Os militares, estejam na situação de activo, de reserva ou de reforma, não carecem de ter sindicatos. Todavia, precisam de ter associações profissionais. Associações orientadas para fins comuns e fins divergentes; comuns, porque tratam em conjunto aquilo que é património de todos e divergentes, porque resolvem aquilo que só a determinado grupo pode interessar. A divergência, como se compreende facilmente, não terá de ser — nem é — antagonismo; pelo contrário, pode ser, até, complementar. Tomemos como exemplo a Associação de Praças da Armada (APA) e a Associação Nacional de Sargentos (ANS); há pontos em comum e outros que são específicos de cada grupo. Confundi-los era, associativamente, calamitoso, pois as problemáticas profissionais dos sargentos não são, de certeza, em tudo iguais ou, até mesmo, semelhantes às das praças da Armada.
Entre a Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e a ANS ou a Associação de Militares na Reserva e Reforma (ASMIR) há diferenças, tal como há semelhanças.
O ponto de maior comunhão entre todas as Associações Profissionais Militares (APM’s) é, sem dúvida, o interesse que todas têm em preservar as condições sócio-profissionais dos elementos castrenses que representam. Dito de outra maneira, dar voz mais forte a cada um dos grupos junto dos vários quadrantes sociais. Como é natural, por se tratarem de associações, quando levantam um problema — seja de que natureza for — ele terá de ter mais visibilidade social do que se fosse colocado individualmente.
As APM’s não são sindicatos, por isso não se limitam a preservar os seus associados da acção patronal do Estado; elas asseguram, também, a imagem castrense junto da opinião pública e complementam, nalguns casos e situações, a acção de comando que parte do topo da hierarquia militar (estou convicto que se esta última vertente não acontece com frequência é mais por culpa de quem comanda do que por relutância dos órgãos associativos).
Politicamente as APM’s desempenham um papel importantíssimo, pois polarizam descontentamentos dentro da única organização que detém a máxima capacidade de violência dentro do Estado. A Democracia não pode dispensar as APM’s, porque um descontentamento que é encaminhado para elas e por elas gerido é um descontentamento que se não desenvolve, ao sabor de todas as aventuras, dentro dos muros dos quartéis.
A cultura ditatorial portuguesa herdada do Estado Novo e ainda presente na mentalidade de bastantes militares e de muitos responsáveis civis leva a que se não consiga ver nas APM’s um excelente instrumento estabilizador da política nacional; pelo contrário, esses mesmos saudosistas das soluções silenciadoras gostariam de calá-las esquecendo — ou acreditando — que certos compromissos políticos internacionais e o Regulamento de Disciplina Militar eram suficientes para travar reivindicações e dignidades feridas. Estão muito enganados os que assim pensam.
Olhando individualmente as APM’s percebe-se que, quanto mais uniforme for a massa dos seus associados, mais homogéneas serão as posições adoptadas. Contudo, alguma diversidade é, também, importante existir para estabilizar as directrizes resultantes da acção associativa. A abertura da AOFA, da ANS e da APA a militares na situação de reserva e reforma obriga-as à adopção de comportamentos que as afasta de posturas tipicamente corporativas no sentido mais restritivo da palavra. Mas esta diversidade gera, também e contraditoriamente, um movimento de uniformidade dentro de cada uma, pois agrupa interesses, direitos e desejos de quem serve nas fileiras com os de quem já serviu.
Só uma cautelosa capacidade de gestão de vontades, por vezes antagónicas, consegue manter agregados os associados das APM’s e só um grande sentido do interesse nacional pode permitir o saudável entendimento entre todas as APM’s. É ele que deve constituir o traço de união entre as diferentes APM’s de modo a que seja possível encontrar o máximo multiplicador comum de vontades, porque só o sentido do interesse nacional, afinal, define a existência da Família Militar; são as cedências desejáveis e as intransigências admissíveis que dão base ao regular funcionamento de órgãos democráticos. O excessivo temor, a aumentada prudência de alguns tem de ser compensada com a ousadia de outros numa busca sensata dos meios-termos exequíveis, porque o progresso não se faz só com progressistas nem o conservadorismo só com conservadores. O progresso resulta da simbiose inteligente que sabe levar até ao limite do razoável o conjunto das forças progressistas e conservadoras.
As APM’s, no seu caminhar em democracia, pisando um terreno difícil de ser trilhado, têm sabido desempenhar-se da sua missão e, cada vez mais, é necessário que se imponham na defesa de direitos que um Governo supostamente socialista está apostado em retirar aos militares na situação de activo, de reserva e de reforma.