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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

30.05.24

O cheiro da pobreza


Luís Alves de Fraga

 

Na minha juventude fui vicentino (para quem não sabe o que isso é deixo a explicação: fiz parte da Conferência de S. Vicente de Paulo, cuja finalidade é a ajuda aos pobres. Fui-o quando era aluno pré-finalista no Instituto dos Pupilos do Exército.

Aos católicos e mais velhos, o padre capelão lançou a ideia de fundarmos uma delegação da Conferência para “ajudarmos” os pobres do bairro do Calhau, que era essencialmente de barracas e ficava nos terrenos de uma das laterais dos jardins do palácio dos marqueses de Fronteira, ali em S. Domingos de Benfica.

Devido a uma escolha que nunca compreendi (não houve votação, mas “sugestão” do capelão) fui nomeado vice-presidente da Mesa da Conferência (éramos quatro: um presidente, um vice, um secretário e um tesoureiro). Em consequência da idade e da supremacia sobre os alunos mais novos, com caridade cristã, lá íamos encaminhando os mais assíduos à missa, ao domingo, ou ao rezar do terço, à noite, depois do jantar, para a Conferência de modo a termos audiência com qualidade e, ao mesmo tempo, encaminhando os escolhidos para continuarem, anos mais tarde, a nossa obra. Julgo que chegámos a ser, nesses dois ou três primeiros anos, talvez uma trintena que assistia aos plenários da Conferência onde relatávamos os problemas dos “nossos” pobres, o que precisavam e como nos comportávamos nas visitas.

 

Íamos sempre aos pares visitar a mesma família desde o início do ano até ao final. Com as parcas esmolas que obtínhamos dos nossos bolsos vazios, a contribuição (desconhecida) do capelão e mais mil escudos (era muito dinheiro, nessa altura) dados pela viúva do marquês de Fronteira (D. Fernando de Mascarenhas) negociávamos com o senhor Mansos, despenseiro do Instituto, o tipo e quantidade de géneros alimentícios não perecíveis para repartirmos pelas barracas aonde íamos ao fim da tarde de sábado antes de regressarmos ao Instituto ou antes de seguirmos de fim-de-semana, como era o meu caso por viver em Lisboa.

Eu nunca tinha entrado numa barraca de madeira e telhado de zinco como aquela primeira onde habitavam duas mulheres, mãe e filha, vindas da ilha do Faial, porque a jovem se apaixonou por um soldado ido do continente lá para os Açores, durante a 2.ª Guerra Mundial. Se lá eram pobres ‒ contaram-me ‒ não imaginavam a pobreza em que estavam a viver no continente. O homem, o marido, pai de uma menina enfezada com oito ou nove anos, raramente estava em casa quando lá íamos, mas, se estava, desfazia-se em excessivas e falsas mesuras, em especial comigo, por ser o mais velho dos dois vicentinos.

 

Antes de entrar na barraca jamais imaginara o cheiro que estava lá dentro. Foi um choque, porque, mesmo sendo arejada, havia uma mistura de odor a velho, a bolor, a humidade, a transpiração, a comida e a camas mal lavadas. Foi um cheiro que nunca mais esqueci. Chamei a essa promiscuidade de aromas, cheiro a pobreza.

Depois de entregarmos o saco com o quilograma de arroz, a barra de margarina (chocou-me quando num dos plenários o capelão alvitrou, perante uma sugestão minha, a margarina em vez de manteiga, “porque para eles chega”!), o pacote de massa e de açúcar e mais uns quantos ovos embrulhados com cuidado, ficávamos à conversa, primeiro sobre os Açores e a ilha do Faial (que eu conhecia), sobre a vida delas com o marido (quando ele não estava presente, claro… pois arriscavam-se a uma sova de cinto ou de corda), sobre as dificuldades da filha (envergonhada e tímida) na escola (algumas vezes lhe ensinei como fazer as contas) e, muitas, muitas vezes sobre o que era viver na miséria. Um pouco desajeitadamente falava-lhes da pobreza de Jesus e do Seu sofrimento e que um dia, na outra vida, junto de Deus, iriam ter uma vida muito melhor.

É evidente, que da boca de um jovem de dezassete, dezoito ou mesmo dezanove anos como eu tinha, esta “pregação” ‒ sentia eu ‒ devia-lhes saber a fel tal como me faziam sentir em falso… Eu que tinha tecto, cama, comida em abundância, roupa lavada e estudos; não sabia como transmitir-lhes esperança; sabia levar-lhes uns poucos géneros alimentícios e falar de banalidades, sentindo o cheiro da pobreza naquela barraca, cujo forro do zinco por onde entrava água quando chovia uma ou duas vezes ajudámos a arranjar.

 

Talvez dez anos depois percebi que a esmola não era a solução da miséria e, estudando teorias políticas, julguei ter encontrado o caminho certo para acabar com a pobreza. Passados vinte anos sobre estas novas “certezas” descobri que, nem quem apregoava as ideologias mais avançadas contra a miséria havia conseguido extingui-la, pois se existia casa, educação e saúde, não havia liberdade para dizer o que faltava e, deste modo, a pobreza lá estava, mostrando-se vestida com outras roupas.

O meu relógio da vida continuou a marcar horas e passaram mais trinta anos. Tive e tenho a felicidade de poder ler e ouvir a voz de um argentino que, vindo das terras do fim do mundo, trajando de branco e sendo um velhote como eu, recorda a pobreza cada vez maior no mundo e, não cuidando de arranjar fórmulas económicas ou políticas para a extinguir, me veio colocar no meu ponto de partida. O homem de branco chama-se, agora e assim ficará para sempre, Francisco, vive em Roma e apela à única maneira de acabar com a pobreza: recusar a riqueza e distribuir por todos o que a todos faz falta. E cá estou eu, balbuciando palavras aprendidas em menino e repetidas quando jovem, repercutindo a ideologia do outro Francisco, o “Poverello”.

28.05.24

O menino sabichão


Luís Alves de Fraga

 

Quando comecei a vê-lo na televisão, embirrei, de imediato, com ele. Na altura não sabia explicar o motivo; agora sei. Ele era um comentador com cara de criança e atrevimento de jovem galã sabedor que “elas caem” todas se lhes der o prazer de um sorriso. É evidente, estou a referir-me a Sebastião Bugalho.

Sei que é o filho mais velho de dois jornalistas conhecidos (mãe é mais romancista do que jornalista… escreve a eito) e, quase de certeza é fruto daquelas conjunturas em que se mistura o mimo infantil com a teimosia e algumas habilidades intelectuais apaparicadas pelos familiares que o acharam o máximo.

O menino Sebastião sabia dar respostas rápidas e foi ensinado a que, mesmo com idade para ser jovem, teria de ter a aparência de um “senhor” adulto. Depois (e isto sou eu a deduzir ou a atirar-me a adivinhar), como irmão mais velho soube impor-se ao outro (imagino que o traumatizou psicologicamente ou fez dele outro “monstrinho” de quem ouviremos falar muito mais tarde) e aos colegas da escola. Era meiguinho com as professoras enquanto estas o elogiassem, pois, à segunda vez que o contraditassem ele levantava a voz e fazia ameaças que as atemorizavam. E o Sebastiãozinho foi acreditando que o mundo podia ser seu caso não alterasse a sua postura, mas, pelo contrário, a apurasse.

Claro, o Sebastião tinha de frequentar uma universidade de referência e não querendo ir para a “mixuruquice” das públicas (credo! por lá andam todos os incapazes deste país) nem para a “pelintrice intelectual” das universidades privadas, foi direitinho para a Universidade Católica, porque é de referência internacional (?). E foi frequentar que curso? Direito, não… Ciência Política que é um curso sem saída, mas que dá para, com “colinho”, chegar ao jornalismo. Além do mais, a politologia dá uma boa bagagem para se “entrar” no partido que convêm aos ideais políticos de um candidato a viver à custa da luta de vizinhas desavindas, que é assim que se faz política em Portugal. E quanto a isto, não tenhamos a menor dúvida… Sebastião Bugalho iria sempre juntar-se aos partidos de direita, pois é nesses que se defendem interesses que dão dinheiro e “tacho”.

Eleitores, não se deixem enganar nem pela simpatia, nem pela juventude, nem pelas palavras mansas deste “menino traquinas e ambicioso”, pois, acima de tudo, ele é um vaidosão que quer subir de qualquer maneira na vida nacional, pisando cabeças, se necessário for.

Atenção, não estou a atacar o "menino traquinas"; estou a mostrar do que ele poderá ser capaz quando e se alcançar protagonismo no bloco político pelo qual se candidata a deputado europeu.

 

 

22.05.24

Branco mais Branco não há


Luís Alves de Fraga

 

Não acredito que seja consequência da minha idade, pois ainda sou muito capaz de aceitar “modernices” (para mim não o são) que outros “jovens” com os meus oitenta e três anos repudiam veementemente. Não, não é da idade, mas realmente, até alguns dos “rapazes” de cabelos brancos, que se vão vendo na política, parecem-me imberbes para os cargos que ocupam ou para as responsabilidades que têm. O que me leva a assim concluir são os disparates que oiço e vejo na televisão proferidos por tais “meninos” e, a este propósito, mas fora do âmbito da política, vem uma história que em tudo se aplica ao caso vertente. Não resisto em contá-la.

Há dias, de conversa com um general do Exército, entrado na Academia Militar no mesmo mês e ano que eu (Outubro de 1961), dizia-me ele, quando eu criticava a atitude de determinado general muito mais novo do que nós, com o seu ar displicente: ‒ Eh pá, não te esqueças de que ele ainda mijava nas fraldas quando nós já éramos oficiais!

Afinal é exactamente assim que teremos de pensar quando analisamos as atitudes de muitos dos políticos no activo: eles ainda andavam de fraldas ou de calções quando já tomávamos decisões graves para nós e para quem de nós dependia.

E vem isto ao caso porque o Presidente da Assembleia República, Dr. Aguiar Branco (que já foi ministro da Defesa Nacional) ter aceitado uma afirmação deselegante, estúpida, descabida e xenófoba de André Ventura, chefe de fila do Chega, sobre os turcos. Ter aceitado depois de chamado à atenção para a alarvidade sociológica, política e cívica do líder da extrema-direita portuguesa.

Dizer que os ingleses são pontuais, os italianos faladores, os portugueses bêbados e os alemães trabalhadores não passa de um estereótipo que, por definição, é uma generalidade incorrecta sem qualquer fundamento científico. Logo, entra no campo das adjectivações desqualificativas, porque se tornam facilmente ofensivas.

 

Quando Aguiar Branco é interrogado pelos deputados e, até, pelos órgãos de comunicação social sobre a liberdade de expressão que permitiu a André Ventura, no parlamento, afirmar que a democracia dá a possibilidade de cada qual expressar o pensamento como entender e que a ele, no cargo que ocupa, não lhe cabe fazer censura, está a incorrer no erro de ignorância por desconhecimento do que é a ordem, o bom-senso e a correcta expressão política dentro da Casa que nos representa.

Assim, prosseguindo Aguiar Branco por este caminho, não lhe reconheço o direito de ser o Presidente da Assembleia da República, porque não me revejo na libertinagem oratória em que ele está a transformar um lugar que deve ser exemplo de civismo e de defesa dos interesses do Povo.

Ao conceder tais liberdades ao mais travesso dos partidos políticos que há quarenta e nove anos passaram pelo parlamento, Aguiar Branco, dando de si próprio uma imagem civicamente ignorante, protege o Chega na sua desbragada forma de estar em sociedade, deixando, por conseguinte de ser o “fiel de uma balança” de dignidade para ser igual ou pior a André Ventura e aos seus deputados arruaceiros. Foi deste modo que os fascistas, em Itália, dominaram o parlamento romano e se assenhorearam do poder, através da imposição do medo na rua e, depois, no parlamento, especialmente, em seguida ao escandaloso assassinato do deputado antifascista Giacomo Matteotti. É para aí que queremos ir?

Hoje, bem cedo, chegou-me ao computador a mensagem resumo do jornal “El País”, da qual transcrevo:

 

«(Javier Milei, Presidente da República Argentina) disse: que se estabeleceu como um defensor global da liberdade, apesar de ter acabado de implementar uma das suas medidas mais controversas: silenciar os meios de comunicação públicos. E atribuiu a crise a uma conspiração de Sánchez com a oposição peronista. Delírio político ou cortina de fumo?

Mar Centenera (uma jornalista espanhola) explica que com este confronto espetacular Milei tenta encobrir as suas muitas frentes internas e as dificuldades em aprovar a lei de desmantelamento do Estado.»

 

O senhor Dr. Aguiar Branco ou anda muito distraído ou está a preparar-nos o “futuro”!

19.05.24

O problema da habitação nas nossas cidades


Luís Alves de Fraga

 

Em 1975, no final de Maio, acabado de regressar da minha última comissão militar em Moçambique, procurei camaradas amigos que estavam envolvidos no Conselho da Revolução para lhes expor uma ideia que, julgo, se fosse acolhida teria resolvido o problema que nos assalta nas grandes cidades: a falta de habitação ou e carestia do aluguer.

Que poção mágica era essa? Simples, muito simples... Municipalizar os solos urbanos!

Mas isso era o equivalente a tirarem o direito de propriedade a todos os donos de edifícios nas urbes! Aqui d’El-Rei que isso é comunismo!

Não, meus caros. Nem é comunismo nem é expropriação de nada, pela simples razão de que NINGUÉM é dono de qualquer terreno em qualquer país do mundo!

O Que é isso? Então pagaram-se balúrdios para comprar aquele terreno onde alguém tem um prédio e agora vem-se dizer que o terreno não é de quem o comprou?

Não. Não, porque o que se paga pelo terreno é o direito de poder usá-lo! Exactamente, é como se fosse feito um aluguer ao Estado para poder USAR o terreno e passar esse direito em herança aos herdeiros. Eu não posso comprar um terreno junto à fronteira com Espanha e, de seguida, vendê-lo ao Estado espanhol, alienando território nacional para a Espanha, exactamente porque a propriedade do território é do Estado.

Ora, se se municipalizarem os solos urbanos tudo isto fica muito mais claro, pois, realmente, o que se teria de pagar às Câmaras era o arrendamento do terreno, sendo que o arrendatário é dono do que “puser” em cima do terreno!

Qual a vantagem de tudo isto? É o que vamos ver de seguida.

 

O preço dos terrenos urbanos deixaria de ser um factor especulativo e os proprietários de prédios passariam a ter de cuidar, com grande atenção, da conservação da sua fonte de rendimento, não deixando degradar os edifícios a contar com a valorização do preço do terreno.

Os preços de alugueres deixariam de ser função da localização dos mesmos, mas função da qualidade da habitação alugada. A actualização da renda far-se-ia em função de dois factores: variação da inflação e aumento dos rendimentos do arrendatário. Se o proprietário quisesse um aumento diferente teria de investir na qualidade do bem arrendado. Isto seria justo, porque as autarquias valorizariam a utilização do terreno não em função da sua localização, mas como resultado da área arrendada.

Reparem que se algum dos meus leitores for proprietário de um estabelecimento comercial, de vão de escada, e o quiser vender (ao estabelecimento, claro) fá-lo-á em função do nível de negócio que consegue e não em função nem da localização nem da dimensão do estabelecimento. O que interessa é o valor de rendimento e nada mais. Um pequeno espaço no Chiado, em Lisboa, pode valer muito menos do que o mesmo espaço localizado em frente de uma escola populosa, que vende rebuçados, cadernos e pastilhas elásticas, por exemplo.

 

A malandragem de senhorios que deixam degradar prédios, não lhes fazendo obras de conservação, resulta do facto de saberem que se perdem dinheiro nas rendas, por serem antigas, ganham muitíssimo mais com a valorização do terreno. Mas não estão sós nesta falcatrua; acompanham-nos os próprios municípios, já que, detentores de terrenos camarários, na especulação dos terrenos urbanos também a autarquia ganha, pois os seus terrenos, quando forem vendidos, sê-lo-ão segundo o preço do mercado.

A TUDO isto chamo a MÁFIA DA HABITAÇÃO, que parte de um pressuposto completamente falso: NINGUÉM, A NÃO SER O ESTADO, É PROPRIETÉRIO DE TERRENOS NACIONAIS.

Temos de ser capazes de fazer a verdadeira revolução habitacional, não permitindo lucros em dois “carrinhos”: ou se ganha com as rendas dos alugueres das casa de boa qualidade e bem equipadas (e só isso valoriza a renda) ou se ganha com a venda dos terrenos onde estão erigidas as mesmas.

15.05.24

Uma outra História


Luís Alves de Fraga

 

Mas, afinal, quem foi Jesus? Ele existiu, ao menos?

Não me diga o leitor que nunca foi assaltado por estas e outras perguntas do mesmo cariz. Pode não ter sido, por duas razões que me ocorrem no momento: ou é um ser com uma fé em Cristo, daquelas que move montanhas, ou é uma pessoa que jamais perdeu tempo com questões religiosas. Se calhar há ainda outras hipóteses: ser hinduísta, ser judeu, ser maometano, ser panteísta ou, pura e simplesmente, não gostar de pensar em coisas que não lhe rendam dinheiro. É que o dinheiro é ou pode ser, também, um deus para muita gente… Conheço alguns assim, cheios de sorrisos e salamaleques, mas que através de nós só vêem cifrões.

 

Vamos, então, pegar no tema que, linhas acima, deixei em aberto.

Há 2024 anos estava a Judeia ocupada pelos Romanos e não há, segundo me parece, escritor, cronista ou historiador algum, desse tempo, que tenha feito referência à vida de um homem que houvesse posto em causa as autoridades judaicas quanto mais as romanas ou que se tenha intitulado rei dos judeus ou que tenha alterado a ordem local. Nada. Absolutamente nada. Todavia, sessenta e quatro anos depois, no reinado de Nero, já se houve falar dos cristãos, aquando do incêndio de Roma, pois, segundo vários historiadores, teria sido para os matar que o imperador mandara pegar fogo a dois terços da cidade.

Atentemos neste pormenor super curioso: sessenta e quatro (64) anos depois do nascimento de Jesus, na cidade de Belém, havia cristãos a serem queimados vivos em Roma e sessenta e quatro anos antes ninguém reportou o nascimento de Jesus e, menos ainda, trinta e três anos antes referiu a sua morte. Estranho, não é? Isto para um historiador dá matéria para pensar, pois, atendendo à distância geográfica entre Roma e Jerusalém (cidade onde se diz que Jesus foi crucificado, aos trinta e três anos de idade) e ao tempo que passou sobre estes acontecimentos (não seriam de estranhar nos dias que correm graças às tecnologias de comunicação) podemos considerá-los como um movimento de massas. E foi-o, sem dúvida.

 

Que terá feito de Jesus uma figura tão ímpar e, acima de tudo, tão capaz de dar origem ao cristianismo (convém saber que Cristo não é o apelido de Jesus, mas que quer dizer Messias, aquele que há-de vir para anunciar a boa nova)?

Pois bem, do que sabemos através do Novo Testamento (em oposição ao Velho, que não está longe da Torá judaica), Jesus teve uma finalidade na vida: acabar com o pecado original, que é exaltado no livro Génesis do Velho Testamento e da Torá, o qual mais não é do que a vingativa expulsão de Adão e de Eva do Paraíso por terem desobedecido às ordens de Deus. É, historicamente, um disruptor do sistema hebraico de olhar e viver a vida. É, por conseguinte, um judeu que tem como finalidade reformular a interpretação teológica da vida do Homem e do pecado, dando de Deus uma imagem de bondade, arrasando a de um Deus vingativo, cruel e castigador.

Mas, até aqui, estou a tentar fazer uma explicação de matriz histórica do acto fundamental de Jesus, contudo, para se perceber a figura do autor deste corte tão profundo no judaísmo, tenho de abandonar a posição de historiador e tentar fazer a análise num plano teológico, embora careça de conhecimentos suficientemente seguros para levar a cabo tal transição.

 

Os Evangelhos reconhecidos pela Igreja Católica dão-nos conta do nascimento de Jesus por obra e graça do Espírito Santo, partindo da gravidez de Maria, uma virgem casada com um carpinteiro de nome José e que, parece, seria bastante mais velho do que ela. Desta gravidez tomou Maria conhecimento, através do Anjo Gabriel, da vontade de Deus fazer reproduzir Jesus no seu ventre, que era, por conseguinte, filho do Criador único.

Maria teve o Filho em Belém, todavia, terá crescido até à idade de trinta anos em Nazaré.

Quando iniciou a sua vida pública, Jesus terá assumido a sua paternidade divina, e criando uma dualidade ou duplicidade entre Ele próprio o seu Pai, que era Deus, vindo, depois, o Espírito Santo como a trindade: Deus Pai, Deus Filho e o Espírito Santo. Mas o sentido da sua vida pública é rigorosamente a do corte com a velha tradição teológica judaica, porque Jesus tem consciência da afronta que está a fazer ao judaísmo e sabe que acabará morto para cumprir a vontade do Pai: remir o pecado original ou seja dar de Deus uma outra versão, a de um Deus de perdão e todos os Evangelhos referem que, porque se arrependeu na hora da morte, um dos ladrões que com Ele foi crucificado ouviu dos lábios de Jesus a certeza de que nesse mesmo dia estaria com Ele junto do Deus Pai.

 

Esta nova forma de viver a religião judaica tinha de ser condenada pelos próprios judeus, mas foi a ideia de um Deus de compaixão, perdão, de amor e não de revolta e castigador (veja a parábola do filho pródigo ou o episódio do centurião que se manifesta indigno de Jesus entrar em sua casa) que o Deus Filho quis que fosse divulgada pela Terra.

E foi, pois de Corínto a Efeso, do Norte de África à península itálica rapidamente o cristianismo, como doutrina e religião de Jesus, espalhou-se como fogo em palha seca. Teologicamente, não foi por acaso… Foi porque os apóstolos (os primeiros seguidores de Jesus) difundiram uma Trindade Divina que perdoava e, deste modo, a patrística (as primeira interpretações filosóficas e teológicas da nova Igreja) soube interpretar a vida de Jesus tal como, depois de uma Igreja de Roma, na Idade Média, ter recriado um Deus castigador e capaz de separar as almas em boas, más e assim-assim, chegamos a um tempo em que um Papa, depois de outros lhe terem aberto várias “portas” e “janelas” desde o pontificado de João XXIII, clama, tal como Jesus clamou, que o amor do Pai a todos aceita no Seu Reino desde que sejam capazes de se arrepender e afirmar que não são dignos que Jesus entre na sua morada, porque Ele entra e perdoa.

Claro que a aceitação teológica da vinda de Jesus à Terra só a está em condições de a compreender quem for capaz de não pretender explicar a Santíssima Trindade ou o milagre milenarmente repetido de um pedaço de pão e um pouco de vinho se transformar em corpo e sangue de Jesus, porque Ele pediu que repetisse a consagração que Ele mesmo ensinou na última ceia: fazei-o em nome de mim.

A parte teológica assenta em quem tem fé e não naqueles que querem racionalizar aquilo que entra no domínio do incompreensível.

13.05.24

A loucura persecutória


Luís Alves de Fraga

 

Há coisa de uma semana ou pouco mais ou menos ficou a saber-se que o Estado de São Tomé e Príncipe tinha estabelecido um acordo de apoio militar com a Rússia e, por cá, gerou-se a mais inusitada campanha de informação sobre o assunto: a CPLP estava em perigo, Portugal devia ter-se manifestado, e mais isto, mais aquilo e aqueloutro. Uma loucura!

 

Primeiro que tudo, a República de São Tomé (falemos assim para simplificar) é um Estado soberano, embora, talvez o ou um dos mais pequenos de todos os Estados africanos. Portugal não tem qualquer tipo de tutela sobre aquela democracia e, mais ainda, é tão pobre que pouco auxílio pode dar à sua ex-colónia. Deste modo, é natural que o governo são-tomense procure os apoios que mais lhe convêm e que vão mais ao encontro dos seus objectivos de desenvolvimento.

Claro que pode ser preocupante, aquando da análise da geopolítica mundial, São Tomé fazer acordos com a Rússia e pôr de lado os EUA, mas isso é um “mercado” que está em aberto para todos aqueles que souberem fazer a melhor oferta.

O que é que a Rússia pode ganhar com um acordo militar com São Tomé? Muito, direi eu. E vamos ver qual a razão.

 

São Tomé vai ter participação na exploração do petróleo no Golfo da Guiné; logo, situa-se numa zona de potenciais conflitos e tem de estar sob a asa protectora de alguma grande potência. Assim, Moscovo não só pode oferecer protecção militar como, estrategicamente, tem uma ponta-de-lança enfiada no meio de um forte grupo de interesses petrolíferos, afastando os EUA da hegemonia dessa fonte de energia fóssil.

Acresce que São Tomé está na rota marítima da América do Sul onde se delineiam posições não alinhadas com Washington e, provavelmente, mais simpatizantes com a Federação Russa. Ora, o que falta a Moscovo é liberdade marítima e este arquipélago “está mesmo à mão de semear” na aproximação ao Brasil.

É evidente que nenhuma das duas principais ilhas deste arquipélago pode servir de base naval ou mesmo aérea para a Rússia, mas serve de ponto de apoio para abastecimento da imensa frota submarina da Federação Russa, pois trata-se de um país onde não haverá o perigo de grandes alterações sociais e políticas que não se “resolvam” em questão de horas. É um Estado tranquilo e muito distante das problemáticas de lutas raciais. Interessante, não é?

 

E o que terá Portugal de fazer para continuar com boas relações diplomáticas com São Tomé? Tudo aquilo que esteja ao alcance das nossas exíguas possibilidades: criar uma linha de bolsas de estudo para alunos santomenses virem frequentar universidades de primeira categoria entre as muitas que temos, disponibilizar manuais escolares feitos segundo os ditames de São Tomé, enviar professores do ensino básico, secundário e superior para participarem no desenvolvimento da aprendizagem local, estabelecer laços de investigação científica em todos os domínios do saber, mas com maior intensidade nas áreas da saúde, na da informática e na da construção civil.

É pouco? É muito? É o que nos garante manter os laços de entendimento com São Tomé e o seu povo, porque, acima de tudo, falamos a mesma língua, levando, assim, vantagem sobre qualquer país que não seja da CPLP. Depois, e mais do que tudo, Portugal deve saber estar junto dos governantes de São Tomé para os ajudar ‒ se precisarem ‒ na tomada de decisões estratégicas, já que nós, portugueses, não temos nada a perder nem a ganhar neste “negócio”.

02.05.24

A insanidade do senhor alferes


Luís Alves de Fraga

 

Foi há dias que o dr. Nuno Melo, natural de Famalicão, licenciado em Direito pela Universidade Portucalense (não sei exactamente com que idade) lançou para o ar uma singular ideia sobre como se devia engrossar o recrutamento de “voluntários” nas nossas Forças Armadas. Tal ideia, quando o ouvi expô-la no ecrã da minha televisão, fez-me dar um pulo no cadeirão onde, normalmente, me sento para sofrer a minha dose diária de estupidificação informativa. E saltei por uma só razão: Luís Montenegro havia escolhido para ministro da Defesa Nacional um tipo que ronda a proximidade da “loucura mansa” (tal como diz um outro “perigoso pensador”, que sempre foi reaccionário, a quem agora se dá palco e visão, que assim classifica certas atitudes próximas do ensandecimento)! É que o senhor ministro, vindo do CDS, recuou aos tempos dos Descobrimentos, quando, faltando voluntários para embarcar como marinheiros nos atrevidos navios que partiam para o desconhecido, as tropas da Ordem Militar de Cristo, faziam batidas nas tabernas e nos esconderijos campestres da região destinada a providenciar a guarnição de tais embarcações. Não havendo bêbados (julgo eu!) por aí em cada esquina, o senhor ministro optou por colocar como “hipótese académica” a possibilidade de se obrigar os jovens autores de “pequenos delitos” a ingressar nas fileiras onde aprenderiam a “andar na linha”.

 

Por acaso, eu que andei na Academia Militar para conseguir seguir a carreira castrense ‒ bem sei que foi há muitos anos, no tempo em que não havia “rapazes maus” ‒, não tenho lembrança de me ter sido ministrada qualquer unidade curricular (vulgo cadeira ou disciplina) onde aprendesse a “domesticar” jovens autores de pequenos delitos. Não sei se, como oficial miliciano, o licenciado Nuno Melo andou perto de qualquer presídio militar ou se o pelotão que comandou era constituído por mafarricos de mau porte capazes de justificar a sua “académica” proposta ou sugestão!

 

Por amor de Deus, por sina ou vocação, quase todos ou mesmo todos os ministros da Defesa têm sido de uma incompetência assustadora, venham eles da direita ou da esquerda política, mas, agora, que as nossas Forças Armadas chegaram ao limite extremo das carências totais e que nuvens carregadas de belicismo cobrem a Europa, é tempo de olhar com atenção para o nosso parco aparelho de dissuasão militar e dar-lhe mais do que “especialistas” em pequenos delitos.

Senhor ministro, treine em casa, a posição de sentido, quando se coloca em frente de uma força armada e oiça quem o sabe e pode aconselhar em matéria tão melindrosa como a da nossa defesa enquanto Estado e enquanto país membro de colectivos onde podemos vir a ser chamados para colaborar muito activamente. Não brinque com a tropa como se estivesse a comandar um exército de soldadinhos de chumbo.