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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

02.07.06

Revisitação do falhado golpe de Abril de 1961


Luís Alves de Fraga

A matemática nunca foi a minha disciplina eleita; estudei-a com muito trabalho e esforço, embora cumprindo minimamente o que me era exigido. As classificações obtidas são a prova bem clara do quanto falo verdade. Paradoxalmente, gosto de «brincar» com os números, estabelecendo relações e procurando nexos. O apontamento de hoje, em parte, demonstra esse meu estranho prazer.
Ao escrever esta nota para o «Fio de Prumo» - que seguindo a ortografia correcta deveria ter dois hífens a unir as diferentes palavras - encontro-me nas termas, no Norte de Portugal, por onde, há milénios, se passearam legiões romanas e, como senhores da terra, se instalaram prováveis nobres itálicos, quiçá, velhas famílias vindas da grande cidade do Tibre. Por hábito, trago na bagagem alguns livros para ler ou reler. Escolho-os em função do trabalho que me vai ocupar a mente nos meses mais próximos. Pelo meio, lá surge um romance, nos últimos anos, quase sempre histórico. Desta feita, comecei a estadia pela releitura de uma obra com trinta anos de editada e que, na época, me mereceu uma vaga atenção... À data os tempos não iam para preocupações com acontecimentos passados e falhados; vivia-se um momento de construção; todos andávamos preocupados com o futuro, pelo que, olhar para trás, era um desperdício! Hoje, talvez pelas circunstâncias, talvez pela idade, meditar sobre o passado tornou-se um dos meus mais agradáveis empenhamentos. Mas, com tanta explicação, quase deixo passar em claro o título do livro que acabei de reler. Aí vai ele: As Forças Armadas e as crises nacionais. A Abrilada de 1961; é seu autor o provecto coronel Fernando Valença, tio do general Valença Pinto, actual Chefe do Estado-Maior do Exército.
Há, pelo menos, vinte e cinco anos que conheço pessoalmente o autor e com ele já estabeleci vivos diálogos com duração de horas. É proverbial a capacidade oratória do coronel Valença, bem como a sua cultura humanística. Nos nossos encontros nem sempre estamos de acordo - é difícil estar em concordância com este oficial que saltita de argumento em argumento na esperança de ter sempre razão, pelo imenso gozo que lhe dá ver o oponente rendido ao seu muito saber -, mas acabamos sempre respeitando-nos; é que o coronel Valença, tendo em conta a sua avançada idade, gosta de cultivar oposições para dar largas ao seu espírito expressivo. Como há muitos anos lhe descobri essa necessidade vital, sempre me prestei a contribuir para lhe manter o gosto do diálogo comigo, exercitando as suas capacidades retóricas. Claro está, no meio de tudo isso, algumas coisas vou aprendendo.
O livro agora relido, conta e justifica o golpe de Estado, falhado, de Abril de 1961, também conhecido por «intentona Botelho Moniz». Para além de me querer documentar sobre a época, encontrei na nova leitura deste livro um agigantado prazer, se me esquecer do estilo rebuscado e adjectivado do autor.
Mas onde está tudo isto relacionado com a matemática? Com o gosto de «brincar» com os números? Eu explico, para o leitor mais inquieto.
Há 30 anos foi publicada a obra que dá pela designação genérica de A Abrilada de 1961; há 32 anos ocorreu em Portugal o golpe que derrubou a ditadura; o livro, como já disse, refaz, quase milimetricamente, alguns dos meandros da falhada intentona acontecida 33 anos depois do golpe militar de 28 de Maio de 1928. Quer dizer, a distância temporal que separa o falhado golpe, conduzido pelo general Botelho Moniz, contra o regime ditatorial quase corresponde à que nos separa, neste momento, da da mudança para o regime democrático. Cá estão o números a «brincar» comigo ou eu com eles!
E qual era, na estrutura mais elementar, o programa de acção que o ministro da Defesa Nacional, general Botelho Moniz, preconizava para pôr fim à ditadura? E qual era o «crime» de que os legalistas conspiradores mais acusavam o Poder, Salazar e toda a camarilha que lhe dava apoio?
Pois, para responder, nada melhor do que, pela mesma ordem das perguntas, dar a palavra ao coronel Fernando Valença:
Primeiro, «Proceder a uma depuração dos grandes “vampiros”, “tubarões” e “senhores feudais, exploradores do ultramar e também do povo português da metrópole;» (p. 147, sublinhado da minha autoria);
Segundo, «Ainda para tornar a questão mais delicada, sucede que muitas figuras chegadas aos sectores mais destacados da vida pública e aos órgãos impulsionadores da política do Estado Novo estão a colher benefícios pessoais pelo desempenho de cargos bastante bem remunerados, ou mesmo ligados a grupos cujos interesses económicos privados colidem em vários casos com os superiores interesses da Nação» (p. 158, sublinhado da minha autoria).
Ora diga-me agora o leitor, se depois de meditar com cautela nas exíguas passagens que transcrevi, não lhe dá vontade de comprar o livro há muito desaparecido das livrarias e lê-lo para lhe descobrir as similitudes com os 32 anos que passaram desde o dia em que nós, os militares, os capitães de Abril, decidimos levar por diante o que o ministro da Defesa Nacional, em 1961, por ser legalista, não foi capaz de, ou não quis, fazer: derrubar um regime que, havia 33 anos, se deteriorara e frustara até os ideais daqueles que o tinham implantado?
Uma lição colhi, outra vez, do meu velho coronel Valença: - a cautela e o bom planeamento revolucionários podem mais que o prudente golpe feito na mais estreita legalidade, mas acabam, ao cabo de 32 anos, pelo menos em Portugal, por descambar pelas mesmas estreitas veredas que conduzem ao arranjismo e à corrupção que caracterizou o liberalismo, na segunda metade do século XIX. Será sina ou defeito congénito?

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