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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.02.24

No Outono cai a folha ‒ 04

Os velhotes


Luís Alves de Fraga

 

Quando eu nasci a minha irmã já tinha sete anitos, uma menina muito mimada e habituada a ser a filha única, deixando que caíssem sobre ela todas as atenções dos pais e dos familiares próximos já que era uma jovem muito bem-comportada e cheia daquilo que, então, se chamava siso.

Nunca tive curiosidade de saber quando é que ela começou a sentir ternura e amor por este intruso na família, contudo, julgo, com a evolução do bebé e o ganhar “forma de gente” a minha irmã começou a gostar do mano, que, segundo dizem, depois dos três ou quatro primeiros meses de vida se fez um ser engraçado. Com três anos, cabelos castanhos muito claros, compridos como era moda na altura, eu tenho vagas recordações de ser um “diabrete” imparável e já com certa facilidade de expressão oral que, no ano seguinte, evoluiu significativamente, tornando-me um puto giro que fazia os encantos da minha irmã e das suas amigas já espigadotas, junto das quais ‒ as mais bonitas ‒, procurava insinuar-me para dar e receber beijinhos. Verdade seja que um ano depois, as mais astutas das amigas da minha irmã convenceram-na de que eu era, talvez, para a idade, um menino atrevidote. Lá se me foram os beijinhos!

 

Crescemos e lembro-me da minha santa mãe referir ao meu querido pai o facto de eu ser um menino muito bem-comportado na ausência da minha irmã. Tanto quanto ainda me lembro, a situação começou a mudar por volta dos meus dez anos. Passados mais três Verões ela casou-se, formou a sua casa e um ano depois, nas minhas catorze primaveras, tornei-me tio de uma linda menina.

Como fui, na qualidade de aluno interno, para o Instituto dos Pupilos do Exército no ano em que a minha irmã casou, os nossos contactos na sua casa passaram a ser mais escassos e só possíveis nos diferentes períodos de férias das aulas. Muitas vezes, na minha adolescência, ela me deu conselhos úteis; escutava-os com atenção e seguia-os à risca, por me terem sempre parecido ponderados e sensatos.

Dez anos depois de ter sido tio foi a vez de eu casar, seguir para Moçambique e começar a minha vida adulta e profissional.

Somos ‒ eu e ela ‒ pessoas muito distintas em termos de feitio, mas muito compatíveis como consequência do amor que nos une.

 

Por mero acaso ou feliz coincidência moramos na margem sul do Tejo a relativamente pouca distância um do outro e falamo-nos muitas vezes através do telefone. Ela está com noventa anos muito lúcidos e eu um velhote com vários achaques que se agravaram depois do isolamento pandémico. Pequenina como sempre foi, mas muito bonita, quando sente necessidade de ouvir algum conselho respeitante à sua saúde eis que, invertendo os papéis da nossa juventude, me telefona, expondo as suas dúvidas e eu, que de medicina só percebo pela prática das minhas maleitas, lá lhe sugiro, às vezes receoso de errar, possíveis soluções que ela ouve com atenção para, depois, decidir.

 

É-me muito aflitivo imaginar-me sem a minha irmã, pois, como acabei de contar em traços muito largos, ela é já só a única pessoa que me viu de cabelos compridos e com caracóis. É uma referência e um farol. São assim estes irmãos já velhotes.

26.02.24

Voltar à Ucrânia


Luís Alves de Fraga

 

Durante a Feira do Livro do ano passado (Setembro de 2023), em Lisboa, foi visto, pela primeira vez, o meu livro “Ucrânia: Uma guerra de embustes”, no qual, em crónicas quase diárias, entre Fevereiro e Setembro de 2022, fui expondo as razões estratégicas que levaram ao conflito, procurando explicar que muita da informação passada pelos órgãos de comunicação social, quer portuguesa quer ocidental, estava somente a alienar-nos quanto às causas da guerra e aos possíveis resultados da mesma, comparanda-o com o início do ataque nazi, em 1939.

Previ que o embate militar fosse temporalmente mais curto, mas equivoquei-me face à ampla ajuda dos EUA e da UE, pois dei-lhe a duração de doze meses, no máximo, mas, faz agora dois anos e ainda continuam os combates e a mortandade (muito recentemente o ministro da Defesa britânico, James Heappey, considerou numa resposta parlamentar, que as perdas russas, em Janeiro, se elevavam a 350.000 mortos e feridos ‒ informação colhida no diário espanhol “El País” de 24 do corrente mês).

 

Os EUA parecem estar a mudar de estratégia e a deixar para trás a Ucrânia. Eu compreendo a razão se olharmos para o panorama conflitual que existe no Médio Oriente, pois, não se podem usar, em simultâneo, dois pesos e duas medidas, apoiando Israel na prática de um genocídio e condenando a Rússia pela prática de outro, segundo o ponto de vista de Washington. A Ucrânia está a passar a ser (na minha opinião, estupidamente) um “problema europeu”, prevendo a necessidade de Bruxelas fazer aumentar as despesas de todos os Estados da UE com fabrico ou compra de armamento para suportar um “ataque russo”. Isto corresponde a mudar de posição o principal pilar da OTAN dos EUA para a Europa, embora sempre sob o domínio da vontade do Pentágono. Se a Europa deve cuidar da sua segurança externa, que o faça autónoma da vontade de Washington. Nesse caso convirá perguntar ‒ Interessa à Europa a inclusão da Ucrânia na OTAN e na União Europeia? ‒ e, parece-me, nem numa nem noutra organização a Ucrânia faz falta para o bem-estar e segurança da UE. A Ucrânia passou a ser um problema russo quando Kiev, cedendo aos desejos de Washington, pretendeu integrar a OTAN. A exigência de Moscovo é bem clara nesse aspecto: desmilitarização da Ucrânia, não para a atacar e assimilar, mas para que, partindo do território ucraniano, não se ataque a Rússia.

 

Será uma invenção europeia o perigo russo ou será uma ingenuidade minha e de mais estrategistas ver na OTAN uma ameaça e não a ver na Rússia de Putin?

Não se trata de uma espécie de “fezada” a minha e a de muitos outros que se debruçam sobre este assunto. Não, porque fazemos retro análises de longa duração.

A Rússia durante séculos viveu fechada sobre si mesma, expandindo-se para oriente. Quando “descobriu” a Europa fê-lo através do poder imperial, para se modernizar, impulsionando uma elite restrita a procurar “copiar” a cultura europeia. Deste movimento nasceu a prática do comércio com o ocidente através de uma burguesia mercantil.

Sendo grande em extensão territorial, a Rússia não possuía um dos mais importantes elementos para o exercício do comércio internacional a grande distância: portos marítimos de fácil acesso durante todo o ano e com proximidade à Europa, nomeadamente à França e ao Reino Unido. Foi neste momento (final do século XIX) que Moscovo se deu conta dessa fragilidade estratégica num mundo que vivia em pleno a Revolução Industrial. A expressão dessa fragilidade ficou bem patente no confronto naval com o Japão, no início do século XX, quando a armada russa do Báltico teve de fazer o périplo da África, navegando até ao estreito de Tsushima onde o combate com os navios nipónicos a levou à derrota e ao tratado de paz.

Para Moscovo ficou provado que uma grande potência terrestre, tal como era o império russo, ou tinha condições de acesso ao mar ou devia procurar evitar que as potências navais, tal como havia já acontecido com Napoleão, pudessem penetrar no seu território para o reduzir por conquista. A consequência lógica, com a evolução dos armamentos, foi a de fazer-se cercar por Estados que funcionassem como tampões de modo a colocar o perigo sempre distante das suas fronteiras. A prova evidente e mais recente desta estratégia defensiva foi-nos dada na conferência de Yalta pouco antes do final da 2.ª Guerra Mundial, quando os tês principais aliados (Churchill, Roosevelt e Estaline) concordaram em estabelecer uma esfera de influência satélite da URSS.

Assim está explicada a razão do ataque russo sobre a Ucrânia, valendo-se da existência de uma maioria étnica russa na região Leste daquele país: continuar a ter acesso ao Mar Negro e garantir a desmilitarização do que restar da Ucrânia.

 

Fechei a explicação estratégica, isenta e tanto quanto possível inócua. Não obrigo ninguém a acreditar em mim, mas espero que deste modo, lastimando o sacrifício dos ucranianos, se percebam as razões que estão para além do que se diz como propaganda.

21.02.24

A importância das coisas


Luís Alves de Fraga

 

É sabido que sou coronel de Administração Aeronáutica e que a segunda metade da minha vida de oficial a fiz somente como professor entre o Instituto de Altos Estudos da Força Aérea e a Academia da Força Aérea. Assim, no tempo inicial, fui administrador financeiro ou em unidades operacionais ou na Direcção de Finanças.

Ora, regressado eu de uma colocação como administrador de uma base aérea, sem grande experiência na Repartição de Orçamento do ramo, eis que ali sou colocado, capitão ainda, com todo o meu “saber” governar o pequeno orçamento de uma unidade e sem a mínima noção dos números com que se lidava na nova situação.

Um ou dois dias após ter tomado conta da minha secretária sou confrontado com um pedido escrito, de um conselho administrativo de uma base aérea, solicitando um reforço extraordinário de uma rubrica, o qual justificava com base em médias dos gastos dos meses já vencidos. Por já não me recordar dos números da altura exemplifico com actuais. Suponhamos que o reforço pedido era de sete mil euros, estando nós em Outubro e que a média de gasto mensal era de três mil euros. Ora, deste modo estavam a ser solicitados mil euros a mais. Claro, na minha resposta ao tal conselho administrativo, concedi somente novecentos euros! O ofício foi para o chefe da Repartição e ele, lendo todo o processo, chamou-me e inquiriu-me sobre a razão da minha decisão. Expliquei-a com a lógica ditada pelas contas simples que fizera. A resposta foi esta, que nunca mais esqueci:

‒ Oh Fraga, nós aqui lidamos com milhares e milhões, quando estávamos nos conselhos administrativos é que nos cingíamos às dezenas e centenas. Mande emendar o ofício e dê lá os sete mil que foram pedidos!

Moral da história: para cada ser humano a dimensão do muito ou do pouco dinheiro resulta do quanto está habituado a gerir. Guardei este princípio para toda a vida.

 

O meu objectivo para contar a história anterior é poder dizer que Pedro Nuno Santos tem muita razão quando apontou repetidas vezes a Luís Montenegro a sua inexperiência governativa e tem recordado a todos nós que Portugal está em obras de norte a sul; é que uma casa não fica construída ou reconstruída com o gesto mágico de uma varinha de condão, leva meses e, às vezes, anos. O ponto de vista de quem anda pelas cadeiras mais altas do poder de decisão não é ‒ nem pode ser ‒ igual ao do vulgar homem da rua nem ao de quem nunca passou pelas experiências de estar em baixo e em cima.

Há dias, li algures uma crítica a Pedro Nuno Santos sobre a criação de uma comissão ou entidade colectiva cuja finalidade era projectar e pôr em execução as obras de casas e, dizia o autor em tom muito crítico: «Gastaram-se oito milhões de euros em ordenados de funcionários e os dois ou três concursos públicos ficaram desertos». Parei a leitura e quedei-me a sorrir. Sorrir por dois motivos: primeiro, por causa da importância dada aos oito milhões gastos em salários ‒ oito milhões é o custo de todos os apartamentos de dois ou três prédios com sessenta anos de construção na zona de Benfica! Isto é alguma coisa comparada com os milhares de milhões que representam as obras que foram postas a concurso? Depois sorri porque o ficar deserto um concurso público resulta de uma de duas hipóteses: ou as margens de lucro para os empreiteiros são muito pequenas ou as exigências dos cadernos de encargos são muito grandes, não dando oportunidade ao uso de materiais baratos que permitam um lucro chorudo!

 

Informar não é despejar o que nos impressiona para um órgão de comunicação social; é saber do assunto e ter experiência para dele falar com argumentação válida e, mais do que tudo, usar de bom senso.

20.02.24

O debate


Luís Alves de Fraga

 

Tenho visto quase todos os debates televisivos entre os diferentes líderes dos partidos que concorrem às eleições no dia 10 de Março. Também vi, mas só hoje, o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Não me agradam as interpretações que os chamados comentadores fazem após os frente-a-frente, em especial porque quase nunca fazem análises isentas, imparciais. E não as fazem nem por culpa deles nem por culpa das televisões; não as fazem porque, hoje em dia, torna-se impossível, entre nós e com a conjuntura política existente, ser isento: a sociedade portuguesa está bipolarizada, como, aliás, já deixei dito.

 

O governo de António Costa pode não ter feito muita coisa, mas lançou, sem dúvida nenhuma, duas novidades: a clara abertura para a construção de um Estado social ou social-democrata e a prática de uma política parlamentar baseada na associação com outros partidos até ideologicamente mais exigentes do que o PS. Hoje temos um país com pilares sociais-democratas preparado para poder crescer de maneira segura nessa via.

O debate de ontem entre os líderes da AD e do PS deveria ser conduzido nesse caminho, isto é, no daquilo que separa uma social-democracia de um capitalismo determinado pelos movimentos do mercado. Não foi porque interessa muito mais a um povo indevidamente politizado que prevaleceu a discussão dos imediatismos em vez das diferenças ideológicas. Não, foi porque essa clareza ia abrir brechas terríveis entre um povo que não sabe conviver democraticamente. Contudo, no meio de uma confusão de “picadas” entre Pedro Nuno Santos e Montenegro, o primeiro foi mais capaz de expor métodos e caminhos para continuar uma obra de construção de uma sociedade financeiramente mais justa do que o segundo que, ao cabo e ao resto, atirou sempre para as alavancas da lei da oferta e da procura, ou seja, do mercado, a solução do futuro dos portugueses, empurrando o papel económico do Estado para o de simples espectador das evoluções de todas as volubilidades de quem vende ao preço que mais lhe agrada e nós sabemos o que isso pode representar: pobreza, desemprego, descredibilização internacional, carências de toda a natureza e mais um inferno de desesperos.

 

Em conclusão, quase todos os comentadores, antes e depois, do debate não foram capazes de desvelar o que havia ou poderia vir a haver por trás das palavras dos dois oponentes e candidatos a primeiro-ministro de Portugal.