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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.11.19

28 de Maio ‒ “A Revolução de Maio”: Um filme


Luís Alves de Fraga

 

Em texto anterior, referi-me ao golpe militar contra a ditadura acontecido em Fevereiro de 1927, no Porto e em Lisboa em dias sequenciais. Pela dimensão dos meios castrenses envolvidos, bem como pelo elevado número de combatentes empenhados, em ambos os lados, e, ainda, pelo grande quantidade de vítimas feitas nos combates e na repressão que se lhe seguiu, a revolução de Fevereiro foi, sem dúvidas, emblemática para a consolidação do regime ditatorial.

 

Dez anos depois de implantada a ditadura, em 1936, a cidade de Braga recebeu, em folguedo, os mais altos representantes da nova situação política, incluindo Oliveira Salazar já consagrado como salvador da Pátria, para comemorarem a revolução. Foi uma festa, evidentemente, preparada e montada para mostrar a satisfação popular e as vitórias alcançadas graças ao saneamento das finanças e ao manifesto desenvolvimento da economia.

Era o momento oportuno para fazer uma longa metragem cinematográfica de marcada propaganda política da nova situação nacional. António Ferro ‒ o jornalista irrequieto, intelectualmente cheio de qualidades estéticas, vindo da República para o sidonismo e deste para o fascismo, que admirava, era, havia poucos anos, o homem forte da publicidade política, nomeado por Salazar, para dirigir o Secretariado Nacional da Propaganda (extinto, com este nome, no final da 2.ª Guerra Mundial) ‒ foi, com António Lopes Ribeiro, o autor do filme mais emblemático do Estado Novo e da ditadura. Chamou-se Revolução de Maio e ainda hoje se vende ‒ a preço elevado ‒ nos locais próprios. É um documento extraordinário, evidenciando o que foram as raízes do regime corporativo português e da imagem que dele se pretendia vender interna e externamente. Às vezes, quase nos faz ter vergonha do nosso fascismo e, noutras, quase nos arranca gargalhadas em face da mentira mal montada. Tudo, no filme, é falso, para além da boa realização cinematográfica e dos trechos de documentários cinematográficos nele introduzidos. Há, na fita, uma ingenuidade que nos convida a assumir o papel de idiotas, porque toda a mensagem, resultante da narrativa, ultrapassa o real e, com algum exagero, está, do ponto de vista onírico, ao nível de qualquer filme da Walt Disney Company.

 

O argumento, de uma simplicidade extrema, roda à volta da lembrança da revolução de Fevereiro de 1927, de um revolucionário ‒ subjectivamente identificado com o comunismo ‒ de uma jovem enfermeira da maternidade Alfredo da Costa (que, não é dito, estava, por lei, proibida de casar), de um chefe da polícia política (que não é assim mencionada), de uma tipografia, que fazia trabalhos clandestinos e de uma revolução a ser desencadeada, pelos conspiradores, no dia 28 de Maio de 1936, exactamente no décimo aniversário da Revolução Nacional.

 

No filme não há gente má! Nem polícias, nem conspiradores, nem trabalhadores, nem ninguém. Se alguma maldade existe ela é tão disfarçada, tão subtilmente escondida, que só faltam os maus e os bons ‒ sejam eles quem forem ‒ terem asas nas costas e um halo de santo à volta da cabeça!

 

Mas, por estranho que pareça, é, exactamente, essa a mensagem que se pretende passar! Não estamos perante um fascismo agressivo, mas diante de um não fascismo, de gente de brandos costumes! E, de todo, nada disso foi verdade nem nos primeiros anos da ditadura nem nos que se lhe seguiram até 25 de Abril de 1974.

A ditadura, antes da implantação do nazismo, na Alemanha, tinha uma polícia política onde o uso dos meios mais violentos e ultrajantes raiavam a brutalidade; depois, com a aprendizagem na Gestapo, mudaram-se os métodos para processos mais sofisticados. Mas, mesmo no final dos anos trinta e durante a década de quarenta do século XX, a ditadura ‒ a que poderei com as necessárias reticências ‒ chamar fascismo português, fez questão de dar de si mesma uma imagem contrastante com os regimes antidemocráticos existentes na Europa e noutras partes do mundo. Era, como veremos mais à frente, uma ditadura conservadora de matriz católica com todos os tiques e limitações à modernidade que lhe eram inerentes.

Portugal ia atravessar um longo deserto, em muitos e variados aspectos, só vagamente atenuado mais de uma dezena de anos depois do final da guerra.