Tenho, algumas vezes, abordado o problema das carreiras militares e, em particular, o da vocação dos jovens para alcançarem o oficialato. Realmente — e por exclusiva culpa minha — nunca me debrucei sobre a forma como os sargentos escolhem a vida castrense. Tentarei hoje colmatar essa falha.
Não existe, entre nós, a tradição das Academias para diplomar sargentos, também designados sub-oficiais , noutros países. Existem escolas viradas para formação militar específica em certas Armas e Serviços onde se ministram cursos que habilitam para o desempenho de funções. São, no Exército, as chamadas Escolas Práticas onde, afinal, também os oficiais e as praças adquirem valências específicas. Este modelo não é seguido na Força Aérea nem na Armada; optou-se por um estabelecimento único, em cada um daqueles ramos, para por lá passarem os especialistas, aprendendo o que se reconhece como fundamental para o exercício das funções a que se destinam.
A transição de mero sargento em regime de contrato para sargento do quadro permanente faz-se por opção do candidato, existência de vagas, satisfação de requisitos e informações satisfatórias. Não vou pormenorizar aqui — até porque não viria a propósito — toda a metodologia de ingresso. Interessa, na minha perspectiva, é perceber a importância dos sargentos nas Forças Armadas de ontem e de hoje.
Eles foram, ao longo dos tempos, vistos, quase sempre, como profissionais militares oriundos de praça, com uma fraca preparação intelectual e cultural. Não vou dizer que este esteriótipo está errado. Realmente, no nosso país, até ao fim da 2.ª Guerra Mundial, raros foram os casos de sargentos que fugiam ao padrão referido; eram os chamados tarimbeiros ou lateiros, consequência da sua origem.
Logo no pós-guerra houve necessidade de alterar, pelo menos em parte, este tipo de sargento, como resultado da admissão de Portugal na OTAN; teve de se admitir gente com formação técnica para satisfazer a imperativos ditados pelas novas formas de desenvolver operações militares; a electrónica dava os primeiros passos e impunha os radares, os sistemas de pontaria sofisticados, as telecomunicações modernas. A partir de então o recrutamento centrou-se em jovens com cursos industriais ou, no mínimo, com frequência dos mesmos. O nível técnico e cultural subiu entre a classe de sargentos. O seu vencimento passou a estar equiparado ao de um professor de instrução primária o que não constituía favor nenhum. Este salto recolocou os sub-oficiais na posição intermédia que haviam tido no século XIX; eram os especialistas que enquadravam os praças permitindo ao oficial uma maior mobilidade para se dedicar à nova evolução do modo de fazer a guerra.
A partir de 1961, com o começo do conflito nas colónias e a sua longa duração de 13 anos, acrescida do baixo nível técnico que se exigia dos homens para as operações militares, a classe de sargentos, embora sacrificada no desempenho de sucessivas comissões de serviço em África, tornou a baixar no tipo de recrutamento; importante era saber fazer a guerra no mato e enquadrar os praças. Houve um significativo recuo. Ele foi de tal ordem que chegou a reflectir-se na classe de oficiais por haver absoluta carência destes, admitindo-se a ascensão de sargentos ao oficialato sem grande rigor selectivo.
Acabada a guerra, no intuito de, por um lado, estancar as promoções à classe de oficiais e, por outro, remediar a carreira, não truncando perspectivas criadas no tempo do conflito, foram adicionados mais dois postos à classe de sargentos: os sargentos-chefes e os sargentos-mores. Estes últimos viriam a auferir um vencimento inferior em pouco ao de um capitão.
Nos 32 anos que decorreram desde 25 de Abril até hoje, posso garantir que novamente houve profundas alterações no modo de recrutar os sargentos. Alterações que foram consequência de um maior tecnicismo dos armamentos e de um mais elevado padrão cultural de todos aqueles que optam por seguir a carreira. Actualmente, é com alguma frequência que se encontram sargentos licenciados por universidades estatais e privadas nas fileiras dos quadros permanentes.
Hoje, ser sargento das Forças Armadas é uma opção tão importante como a de ser oficial, porque a valia operacional de um e de outro são subsequentes e complementares. Na minha opinião, é pena que não se dê o salto para a criação de uma Academia de Sub-oficiais onde se ministrassem os fundamentos culturais e militares de uma carreira, deixando-se para fase posterior a aprendizagem técnica que cada ramo deve desenvolver dentro das diferentes especialidades. Ao mesmo tempo acabava-se, de uma vez por todas, com a escolha de uma carreira já depois do desempenho de funções a ela inerentes. Porque não começar do zero, como se faz com os oficiais do quadro permanente? Quanto melhores forem os sargentos mais aptos e competentes terão de ser os oficiais que os comandam.