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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

13.08.24

Jesus e Marx


Luís Alves de Fraga

 

Era eu menino ouvi muitas vezes uma frase dita por gente de pouca ilustração que constava da afirmação de que Jesus tinha sido o primeiro comunista da História. Nunca me esqueci do quanto esquisita era a ideia.

Cresci, fui um jovem católico praticante e muito empenhado na obra da Igreja (como creio já ter dado nota noutro apontamento anterior). A actividade profissional foi-me desviando dos cultos habituais e, mais tarde, quando voltei à universidade para estudar comecei a rasgar outros horizontes, novas teses e novas teorias e a religião passou para um plano miuto distante das minhas preocupações, embora, lá no fundo tivesse ficado a ideia de Deus, de um Jesus e de uma Virgem Maria. Na verdade, o que eu tinha feito na minha juventude era uma “prática” religiosa baseada num catecismo aprendido como quem aprende a ler, a escrever e a contar; eu não sabia o que sabia nem sabia o que devia saber, como acontece com a maior parte dos católicos da minha idade. A única ideia bem fixa que eu guardei da minha adolescência até à idade adulta é a de que há um Deus.

 

As diferentes sucessões de papas na cadeira de São Pedro foram sempre motivo para eu reflectir no que estava a acontecer na Igreja, em Roma e no cristianismo. Impressionou-me a reviravolta dada por João XXIII quando acabou com a estúpida ideia de o papa ser prisioneiro do Estado italiano e convocou o Concílio Vaticano II; mais ainda, o que dele saiu em alterações numa Igreja que se julgava inalterável.

Foi a abertura ao mundo. Foi a preparação para a mudança. Foi o tempo em que, por fim, um papa deu um chuto nos sapatos vermelhos da marca Prada para continuar com os seus velhos e cómodos sapatos pretos, para recusar viver na clausura dos aposentos papais, vivendo em duas ou três divisões de uma residencial eclesial onde entra e sai gente todos os dias e todos os dias se vêem caras novas. Esse papa, que escolheu os pobres para serem o objectivo da sua missão, escolheu o nome de Francisco para recordar o de Assis, que não queria construir nem igrejas, nem capelas, destinando esse dinheiro aos pobres, fez-me voltar ao estudo do cristianismo. Primeiro, muito lentamente e, depois, muito mais rápido, estudando-o a ele Francisco e às suas palavras. E assim, nasceu esta dicotomia Jesus e Marx.

 

‒ Jesus foi o primeiro comunista?

Ler o Novo Testamento é algo pesado para o comum dos leitores, mas um excelente exercício para quem quer perceber o cristianismo e como ele é um verdadeiro corte com o judaísmo assente no Velho Testamento e nas diferentes interpretações do Deus único. Assim, é muito mais fácil ler as conversas de Francisco com o comum dos mortais que se encontram publicadas ou, até mesmo, os pequenos textos que o papa dá à estampa.

Jesus não foi comunista ‒ até porque o conceito não existia no Seu tempo ‒, mas foi, de certeza o primeiro “agitador de massas” a defender os pobres da ganância dos ricos; foi o primeiro a defender a equidade na distribuição dos rendimentos; foi o primeiro a defender o valor mais sagrado de todos: o da vida quando defendeu a mulher adúltera de ser apedrejada; foi o primeiro a separar obrigações quando distanciou o que pertencia a César daquilo que era de Deus.

Bolas, Jesus, no seu tempo, foi um revolucionário! Imaginem o Oriente Médio de há dois mil anos e o “perigo” que Ele foi para os poderes da época. Jesus não disse, mas podia ter dito: “Pobres de todo o mundo uni-vos”. O que Ele disse foi: “O meu reino não é deste mundo” ou seja, as vossas “riquezas vão ser de outra natureza”. Mas, acima de tudo, identificou o que estava mal e quem estava mal.

 

‒ E o que é que os séculos fizeram enquanto passavam?

Geraram, no clero da nova Igreja, a ambição de riqueza e poder que haviam gerado na velha igreja que Jesus reformou; transformaram-na no oposto daquilo que Jesus havia defendido, igualando-se em ganância e desejo de poder e crueldade aos sacerdotes do judaísmo e esta igreja não separou os reinos, como o fez Jesus. Chegámos ao século XIX com os mais conscientes dos homens a exigir uma ruptura social e política, mas, curiosamente, esta passava por duas vias: a do poder governativo e, outra, com a do poder clerical ou, era o mesmo na época, com a Igreja e todas as igrejas que alienavam os pobres numa luta que não tinha fim.

 

‒ E Marx?

Foi dessa luta de ideias económicas e sociais, iniciada ainda nos finais do século XVIII, tentando explicar a riqueza das nações, a razão da pobreza e a justificação para o progresso da sociedade que nasceu o pensamento de Marx o qual, bem escalpelizado, faz a síntese de todas teses do seu tempo e acrescenta-lhes mais algumas coisas, nomeadamente o conceito de “mais-valia” como sendo o lucro do capitalismo e a luta de classes entre os possidentes de bens de produção e os que só possuem como bem a sua força de trabalho, os proletários e, daí extrai uma conclusão: os bens de produção têm de ser socializados, o que quer dizer, têm de ser de todos. Mas “um todos” global, pois a experiência de “um todos” “só alguns” tentou-a Lenine na Rússia e vimos no que sociologicamente deu: o mesmo que resultou de uma Igreja institucionalizada e detentora de poder (não esqueçamos o Tribunal do Santo Ofício e a sua imensa capacidade até sobre reis)!

 

No plano histórico e dando a cada um o seu espaço para poder tirar uma conclusão comparativa, Jesus e Marx são iguais: ambos combatem o capitalismo do seu tempo e exercido à sua maneira; ambos defendem uma utopia maravilhosa: a igualdade entre os homens sem que os separe um abismo de riqueza; um “homem novo” no seu comportamento e sua conduta social. Contudo, Jesus não é comunista tal como Marx não é cristão.

Mas isto sou eu a concluir, Eu pequeno pensador, num mundo de gigantes em sabedoria e cautelas científicas. Todavia, há um outro eu em mim: um eu que acredita que a vida não começa numa cópula e acaba num arquejo sem ar nos pulmões e sem coração a bater; acredito que a minha essência veio de algum lugar e vai para o sítio de onde partiu quando o meu corpo já só for um cadáver. Vai para o seio do Criador e, por isso, na medida em que Jesus ultrapassa a sua humanidade histórica para se projectar na dimensão divina, acredito que Ele é, com o Pai e o Espírito Santo, a trindade a que chamamos Deus e de onde todos partimos.