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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

26.12.06

Os reformados


Luís Alves de Fraga

 

Há, talvez, 35 anos, era eu um jovem capitão, ouvi um comentário, em jeito de desabafo, de um coronel da Força Aérea, na casa dos setenta e poucos anos que se queixava com grande amargor da passagem à situação de reforma. Dizia ele, em frase que nunca mais esqueci:
 
— Deixei de ser um oficial, passei a ser um número! É por um número que me chamam quando vou à Caixa Geral de Aposentações tratar de um qualquer assunto. À minha frente pode estar um antigo contínuo e atrás de mim um almirante. Somos todos simples números! Perdemos a identidade... Ao menos que nos chamassem pelo nome!
 
Guardei o queixume todos estes anos, pensando no momento em que também eu passaria a ser um número. Claro que, ali pela década de 80 do século transacto, julguei que tudo ia ser mudado. Que, finalmente, os reformados iam ter direito à dignidade de quem deu uma vida ao serviço dos outros. Dos outros, disse bem! É que, seja qual for a profissão, o reformado contribuiu sempre para a sociedade com o seu trabalho, com o seu capital, com a sua vida. Para não ter contribuído era necessário que não tivesse vivido, o que é, só por si, um absurdo. Quando se trabalhou, ganhou e gastou dinheiro — muito ou pouco — contribuiu-se para manter os circuitos económicos em funcionamento e, por conseguinte, em condições de gerar riqueza — muita ou pouca, mas riqueza. Quem gasta dinheiro está, naturalmente, a alimentar a economia, a dar emprego a muitos trabalhadores e, sem dúvida, a proporcionar salários a quem deles necessita.
 
Se soubermos olhar a sociedade e a economia segundo esta perspectiva, que nada tem de novo, pois já é conhecida desde a Grande Depressão, nos Estados Unidos, no final dos anos 20, percebemos a importância económica das chamadas classes inactivas. Só um pensamento enviesado e maldosamente distorcido é incapaz de compreender este raciocínio elementar; só alguém que vive completamente obcecado pela ideia de um capitalismo florescente na base exclusiva das classes activas pode rejeitar — e mal — este princípio da Economia.
 
Os reformados militares sofreram, há um ano, um corte abrupto na sua pensão mensal. A análise deste tema pode ser vista no blog «A Voz da Abita (na Reforma)», que refiro, com a devida vénia. Contudo gostaria de acrescentar a minha própria visão sobre o assunto. Realmente, com a simples perda de comparticipações em medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico a pensão de reforma de qualquer militar — e reforço a ideia, de qualquer militar, pois estou a pensar naqueles que pertencem aos baixos escalões da hierarquia — sofreu um redução real de vários pontos percentuais que não são compensados com aumentos, pois é preciso auferir um rendimento muito baixo para ver acrescida a pensão de reforma.
Se tomarmos como verdadeiros os números usados há tempos pelo antigo CEME e actual CEMGFA, general Valença Pinto, teremos que cerca de 70.000 são os efectivos militares na situação de activo, reserva e reforma os quais deixaram de poder aceder ao consumo geral em percentagens variáveis, mas sempre significativas. Se a estes acrescentarmos todos os funcionários públicos, entre reformados e activos, teremos um já muito elevado número de cidadãos que foram, também, cerceados nos consumos. Ora, com isto fica evidente que o actual Governo, ao contrário de estar a procurar incentivar a economia — único sustentáculo da viabilidade portuguesa — está a boicotá-la, em nome de um equilíbrio orçamental que, a mais longo prazo e com uma economia florescente, seria resolvido pela via fiscal. É que a “saúde” orçamental pode conseguir-se actuando ou sobre a receita do Estado ou sobre a despesa ou, ainda, sobre ambas em doses cautelosas. Para o Estado auferir maiores recitas mais basta aumentar os impostos os quais podem ser selectivos ou «cegos» — o imposto indirecto, aquele que todos pagam, porque recai sobre produtos que todos consomem, é, sem dúvida, o mais fácil de cobrar, mas, também, o mais injusto; mas se o Estado reduzir a despesa — actuando sobre os salários pagos aos trabalhadores — consegue o mesmo efeito. Claro que, se tomar as duas posições, mais rapidamente alcança o equilíbrio orçamental.
 
O resultado do aumento da carga fiscal reflecte-se directamente no consumo por duas vias: uma, porque os consumidores se retraem por irem pagar mais caro pelo mesmo produto; outra, porque os produtores reduzem a produção por haver uma diminuição do consumo, fazendo cair a receita fiscal. A diminuição dos salários — logo, da despesa — tem efeitos directos no consumo que, também, de imediato se retrai. Quem sofre com esta política? A economia nacional.
 
Há, todavia, um processo de manter o consumo em taxas elevadas: através da publicidade e do recurso ao crédito. A primeira, aguça o desejo de posse, levando a que as opções de consumo nem sempre sejam as mais apropriadas; a segunda, facilita o acesso ao que se deseja comprar diferindo no tempo o encargo com o pagamento, através de juntar ao preço do produto a taxa de juro que se tem de liquidar ao banco. Qualquer destas duas acções são modos pouco sustentados de manter em funcionamento uma economia.
 
Através destas noções ultra elementares consegue-se perceber o que o Governo está a fazer em Portugal: reduzir o buraco orçamental através do corte das despesas, reduzindo drasticamente os salários, e aumentando os impostos, particularmente aqueles que incidem indiscriminadamente sobre todos os consumidores — julga o Governo que, deste modo, o tecido produtivo se manterá incentivado para a produção. Ao mesmo tempo anima-se o consumo — através do crédito, transferindo para as famílias o ónus da manutenção da produção sem mexer nos rendimentos dos bancos (que deveriam ser altamente taxados em função dos lucros obtidos). É evidente que, mais tarde ou mais cedo, as famílias entram em ruptura orçamental, tendo de quebrar o consumo ou não honrando as dívidas — veja-se o jornal Correio da Manhã de hoje.
 
O Governo está preocupado com o cumprimento do pacto de estabilidade, mas não está a levar em conta a economia nacional que, dentro de poucos anos, estará completamente inoperativa, sendo só florescente em um ou outro campo que não é suficiente para compensar toda a produção que entretanto vai falir ou fechar as portas ou reduzir-se a quantidades insignificantes. Isto quer dizer que, daqui a tempos, Portugal será um dos Estados mais pobres da União, pois o consumo que restar será de produtos importados.
 
O contrário do esboço que tracei conseguir-se-ia a partir de um salutar aumento do consumo através de o Estado o incentivar, pagando justamente às classes inactivas, taxando com rigor as entidades responsáveis pela cedência de crédito, mantendo uma carga fiscal favorável aos sectores produtivos de maior produção/consumo, impondo uma fiscalidade nas áreas que se sabem que fogem ao fisco, limitando o consumo das classes sociais mais próximas da abundância, restringindo a saída de cidadãos para o estrangeiro em gozo de férias, através da elevação das taxas de embarque em épocas bem determinadas, cobrando taxas mais altas na prática publicitária, nomeadamente a que se refere a produtos supérfluos, enfim, reestruturando os hábitos dos Portugueses que foram completamente alterados com a entrada na Comunidade Europeia e no regabofe que se viveu nos anos do Governo de Cavaco Silva continuado no de Guterres.
 
A via seguida pelo Governo de José Sócrates — que dá o exemplo gozando férias no Quénia ao contrário de as passar na serra do Gerês — vai cavar fossos enormes entre grupos sociais e os mais fragilizados são os que se situam nas classes inactivas, sejam antigos contínuos ou almirantes. A diferença situa-se simplesmente nas descidas dos padrões de vida: o do contínuo passará a ter a dignidade do do mendigo e o do almirante a do contínuo. Nada mais! E que os deuses, na sua divina bondade, não lhes dêem longas vidas para que não tenham de descer mais ainda na escala das dificuldades.

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