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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

05.11.07

Os maiores arrendadores imobiliários portugueses


Luís Alves de Fraga

 
Há tempos, um meu familiar procurou um apartamento para habitar. Não podia gastar muito e tinha pouco dinheiro; a escolha teria de ser cautelosa e, depois de ver um elevado número de habitações, optou por uma com cerca de 40 anos de existência, em Lisboa, em área quase periférica. Um prédio de boa construção, sólido, um terceiro piso, casa soalheira, numa praceta sossegada, rodeada de árvores e relva, com facilidades para estacionamento da viatura, um único proprietário anterior, quatro pequenas divisões assoalhadas, enfim, um preço que pareceu económico: 115000 €, ou seja, em números redondos e na moeda antiga, qualquer coisa como 23 mil contos.
 
Na falta de capital — o que tinha era necessário para despesas de escritura, registo e acomodação — recorreu, como não podia deixar de ser, a uma entidade bancária.
Estudadas as melhores condições, contratou um empréstimo por — aqui começa a anormalidade — 40 anos! Por muito jovem que seja este meu familiar vai estar velho quando liquidar a sua divida ao banco. E, feitas as contas, vai liquidar, por agora, qualquer coisa como 600 € mensais (120 contos na moeda antiga).
 
Ao ouvir o relato, de imediato fiz cálculos rápidos e conclui que, a valores de agora, a compra lhe fica por mais do dobro do preço de aquisição; qualquer coisa como mais 173000 €. O bem custa 115000 € e o seu preço é acrescido de, pelo menos, 173000 € em 40 anos!
 
Isto deu-me que pensar. Querem acompanhar o meu raciocínio? Então, caros leitores, venham daí.
 
Primeira questão que se me coloca: será o meu familiar de facto proprietário da habitação que diz ter comprado? Virtualmente é; realmente, não é.
Com efeito, como resultado da virtual posse do bem, torna-se responsável por todos os arranjos e benfeitorias que introduza na sua habitação, por todos os encargos fiscais, por todas as despesas com o imóvel onde se situa a sua residência e, até pode vendê-la. A propriedade virtual traz-lhe encargos reais. Contudo, realmente, o verdadeiro proprietário da habitação é, até se concluírem os 40 anos do contrato de empréstimo, o banco. O banco livre de quaisquer ónus e com a vantagem de ver actualizada a prestação mensal sempre que o preço do dinheiro aumente no mercado.
Bem vistas as coisas, o empréstimo bancário, para suposta aquisição de habitação, pode reduzir-se a um contrato de aluguer com prazo limitado à partida e renda variável ao longo dos anos, sendo que todos os encargos com a conservação e fiscalidade do bem arrendado recaem sobre o arrendatário. Tão-somente isto!
 
Notem os leitores que se trata de um imóvel com 40 anos — em termos actuais, é velho — que daqui por mais 40 estará — em termos da época — velhíssimo e com um valor residual real francamente inferior ao da aquisição. Quer dizer, a legislação que regula os empréstimos — melhor dito, arrendamentos resolúveis — está desactualizada e desfasada da realidade nacional, embora seja altamente vantajosa para as entidades bancárias.
Realmente, ou a taxa do preço do dinheiro emprestado deve baixar, ou todos os ónus que recaem sobre a habitação devem correr por conta do arrendatário, ou o contrato de empréstimo (designado como hipoteca), em face da especificidade nacional, tem de ser modificado.
 
Façamos um exercício. Imaginemos que todos os virtuais proprietários deixavam de pagar a prestação às entidades bancárias e que não saíam das respectivas casas. O que aconteceria? A resposta só pode ser uma: o mesmo que aos países latino-americanos que não pagaram as suas dívidas à banca internacional. Verificar-se-ia, na pior da hipóteses, o perdão da dívida por insolvência do devedor ou, na melhor, a reavaliação da dívida de modo a poder haver solvência.
 
Quando Portugal aderiu ao euro amarrou-se às economias mais fortes da Europa ainda que o seu tecido económico seja dos mais frágeis. Estamos, por conseguinte, sujeitos às variações da taxa de juro dos Estados ricos, mas com rendimentos do trabalho muito abaixo da média europeia. A prática de empréstimo bancário para compra de habitação, nos moldes em que se realiza, fragiliza, ainda mais, os rendimentos familiares ao mesmo tempo que se assiste ao aumento quase exponencial dos lucros reais e virtuais da banca nacional.
 
Este é um dos problemas políticos e sociais mais prementes: há que fazer uma clara opção entre ter um mercado imobiliário virado para a aquisição de casa própria ou vocacionado para o arrendamento comum e normal.
Hoje quase ninguém está disposto a arrendar uma habitação por valores semelhantes aos que iria pagar por um empréstimo. Este é o indicador de que, efectivamente, o mercado está vocacionado para a aquisição. Sendo assim, e não se assumindo o Estado como proprietário de imóveis para arrendamento com transmissão de propriedade a prazo fixo — caso dos bairros sociais de Lisboa — terá este de atribuir-se um papel regulador junto dos bancos, já que se estão a substituir àquele, desempenhando uma função social.
Tal como se vive é que não pode ser, no Portugal em vias de desenvolvimento numa Europa desenvolvida.
 
Ora aqui tem o senhor primeiro-ministro — que se diz socialista — um verdadeiro problema social para resolver. Seja lesto em fabricar legislação apropriada a este grave problema que, muito em breve, se tornará incontornável. Seja tão lesto nesta legislação como o tem sido na que corta os magros benefícios aos trabalhadores.

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