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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

19.11.19

28 de Maio – A legitimidade do golpe


Luís Alves de Fraga

 

É comum aceitar-se e divulgar-se a ideia de que toda a ditadura é ilegítima. Ora, tal não passa de uma impressão pouco trabalhada, por se tomar o fim como início. Vejamos.

 

As ditaduras, por regra, são impostas aos povos por uma de duas vias: o golpe revolucionário ou, como sequência de um acto eleitoral, o ditador e o seu partido ganham a maioria. Se a tomada do poder resultar da segunda hipótese ela é, incontestavelmente, legítima, pois a sua origem é democrática ainda que, sobre a honestidade do acto, se possam colocar dúvidas, mas, se nos deixarmos enredar em tais argumentos, então estaremos prontos para duvidar de tudo. Mas, se a conquista do poder for alcançada por um golpe, é aqui que se pode colocar a legitimidade da acção, merecendo, assim, um estudo mais em pormenor.

 

Por regra, os golpes para tomada do poder, ou são conduzidos pelas forças armadas ou têm a sua aprovação explícita ou implícita. Será assim, porque, sendo as forças armadas as detentoras da máxima violência do Estado, nada, em termos de gestão de violência, lhes pode ser superior.

A conclusão a tirar do que afirmei anteriormente é de que, não havendo oposição das forças armadas ou havendo, até, colaboração delas, o golpe é sempre legítimo, pois, naquele exacto momento representam a nação. Mas este facto, por si só, será suficiente para dar legitimidade a um golpe? Em consciência, e de acordo com o pensamento de Adriano Moreira, não é. Há necessidade de verificar se os cidadãos sentem como legítima a mudança política. Ora, esta só tem sentido se o poder político detentor da legalidade for vulgarmente referido na terceira pessoa do plural: eles. Quando o governo não é identificado, na linguagem comum, com a dignidade que deve merecer é porque perdeu a legitimidade. Quando, nas conversas informais e, por vezes, nos órgãos de comunicação social, deixam de ser ministros, deputados e presidentes para passarem a ser eles, então já não conseguem conquistar o respeito dos governados; então, estes já aceitam a mudança, seja qual for o preço a pagar. E a mudança pode ser orientada para uma solução extrema, desde que prometa gerar e impor respeito, segurança e tranquilidade. Prova de ser verdade aquilo que explico encontra-se, em qualquer golpe, de qualquer natureza ou orientação política, no facto de os vencedores se sentirem e se proclamarem legitimados pelo apoio popular no dia em que ocorre. São os aplausos da turba exaltada, os vivas, os abraços e os beijos que legitimam o golpe e os golpistas. Sempre foi assim e sempre continuará a ser. Foi assim na Roma dos Césares como em Berlim, em Paris, em Madrid, em Lisboa, no Rio de Janeiro ou em Santiago do Chile; em qualquer tempo e em qualquer golpe vitorioso.

 

A legitimidade do golpe militar de 28 de Maio de 1926, em Braga, em Lisboa e em todas as outras cidades do país, foi conseguida, nas ruas, nas aclamações que rodearam o general Gomes de Costa, os outros oficiais e os soldados que impunham a nova ordem, porque uma grande massa popular estava cansada e desesperada com toda a situação anterior, com as promessas feitas e não cumpridas.

Essa massa popular dividia-se desigualmente entre os mais miseráveis trabalhadores das cidades e dos campos, as donas de casa, os burgueses endinheirados e remediados, os militares e os funcionários públicos, os profissionais liberais e os empregados do comércio. O desagrado era transversal a todos, por isso transversal a todos também era o desejo de mudança. Poucos eram aqueles que tinham capacidade para entender que as razões de desagrado não residiam só em Portugal, porque provinham do estrangeiro e eram consequência desse mesmo estrangeiro. Poucos eram os que tinham a percepção de que prosseguindo e aprofundando a democracia e a liberdade se podia ver melhorada a condição de vida. Esses poucos silenciaram-se nos dias seguintes ao golpe. Silenciaram-se até que os manifestantes começassem a perceber o logro onde haviam caído. Silenciaram-se, porque não colhiam qualquer tipo de legitimidade… Haveriam de obtê-la mais tarde, muito mais tarde, quando os novos senhores do poder passassem a ser designados na terceira pessoa do plural: eles.

 

Assim, toda ditadura é legítima, pelo menos no dia em que se proclama, até que, devido aos seus efeitos, se transforma em ilegítima como o foi, também, o poder que antes derrubou.