Três pinceladas ao acaso
O Senhor Presidente
O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, tal como eu disse e escrevi há mais de cinco anos, devia ter feito um só mandato. Teria saído em ombros como o único Supremo Magistrado da Nação que, em democracia, havia conseguido articular um Governo feito com o apoio de bocados parlamentares e levado a bom termo uma administração sob os efeitos de uma pandemia. E teria a vantagem de ter sido ”o Presidente dos Afetos”. Mas optou por recandidatar-se e ganhou. Ganhou, mas não ganhou tento nos comentários e nas atitudes. Tê-lo-á incomodado a maioria absoluta do PS? À oposição incomodou e toca de fazer tudo e mais alguma coisa para descobrir casos e casinhos que desgastassem o Governo ao ponto de Marcelo falar em “instabilidade das instituições democráticas”.
Ora, os jornalistas tanta “rede mandam ao mar” que alguns peixes hão de apanhar e nem sempre da “qualidade” que desejam. Um dia houve que lhes caiu no prato um “peixão”: o caso das gémeas! Caso que, esse sim, punha em causa as instituições democráticas.
Marcelo não teve culpa! Aqui d´El-Rei, pois limitou-se a fazer o que o Presidente faz sempre: despacha o requerimento, a queixa ou o email para os serviços de apoio da sua Casa para estes encaminharem para os ministérios ou entidades convenientes! Claro, desta feita, a sua rapidez e distracção foram tais que nem reparou que o email com o pedido era assinado pelo seu filho Nuno!
Dois ou três dias após, situação estranha e quase nunca vista, sai de uma gaveta do Ministério Público mais um caso ‒ e grave, muito grave ‒ que leva o primeiro-ministro à apresentação do pedido de demissão, que é aceite após um Conselho de Estado onde as opiniões se dividiam exactamente ao meio. Estranho, não é?
E abriu-se a crise que iria durar tempo suficiente para esquecer as gémeas, o email, o Brasil e mais o Dr. Nuno. Quando a poeira assentasse depois de meses de lutas partidárias, já pouco haveria a dizer da instabilidade da instituição Presidência da República e, se houvesse, Marcelo encarregava-se de gerar novas confusões. Aí estão elas: as recompensas aos países colonizados, o primeiro-ministro “rural” e o outro lento, lentinho, “oriental” e, coitado, cortou relações com o filho Nuno (dizem as más línguas que não gosta da nova nora).
Mas o que é que Marcelo não faz para gerar a confusão à sua volta?
Olhem, o que já fez, foi perder o epíteto de “Presidente dos Afetos”. Esse já foi para o galheiro!
Senhor Presidente aprenda a pôr um adesivo nos lábios para não entrar mosca ou sair aquilo que não deve!
O ministro da Defesa Nacional
Ora viva, temos um ministro da Defesa que foi miliar… Segundo parece, chegou a alferes e comandou um pelotão. Dizem que foi Polícia Militar ou seja, pertenceu ao regimento de Lanceiros. E toda a gente fica contente com esta novidade de ter na cadeira de ministro um antigo alferes! Até os militares de carreira ficam contentes! Que parvoíce. Um alferes tem uma visão da tropa a partir do primeiro degrau da escada de um prédio com vinte ou mais andares. Por muito que tenha lido nunca chegará a ter a visão de um general.
Diz-nos Nuno Melo que Portugal não tem condições para voltar ao serviço militar obrigatório (SMO). Claro que não. Portugal não precisa de umas grandes Forças Armadas… isso já foi tempo, mas um almirante, Melo também, por acaso Chefe do Estado-Maior da Armada (ramo que foi o primeiro a ter praças profissionais) lançou a ideia para o ar, afirmando ser necessário o SMO. Quer-me parecer que este almirante, pelo hábito de andar submerso, desceu a tal escada até ao patamar do rés-do-chão e por lá ficou qual guarda-marinha inexperiente.
Claro que se tem de ter um efectivo muito maior nas Forças Armadas, porque, estando-se nos mínimos, só se pode operar o mínimo de material, ou seja, aquele que, de momento, temos.
Mas o principal nem é o que acabo de referir, pois, fundamental (que ninguém refere) é poder contar com reservistas até sete classes de incorporação para repor baixas em caso de conflito, caso contrário acontece como na 1.ª Guerra Mundial e o Corpo Expedicionário Português (CEP) que foi definhando sem receber reforços e por lá ficou a arrastar-se como um fantasma (dos mais de 55 mil homens que foram para França, no final, em Novembro de 1918, nem 20 mil restavam para fazer uma divisão de infantaria). Temos de ter reservistas familiarizados com o armamento em uso; é isso que fazem os pequenos países cujas Forças Amadas são formadas por voluntários.
Aprendam, senhores ministro e senhor almirante.
Quando a ignorância é atrevida
Creio que foi no serão de 25 de Abril passado que alguém, numa das estações de televisão, disse uma bacorada histórica que me deixou horrorizado, exactamente, porque, quando estudou, lhe ensinaram uma História de Portugal heróica. Lá vai:
Afirmava o basbaque que havia três datas importantíssimas, no nosso passado colectivo, que jamais poderiam ser esquecidas: 1 de Dezembro de 1640, 5 de Outubro de 1910 e 25 de Abril de 1974 (cito de memória e espero que não estar a falhar). E acrescentava todo ufano: «mas a maior de todas é, sem dúvida nenhuma, o 1.º de Dezembro, porque reconquistámos a independência».
Saltei no cadeirão onde me sento.
‒ O homem é doido varrido! É um ignorantão!
Portugal só uma vez teve de lutar pela sua independência, por não a possuir: no começo do reinado de D. Afonso Henriques! Em 1580 Portugal não perdeu a independência; deixou que a coroa do rei fosse colocada na cabeça do rei de Espanha que agregava a si o reino de Portugal em paridade do de Espanha, daí falar-se em Monarquia Dual. Quem visitar os túmulos de Isabel e Fernando, os chamados “Reis Católicos”, em Granada, verá que sobreposto ao brasão de armas de Espanha, mas separado dele, está o pequeno brasão de Portugal. Assim, em Dezembro de 1640, o que se restaurou foi a Monarquia portuguesa no reino de Portugal e nem sabe a maior parte das pessoas a trabalheira diplomática que foi convencer os reis europeus e o Papa de que, passados sessenta anos de pacífica aceitação de um estatuto, havia surgido agora o rei legítimo de Portugal em vez do Filipe IV de Espanha.
Concluindo, a ignorância e o cultivo da mesma são muito atrevidos.