28 de Maio ‒ Salazar e o jornalismo
Creio que não é, hoje, muito conhecido o facto de António de Oliveira Salazar, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra ‒ tido como catedrático, mas sem para tal possuir habilitações semelhantes às que hoje são exigidas ‒, ter escrito, nos primeiros anos da década de vinte, muito antes de ser ministro das Finanças, vários artigos para o jornal Novidades, órgão da diocese de Lisboa, afecto, por conseguinte, à Igreja Católica. Mas não assinava com o seu nome, antes com um pseudónimo, escondendo-se atrás de uma certa forma de anonimato. Era, tão somente, o Alves da Silva.
Nunca se esclareceu a razão do pseudónimo, mas, na minha opinião não suficientemente fundamentada, contudo, aparentemente lógica, ele terá optado por não se expor, visto, em 1919, após o assassinato de Sidónio Pais, ter sido acusado de, nas aulas, fazer a defesa do regime monárquico, atacando a República. Por tal facto, foi suspenso, vindo a ser readmitido, depois de se ter explicado, por escrito, e assumido como defensor da democracia e da liberdade de expressão.
De acordo com o uso e costume de então, ele foi jornalista.
Por força das matérias publicadas, nos dias de hoje, ele seria um comentador, com algum crédito, de assuntos financeiros, pois, leccionando Finanças Públicas, julgava-se autorizado a ter opinião sobre a forma como decorriam os negócios do Estado sob a batuta dos diferentes ministros.
Tiveram boa aceitação, junto de um público conservador, os seus pareceres e as suas apostas políticas. Todavia, estas, parecendo de grande correcção, pecavam por carecerem de uma conjuntura internacional, que não era a existente no momento, e de um clima nacional, que estava longe de oferecer condições suficientes para aceitar as propostas de Salazar.
Mas, lendo com cautela os artigos de Alves da Silva, percebe-se que havia neles uma vaga sugestão de providencialismo emanado de um potencial salvador da pátria. Isso era bastante para Salazar, que semeava com tempo para colher na altura certa. Só tinha de deixar degradar, mais ainda, a situação interna e internacional para ser olhado como o homem capaz. Para tanto, tornava-se necessário levantar um pouco o véu do pseudónimo, permitindo que, à boca pequena, se suspeitasse da verdadeira autoria dos artigos.
Salazar, católico conservador, ao contrário de outros ditadores, cujas ideologias provinham de doutrinas revolucionárias, sonhava com a possibilidade de aplicar a doutrina social da Igreja, de Leão XIII, mas, em simultâneo, ter as possibilidades de um príncipe renascentista poderoso e incontestado, como nos dá notícia Franco Nogueira ao descrever as longas conversas do professor com Manuel Cerejeira, no antigo convento de os Grilos, residência de ambos, em Coimbra.
Implantada a ditadura, em Maio de 1926, os militares, induzidos pelos artigos de Alves da Silva e as receitas neles sugeridas, chamaram Oliveira Salazar para sobraçar a pasta das Finanças. O matreiro professor, impôs condições. A situação ainda não tinha amadurecido o suficiente para os militares darem de mão-beijada um poder que, julgavam, lhes devia ser preciso para salvarem a pátria. Enganavam-se. Salazar ia continuar, em Coimbra, a ver deteriorar a situação nacional e internacional e, então, e só então, cair-lhe-ia nos braços o poder tão desejado e teoricamente ensaiado nos serões conimbricenses com o seu colega e amigo Cerejeira.
Das imposições de Salazar tratarei mais à frente.