir sem que o agregado nacional tenha passado pelo estádio superior de identificação da Pátria. Estude a História das mais democráticas sociedades ocidentais e verificará a verdade das minhas palavras; foi o sentido de Pátria que uniu os Americanos na luta pela independência e, depois deles, todos os Estados do continente americano. Não foi essa a via seguida em África. Há que arrepiar caminho e corrigir o processo.
Construir uma Pátria é pôr de pé um sonho lindo.
Até mais ver. Um abraço.

 

2 comentários

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    Fernando Vouga

    30.01.10

    Caro António Trancoso

    Se a colonização tem a desculpa de, à data dos descobrimentos, estar longe dos conceitos actuais sobre relação entre povos, a descolonização não a tem. O que se passou foi uma vergonha inqualificável, onde não foram salvaguardados os legítimos direitos de ambas as partes (colonizadores e colonizados). Tratou-se pura e simplesmente de um abandono.
    Em todo o caso há uma explicação: a agitação que se instalou logo após o 25 de Abril, combinada com a indisciplina que incapacitou a operacionalidade das Forças Armadas, retiraram ao Governo português toda a capacidade e credibilidade para impor qualquer solução de sua lavra. Nesse ambiente, o que prevaleceu foram os interesses da União Soviética que, para o efeito, se serviu da máquina bem oleada de Álvaro Cunhal que, por sua vez, encabeçava a única formação política com capacidade de manobra. E que capacidade!
    Nesse contexto, a preços de saldo e de roldão, entregaram-se as colónias a organizações controladas pela União Soviética. A única excepção foi Angola, que se encontrava nos terrenos de caça dos EUA. Para isso dispunha da FNLA, a única formação independetista com poder militar efectivo. Mas a América acabou por, meses mais tarde, consentir que o poder fosse entregue ao MPLA, de cariz comunista. Enfim, uma peripécia que a História terá de explicar.
    Por ironia do destino, catorze dias depois da independência de Angola, mais precisamente no dia 25 de Novembro de 1975, um golpe militar, praticamente sem derramamento de sangue, pôs termo a uma dinâmica revolucionária que parecia imparável… Dá que pensar!
    Em conclusão, concordo consigo. Se calhar, na onda turbulenta das independências dadas a esmo, nem sequer ficámos a saber se todos os povos, ditos libertados, desejavam, efectivamente, tal solução.
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