Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

23.10.07

Duran Clemente nos “Prós e Contras” ou a Guerra Colonial mal contada


Luís Alves de Fraga
 0004t260
Conhecemo-nos, somos Amigos, há nada mais, nada menos do que 53 (cinquenta e três anos), porque fomos condiscípulos no Instituto dos Pupilos do Exército, colegas do mesmo curso, companheiros do mesmo ano de entrada na Academia Militar. O Manuel Duran Clemente seguiu para o Exército e eu para a Força Aérea.
Estivemos envolvidos no 25 de Abril de 1974; ele, por força de circunstâncias várias, muito mais do que eu e com muito maior protagonismo, mas nada nos separou nem nada destruiu a nossa amizade.
Não tive oportunidade de o ver no programa “Prós e Contras”, mas pela explicação que fez questão de divulgar por um número escasso de Amigos, imagino a sua indignação.
É essa explicação — no estilo próprio de escrever do Manuel Duran Clemente — que hoje deixo aqui no «Fio de Prumo» para ser conhecida na blogosfera, pelo menos por todos quantos honram o meu blog com o favor da sua visita.
Prometo que eu próprio voltarei, um dia, a este mesmo tema.
 
 
Simplesmente GUERRA!
A operação "nó górdio"do século vinte e um!
 
apontamento sobre os "prós" dos "contra" a Liberdade,
ou como se vive uma época de mistificação e manipulação!
 
Não é o facto de ter caído numa armadilha, ao ter aceite o convite para estar presente, no último programa da RTP "prós e contras" que me obriga a este apontamento. É um desabafo e uma preocupação, sobre como no mundo de hoje é fácil para alguns mentir e branquear e para outros dialogar, apresentar elementos históricos provados e até poderem explicar com serenidade as causas da distorção, do erro, do engano ou maldade alheia.
 
O desabafo:
 
O formato e condução do programa não são sérios. Não vale a pena o eufemismo de referir isenção ou neutralidade, porque há muito esses princípios andam arredados de muito jornalismo escrito, falado ou televisionado!
Quem viu o programa, em causa, do passado dia 15 de Outubro terá constatado o favoritismo escandaloso entre, não só, o número dos escolhidos ou convidados "pró-guerra" e os de opinião contrária, como o tempo de antena dado a uns e o retirado (ou não dado a outros) pela moderadora (!?).
 
É preciso ter nervos de aço ou ser profissional da manipulação (ignorante) para não se ficar perturbado ao ouvir tanta distorção histórica, por parte de intervenientes zangados com o 25 de Abril e até ouvir um Embaixador, como o da Guiné-Bissau"reduzir o massacre das docas de Pidjiguiti (em Junho de 1959) em Bissau a uma mera reivindicação laboral. Não sabia que um dos principais activistas tinha sido Carlos Correia (mais tarde Ministro das Finanças e Primeiro Ministro), então trabalhador da Casa Gouveia (...não é nome que esqueça a um guineense com estas responsabilidades...) e ainda fui eu que (sentado próximo do Sr. Embaixador) tive de lhe servir de "muleta", ao sussurrar-lhe o nome desse "homem grande" e activista dessa greve, pessoa humilde, íntegra e patriota com quem tive o gosto de trabalhar e conviver durante dez anos de Cooperação em Bissau (desde o final dos anos 70 até ao dos anos 80).
 
Quem é que escolheu esta personagem? Este Sr. Embaixador que não sabe que Pidjiguiti representa mais de 50 mortos, de uma centena de feridos, dos sobreviventes deportados para S. Tomé, e que um mês e meio após este acontecimento ("apenas laboral" no dizer do Sr. representante de Bissau), já com Carlos Correia (e outros que conseguiram fugir) e juntar-se aos nacionalistas, comandados por Amílcar Cabral, a Direcção do PAIGC (ainda só P.A.I., ou seja, Partido Africano para Independência) abandonou a «acção política e social» e declarou -se a favor da luta conta o colonialismo português «por todos os meios possíveis incluindo o da luta armada» .Lê-se em declarações de Amílcar Cabral «a luta armada era a única resposta à força das armas e a acção não deveria ser desencadeada nas cidades... mas antes privilegiar a força camponesa». E foi o que aconteceu com escolas de formação, para quadros políticos, instaladas junto da Direcção política, no vizinho país, em Conakry.
 
«O ensino militar que vocês receberam, as armas que os colonialistas vos deram para matar a nossa gente, o material de guerra e as munições que estão em quartéis à vossa guarda. Tudo isso pode ser posto ao serviço da luta de libertação dos nossos povos. Estamos seguros de que é o que vocês vão fazer, com prudência, com cuidado e inteligência...» mensagem de Amílcar Cabral, em Outubro de 1960. Com o pseudónimo de Abel Djassi.
 
Numa outra mensagem aos colonos portugueses, Cabral avisa, «...o colonialismo português tem os dias contados e vós sabeis isso muito bem. Não deveis consentir, como homens conscientes, no absurdo de amarrar o vosso destino ao destino do colonialismo português....»
 
Ainda em 15 de Novembro o P.A.I. dirige-se ao governo português num memorando: «a via pela qual vai ser feita a liquidação total do colonialismo português... depende exclusivamente do governo português. (...) Ainda não é tarde para proceder à liquidação pacífica da dominação colonial portuguesa nas nossas terras. A menos que o governo português queira arrastar o povo de Portugal para o desastre de uma guerra colonial».
 
Não adivinhava Amílcar Cabral que esta característica de negociador (verdadeira ou insinuada) lhe iria ser fatal. Da facção militar guerrilheira, mais ortodoxa, sedenta de Poder, iria sair o plano para o matar em Janeiro de 1973, instigados ou não pelo boato, lançado pelas hostes spinolistas, de que ele, A. Cabral e Aristides Menezes, queriam ou teriam querido negociar.
 
 
 
A preocupação
 
Acrescento uma preocupação sobre os episódios que estão a passar, na RTP 1, sobre a Guerra (do Ultramar, Colonial ou de Libertação... ai.... a semântica e a dificuldade de passados 33 anos ainda haver quem tenha medo de chamar "os bois pelos nomes!!!")
 
Espero que a frase do Joaquim Furtado, que tenho como um profissional sério e íntegro, (na apresentação da síntese dos nove primeiros episódios, a que alguns de nós assistimos na própria RTP, na tarde de 15 próximo passado." ...de ter procurado, na realização dos filmes, não ferir susceptibilidades..." não resvale, no receio de magoar os responsáveis (quer da altura quer os seus correligionários actuais) exactamente aqueles que nos atiraram para aquela desgraça de treze (ou mais anos) e que ainda tentem "desonrar" o nosso 25 de Abril...como lastimavelmente esteve à beira de acontecer no famigerado programa dos "Prós e Contras" da passada segunda-feira, com a convergência dos factores já descritos no meu desabafo.
 
Entre os dislates ouvidos de saudosistas e conservadores ignorantes, destaco um que nos diz especial respeito. Alguém pretendeu pôr em causa a honorabilidade do nosso 25 de Abril, procurando apagar as suas verdadeiras razões para justificar a sua argumentação "revanchista" e falsa, com o argumento, de que só se fez o 25 de Abril por uma questão corporativa, por causa do Decreto-Lei 353/73...
Ora... Quantos de nós, já antes do decreto, havíamos começado a sentir a necessidade de acabar com a impostura???
 
Lembro-me do desabafo, já em Nacala — Moçambique (1970) — no navio Niassa, quando cerca de dez capitães, que eu já tinha visto passar por Nampula, acabados os mais de dois anos de guerra colonial, preparados para regressar a Lisboa, são forçados a interromper tal esperança e chamados (por Kaúlza) a regressar "ao mato" para integrarem a Operação "Nó Górdio"... perante o meu espanto, exclamaram: TEMOS DE ACABAR COM ISTO, ANDAM A GOZAR CONNOSCO...!!!
 
Lembro-me dos capitães que a partir de 1965, e particularmente após Maio de 1968, começam a informar-se mais e a dialogar melhor com a sociedade civil e com os alferes milicianos, enquadrando nas suas consciências as contradições do Regime, das revoltas abafadas desde 1927 até 1961, Chaves, Porto, Lisboa, Madeira, Beja. Das personagens Norton de Matos, Sousa Dias, H. Delgado, H. Galvão, e tantos outros.... Da efectiva mentira e da ficção do Grande Império (perdido a partir de 1580, mais perdido ainda depois de 1820 (Brasil), praticamente nas mãos da estratégia dos Ingleses, já desde 1640 - como paga da aliança primeiro contra Castelhanos e depois contra Franceses – e mais acentuadamente, a partir do século dezanove, proibindo o "mapa cor-de-rosa" e escoando e coordenando a exploração dos minerais, café, chocolate, chá... algodão, tabaco... portos e caminhos-de-ferro... etc. ... deixando "umas sobras para português ver" a algumas famílias nacionais, tudo isto com a benevolência dos nossos Ministros da Colónias e outras dignas altas esferas). Lembram-se que em Moçambique até o trânsito se fazia pela faixa esquerda como no Reino Unido???
 
Império sem gente, sem poder, sem motivação desenvolvimentista, sem meios materiais e sequer bélicos!!! É o que se encontra no princípio do século vinte, antes das ditas "guerras da pacificação" (1920/1930).
Timor -Leste, pouca gente se lembra, esteve nas mãos do Japão e da Austrália, mais de quatro anos de 1941 a 1945.
Pouco ou nada muda até o pós Segunda Grande Guerra.
As fronteiras das colónias são então demarcadas. A Casamança, dita portuguesa, na Guiné, passa para o Senegal, é trocada por uma parcela de pedras, a Leste, perto de Konakry, por despacho dum alto dirigente português a troco dum bairro em Paris.
Os países coloniais começam a resolver politicamente as inevitáveis descolonizações.
 
As "nossas" parcelas da Índia são defendidas com "chouriços" e não fora o bom senso de Vassalo e Silva teria havido um massacre inenarrável. Efectivamente, nem armas havia e quando alguns caixotes são abertos, felizmente são mesmo chouriços e outros produtos congéneres que se encontram. Conta quem lá esteve.
 
A Guiné estava na mão da CUF (Casa Gouveia) e o seu povo na miséria continuava. As riquezas exploradas, mancarra, arroz e cajú não davam para fazer escolas, hospitais, estradas, etc.. O desenvolvimento era nulo. (Estive lá, antes e depois da Independência)
 
Cabo-Verde tinha metade da população emigrante! (igualmente conheci, antes e depois da Independência)
 
S. Tomé e Príncipe vivia de "escravos" que alimentavam as roças dos senhores. Sendo das terras mais bonitas que já alguma vez conheci (estive lá em 1962) nem sequer as riquezas do café ao cacau e frutas serviram para desenvolver. E o turismo tinha a desculpa do paludismo e do clima equatorial.!!!! Leia-se o livro o Equador de M. S. Tavares e já entenderão porque é bom não esquecer os nosso velhos "aliados ingleses" e um pouco do que era a realidade, agora ficcionada pelos saudosistas.
 
 
Era este o Império onde em Angola (14 vezes maior que Portugal) em 1960 havia 1.500 militares portugueses e cerca de 5.000 africanos integrados. Onde o desenvolvimento à semelhança de Moçambique (nunca sustentado nem coerente com as potencialidades naturais) começou a dinamizar-se com o início da Guerra Colonial. Era precisa autorização do Terreiro do Paço para tudo e para nada, com medo da independência Branca e Unilateral. Também conheci estas duas colónias antes e depois das suas Independências. Até para uma "barragem agrícola" era preciso licença de Lisboa... Assisti a isso.
 
Os capitães, da geração do 25 de Abril, foram sabendo isto e muito mais, nas três frentes de combate. As grandes potências tinham ou estavam a perder as guerras semelhantes (Indochina, Argélia, Vietname) e a célebre APSIC (acção psicológica) colocou o capitão muito próximo do então "terrorista". Na quadrícula, o capitão não era só chefe militar no terreno, era uma personagem com um vasto leque de missões de carácter civil. Nesse entrosamento apreendeu e aprendeu que o verdadeiro inimigo estava no Terreiro do Paço. Viu de perto, durante excessivo tempo, o que certos saudosistas, já não inebriados "com a cruz e a espada contra o sarraceno" não quiseram ver porque não arrancaram a armadura vestida nos quartéis (antigos conventos) e talhada com atributos "moralizadores, pedagógicos e cívicos" para o cumprimento de missões transcendentes, defender uma legalidade constitucional e garantir a independência da Nação, una e indivisível. Isso substituiu o que se perdeu de "teológico" (a cruz e a espada). Há que compreender que o "velho" militar, que tal assimilou, dificilmente possa desconstruir em si esta assimilação, sentimento, dinâmica ou vulgo "lavagem ao cérebro". A culpa não terá sido sua mas do sistema. Quase me arriscava a solicitar a condescendência.
 
Lembro-me de capitães e primeiros-tenentes que encontrei no Congresso do MDP/CDE em Aveiro, em Março de 1973, e dos que já antes se interrogavam, na hipótese de acção, mesmo em 1969.
 
Lembro-me de ter chegado a Bissau, por castigo, e de ter começado, no dia seguinte, com outros capitães, a conspirar, sem saber da existência de Decreto nenhum. Não vou negar hoje que a saída deste célebre 353/73 nos deu jeito, mas como é que ele era corporativo se só dizia respeito às Armas de Infantaria, Cavalaria e Artilharia? Foram só os capitães destas que se revoltaram? Claro que não.
Desde logo se solidarizaram outros capitães e equivalentes de outros Ramos da FFAAs. Capitães de Engenharia, Administração, Transmissões, Saúde, Material, etc... e da Marinha e Força Aérea, no sentido de em conjunto se aprofundar o que estava em causa.
E o que estava em causa?
Uma Guerra perdida politicamente, porque os políticos não estavam nem com os ventos da História nem com o povo (e deste nós, os militares de carreira, com duas, três ou mais comissões, fora do ar condicionado, cansados da mentira e da hipocrisia... e bem assim os conscritos desmotivados e acomodados).
 
Enfim muito para dizer e que já é repetição. Mas as novas gerações merecem a Verdade.
 
Citando Alexis de Tocqville convém não esquecer que "as revoluções que triunfam fazem desaparecer as causas que as produziram e tornam-se por isso incompreensíveis para as novas gerações".
 
Isto para dizer que se assim for e se os episódios de Joaquim Furtado se remeterem apenas ao seu profissionalismo de contar uma «história» sem o devido enquadramento Histórico, ou seja, se estiver em perigo essa Verdade e ousar-se o branqueamento do trágico erro Histórico que foi a Guerra Colonial e da ficção do Grande Império, julgo que a A25A não pode ficar calada.
 
É uma especulação académica, um exercício de estilo, discutir se foi Guerra do Ultramar, Guerra Colonial ou Guerra da Libertação.
Para mim, foi guerra Colonial. Mas o mais importante é que foi uma guerra ordenada e mantida por um governo retrógrado, liderada por um chefe rural e retrógrado que tão mal fez a Portugal... cujos efeitos nefastos ainda hoje se sentem.
Os povos em confronto ganharam a guerra da Liberdade... mas ainda não ganhámos (lá e cá) a Guerra da Igualdade e da Fraternidade.
É aí que está um verdadeiro "NÓ GÓRDIO do século XXI.

10 comentários

Comentar post