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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

21.05.08

Organização superior das Forças Armadas


Luís Alves de Fraga

 

 
Foi há tempos notícia o facto de a decisão do conselho de ministro e a consequente directiva do ministro da Defesa sobre a organização superior das Forças Armadas estarem a provocar desaguisados entre os Chefes dos Estados-Maiores dos Ramos e o Chefe do Estado-Maior General (CEMGFA).
Não vou entrar a comentar a organização superior das Forças Armadas nos seus detalhes, porque não quero e acho que tal trabalho cabe a quem está dentro dos pormenores, contudo, não posso deixar de me pronunciar sobre a matéria fundamental: a decisão de se reorganizar superiormente as Forças Armadas.
 
Recuemos no tempo, até antes de 25 de Abril de 1974, ao Governo do Estado Novo. Como estavam organizadas as Forças Armadas?
Havia um Ministério do Exército, outro da Marinha e uma Secretaria de Estado da Aeronáutica dependente da Presidência do Conselho de Ministros, um Ministério da Defesa e um Estado-Maior General das Forças Armadas.
Na prática o Ministério da Defesa não tinha qualquer tipo de intervenção na condução política dos Ministérios da Marinha, do Exército e da Secretaria de Estado da Aeronáutica. Na prática constituía uma excrescência por onde corriam certos negócios de compras de armamento ou entendimentos com países aliados. A relevância do Ministério era mínima assim como a do Estado-Maior General. Salazar sabia que mantendo separados os assuntos tinha maior controlo sobre todos devido às concorrências e tricas que ele próprio apreciava e alimentava. Aliás, a criação do Ministério da Defesa foi relativamente recente — só surgiu no pós 2.ª Guerra Mundial — correndo os assuntos relacionados com a defesa militar pelos respectivos Ministérios. Dentro destes, o ministro, sempre militar comprometido com a política do Governo, era a autoridade máxima incontestada e incontestável. Os respectivos Chefes de Estados-Maiores não passavam de assessores técnicos de pouca ou nenhuma importância para a tomada de decisão política.
Assim se fez a guerra em África durante treze anos.
 
Após o 25 de Abril de 1974, na perspectiva de manter entre mãos de militares as decisões respeitantes à actividade castrense e, até, de certa maneira, as que conduziam à democratização da sociedade portuguesa, acabaram-se com os Ministérios e com a Secretaria de Estado, promovendo-se os respectivos Chefes de Estados-Maiores à categoria simultânea de ministros e de comandantes de cada Ramo. Tudo parecia certo e correcto para a situação vivida na altura, já que o envolvimento dos militares no quotidiano nacional era também político. O CEMGFA continuou a ser um mero coordenador de certas actividades militares que corriam os seus trâmites pelos Estados-Maiores dos Ramos.
A transição para a normalidade democrática fez-se com a criação do Ministério da Defesa ainda na vigência do Conselho da Revolução, isto é, ainda tutelado pelo órgão coordenador do processo democratizante. Extinto este, ficou uma regra que dava aos comandantes militares dos Ramos uma clara margem de manobra na subordinação ao ministro da Defesa e ao Governo: a escolha dos Chefes dos Estados-Maiores da Armada, do Exército e da Força Aérea era feita internamente por indicação do nome de três tenentes-generais para o Governo e o Presidente da República escolher um deles. Quer dizer, o cargo, sem perder o seu matiz político, tinha a marca clara de uma escolha militar e, por conseguinte, técnica, na presunção de que todos os tenentes-generais eram técnicos e não políticos. O cargo de CEMGFA ia sendo ocupado rotativamente entre os Ramos pelos Chefes dos Estados-Maiores respectivos.
Este modelo tinha a virtude de — continuo a afirmar — na presunção de os tenentes-generais não resultarem de uma escolha política, possuir uma certa representatividade democrática da vontade dos Ramos, já que o «colégio eleitoral» optava de acordo com sondagens que, sem formalidades, se faziam nos altos níveis militares. Assim sendo, as tropas reviam-se no seu Chefe de Estado-Maior, olhando-o como alguém que provinha da vontade e escolha de todos. Contudo, ao atribuir-se a tutela dos Ramos ao ministro da Defesa Nacional o Conselho da Revolução esqueceu-se de fazer deste um super-ministro, pois defesa nacional é mais do que defesa militar. Assim, como há tempos me dizia um tenente-general reformado, o suposto ministro da Defesa Nacional mais não é do que o ministro das Forças Armadas! Razão tinha o velho ditador Salazar quando não deu conteúdo de jeito ao Ministério da Defesa! O que ele não fez fizeram-no mal os conselheiros da Revolução, provando que o óptimo é, de facto, sempre inimigo do bom!
 
Mas os Governos democráticos não estavam satisfeitos com o modelo de escolha dos Chefes dos Estados-Maiores, porque, em última análise, tinham de suportar um general que podia não lhes ser simpático e isso dificultava a relação entre o ministro dito da Defesa Nacional e os Ramos. Havia que alterar o sistema. Assim, a escolha do Chefe de Estado-Maior deixou de pertencer ao «colégio» de tenentes-generais de cada Ramo e passou integralmente para a mão do Governo. Este simples facto alterou várias correlações de forças. Vejamos.
 
O cargo de Chefe de Estado-Maior deixou de ser eminentemente militar e lateralmente político para passar a ser o inverso; os Chefes de Estado-Maior são, de facto, cargos de confiança política com uma componente técnica militar o que pode corroer a confiança dos subordinados no seu comandante. A prova imediata, visível e inconfundível de que assim é, plasma-se nas passagens à situação de reserva dos tenentes-generais que se viram preteridos na escolha. Facto que não é inédito nem recente. Mas a não ocorrência desta situação também pode indiciar que a promoção a tenente-general já corresponde a uma escolha mais política do que técnico-militar, pois ao aceitar-se ser ultrapassado por um camarada mais moderno reconhece-se que o Poder político, entre vários em quem confia, confia mais num determinado do que nos restantes; ficar é aceitar a escolha por se estar comprometido com o sistema. Será que, de forma sub-reptícia, sibilina e tortuosa, estamos a cair no velho processo de promoção a tenente-general — para não dizer, também, major-general — do tempo da ditadura, em que todos eles, com raríssimas excepções, mereciam a confiança política do Governo? Talvez ainda não estejamos, mas, pelo caminhar das coisas, para lá nos dirigimos.
Depois, temos que, recaindo a escolha para Chefe de Estado-Maior num tenente-general do agrado do Governo aquele vê reduzido o seu poder de manobra e de negociação com o ministro e o Executivo a quem tem de estar reconhecido. Quer dizer, as relações político-militares estão envenenadas à partida; é preciso muito poder de decisão, muita verticalidade, muita frontalidade e muita coragem para negociar em força com alguém que nos escolheu, pois ninguém gosta de sentir que frustrou confianças. É humano, embora nem sempre correcto e conveniente.
A partir do momento em que a escolha dos Chefes dos Estados-Maiores passou a ser feita sob a exclusiva responsabilidade do Governo também todos os militares reformados, quer-me parecer, irão tendo tendência para identificar aqueles comandantes com o Poder que os nomeou, vendo neles um prolongamento do Executivo no meio militar, se não derem provas muito claras do contrário.
 
Tudo isto que acabei de elencar, com maiores ou menores variantes, função da consciência política dos militares, está hoje presente em quem serve nas Forças Armadas, daí que o movimento associativo militar ganhe maior importância e relevo junto das fileiras e de todos os que já se encontram desligados do serviço.
 
Naturalmente, que quando o Governo pretende concentrar maior poder na figura do CEMGFA reduz a capacidade de manobra técnico-militar dos Chefes dos Ramos e, em simultâneo, a sua importância política, pois passa a atribuí-la àquele, para além de reunir numa só entidade responsabilidades que, em tempos normais, devem estar entregues aos comandantes das três componentes das Forças Armadas. Por outras palavras, é mais fácil «meter no bolso» um só homem do que três ou quatro. Esta é a grande diferença entre uma ditadura institucionalizada e uma democracia ditatorial.
Creio que, depois desta revisão de todo o processo de comando superior das Forças Armadas, cabe deixar no ar as perguntas:
— Quem vai, então, colaborar com o Governo nesta disputa de poderes? E quem sai, efectivamente, prejudicado?

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