28 de Maio ‒ Os militares e a nova situação
Quando o golpe de 28 de Maio de 1926 saiu para a rua, em Braga, comandado pelo general Gomes da Costa, a população em geral e muitos militares não faziam a mínima ideia de qual o pendor político ou ideológico do movimento. O mais que se sabia é que Gomes da Costa tinha sido o comandante da 2.ª Divisão do CEP, em França, e tinha sido sobre essa unidade que caíra a parte mais devastadora do ataque alemão de 9 de Abril de 1918, em La Lys.
Gomes da Costa foi a segunda escolha do general Sinel de Cordes, verdadeira alma da conspiração, um monárquico convicto e também combatente no CEP, pois o general Alves Roçadas, o primeiro escolhido, ficou impedido, por razões de saúde, de assumir o comando, vindo a falecer em Junho seguinte.
Gomes da Costa era um militar ambicioso e vaidoso, embora corajoso, com uma longa carreira de serviço na Índia e em Moçambique. Oficial de cavalaria, adoptou, para modelo comportamental, a figura de Mouzinho de Albuquerque, que conheceu, tendo servido sob as suas ordens.
Foi durante a permanência em França que mais se fez notar a sua ambição política, de tal modo que o general Tamagnini de Abreu e Silva, primeiro comandante do CEP, deixou escritas as desconfianças que nutria sobre a lealdade de Gomes da Costa. Todavia, a verdade é que, embora tendo aderido a um partido republicano conservador e nacionalista, nada percebia de política, por não ter nem cultura nesse domínio e, muito menos, habilidade para contornar, com cinismo e malícia, os jogos sujos dos políticos. Antes de explicar o percurso de Gomes de Costa no comando do golpe, vale a pena tentar perceber a orientação ideológica desta acção revolucionária.
Sendo que a alma conspirativa era o general Sinel de Cordes, trabalhando na sombra, a verdade é que o golpe estava combinado para eclodir em Braga, sendo logo secundado em Lisboa pelo capitão-de-fragata Mendes Cabeçadas, um republicano, apoiante da linha mais moderada, cujo descontentamento se centrava no papel desempenhado pelo partido democrático ‒ o mais radical do espectro republicano ‒, facto que não deixava de fazer dele um adepto do regime. Foi a ele que Bernardino Machado, Presidente da República, em 30 de Maio, nomeou Presidente do Ministério e ministro de várias pastas, quando o golpe foi dado como vitorioso. Assumiu a Presidência da República quando Bernardino Machado, no dia seguinte, apresentou a exoneração do cargo, retirando-se para a sua casa na Cruz Quebrada.
Já estava instalado em Sacavém o quartel-general de Gomes da Costa, quando, em 16 de Junho, consequência de um golpe dentro do próprio golpe, Gomes da Costa afastou Mendes Cabeçadas, assumindo a Presidência da República e a Presidência do Ministério.
Foi sol de pouca dura. Sinel de Cordes e o general Óscar Fragoso Carmona, em 9 de Julho, deram mais outro golpe e afastaram Gomes da Costa, exilando-o para os Açores, promovendo-o a marechal. O velho general não tinha elasticidade para suportar a governação confusa da política nacional.
Se é certo que, na sombra, sempre esteve um monárquico a conduzir a conspiração, também é certo que nenhum dos oficiais que pululavam à volta de Sinel de Cordes ou de Carmona ‒ que havia sido colocado no cargo de Presidente da República ‒ sabia, ao certo, qual o rumo a seguir em termos de regime. E havia razões para tal!
Lançar mão de uma ditadura, naquele momento da vida nacional, colhia consenso junto de bastantes republicanos, mas impor uma monarquia, quase pela certa, iria pôr a rua contra os militares conspiradores. A prudência aconselhava a adiar a aclamação de um rei.
Seria só a prudência a aconselhar tais cuidados?
Julgo que não. Havia que levar em conta uma outra vertente de que hoje ‒ e durante o Estado Novo ‒ se fala e falou muito pouco para não retirar glória aos cabecilhas do golpe.
Disso me ocuparei mais à frente.