O museu Salazar, em Santa Comba, e a minha revolta
Estava quase toda a gente de férias. Era Agosto e foi no dia 20. O Diário de Notícias fez uma reportagem em Santa Comba Dão. Mais concretamente, no Vimieiro, aldeia onde António de Oliveira Salazar nasceu.
Sei que a História não se apaga. Não se deve apagar, nem branquear. Por isso é conveniente que não se esqueça que houve em Portugal um ditador que governou com mão sibilinamente de ferro os Portugueses, silenciando-lhes o direito de opinião, de reunião, de escolha. Governando os Portugueses como se eles fossem crianças incapazes de saber o que deveriam querer e o que lhes era vedado por natureza ou por força do direito das gentes. Houve um ditador que mandou prender, deportar e, até, matar em nome de uma ordem cívica e de uma moral do Estado que só ele podia discutir. Para o ditador, os ministros do seu Governo não faziam política... eram meros funcionários da sua exclusiva e poderosa vontade.
António de Oliveira Salazar foi um campónio cheio de preconceitos e ideias fixas que se ilustrou no seminário e na Universidade de Coimbra; que ganhou maneiras citadinas, mas que não se sentia bem na pele de um homem do mundo, por isso quis fazer um Portugal à sua medida. Um Portugal rural, pleno de crendices religiosas — forma mais saudável de ocupar o espírito do que a discutir os seus próprios problemas. Um Portugal que satisfizesse ao pensamento de Fernando Pessoa: imoral não é o que se faz, mas o que se torna público e conhecido de todos. Portugal não era um país imoral, porque ninguém sabia o que se fazia ou, no mínimo, escondia-se muito bem para que não se soubesse.
Oliveira Salazar existiu e subsistiu como governante todo poderoso não só por causa dos mecanismos de repressão que mandou montar contra os Portugueses — admitir tal coisa era confirmar o atestado de menoridade que ele mandou passar a um Povo! Não. António de Oliveira Salazar, tal como todos os ditadores em todos os tempos e lugares, existiu e subsistiu, porque os Portugueses — todos os Portugueses — quiseram ser governados como crianças ou atrasados mentais.
Sim, foram os Portugueses que quiseram, porque quando um Povo não aceita a canga que lhe lançam ao pescoço sabe como sacudi-la. Mas isso são povos com brio, com vontade própria, que o mesmo é dizer, vontade nacional.
Os Portugueses não têm vontade nacional, nem brio, nem amor próprio, nem amor à Liberdade. Nós, os Portugueses, somos individualistas, mesquinhos, invejosos. Se eu estiver melhor do que o meu vizinho, ele que se lixe, mesmo que a mim só me seja permitido comer uma vez por dia... A ele não o deixam comer. Isso é o mais importante!
Os 25 de Abril, os 5 de Outubro, os 1 de Dezembro só são possíveis quando os Portugueses já nem com os joelhos conseguem caminhar; só são possíveis quando rastejam e comem o pó do caminho sob o jugo do opressor. Nessa altura, alguns, os mais saudáveis, os mais capazes, os mais audazes, aqueles que ainda guardam uma pequena dose de loucura — daquela salutar loucura que faz os povos progredir — uma réstia de coragem, arriscam tudo para se libertar da miseranda situação! Esses são, ainda, a esperança da Nação. Mas depois, o Povo, os Portugueses, apropriam-se dessas datas como se fossem o resultado de um acto colectivo, um acto de todos, como se todos tivessem sido heróicos defensores da Liberdade.
Sim, concordo que se faça naquela que foi a casa de António de Oliveira Salazar um museu. Mas um museu que deixe bem claro quem ele era e quem ele foi: um campónio ilustrado e alcandorado às cadeiras do Poder por consentimento de um Povo que se deixa conduzir e ser tratado como um rebanho.
Não gostam das minhas palavras?! Incomodam?! São injustas?!
Crucifiquem-me na praça pública, ofendam-me, silenciem-me — se forem capazes —, porque desse modo, uma vez mais, me dão razão. Uma vez mais provarão que não suportam o açoite da verdade, que querem viver como subalternos, que não são capazes de olhar de frente e arriscar tudo, que se satisfazem com as migalhas em vez de quererem o banquete colectivo, que são mesquinhos, incapazes de respirar a plenos pulmões o ar puro dos grandes horizontes, que estão, uma vez mais, preparados para aceitar todas as cangas nos magros pescoços, que são merecedores do Salazar que tiveram e daquele que já começam a ansiar ter.
Tenham vergonha, porque, a mim, resta-me a riqueza de dizer o que penso, porque vivi do meu soldo e do meu trabalho. Não tenho nem luxos nem sinecuras. Tudo dispensei para poder dizer o que me vai na alma, amarrando-me ao pilar forte da Liberdade, único museu que merece ser construído e remodelado em cada ano que passa neste Portugal cada vez mais pequenino.