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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

24.01.24

No Outono cai a folha ‒ 03

Os bailes de finalistas


Luís Alves de Fraga

 

Quando as minhas filhas mais novas frequentavam o ensino básico e secundário, há coisa de trinta anos, no final do nono ano, a Inês, apareceu-me em casa com um prospecto anunciando a “viagem de finalistas” que duraria três ou quatro dias numa quinta algures em Portugal.

Segundo a minha educação, a minha formação, o meu sentido da vida, quando aluno, é-se finalista no momento em que se chega ao fim de um curso e jamais quando se termina uma etapa de um percurso. Não faz sentido que seja de outra maneira ou, para justificar uma deslocação para fora da escola e do lar paterno por poucos dias, chamem-lhe, ao menos, “visita de estudo” com um programa cultural e de lazer em que os discentes obtenham mais-valias apropriadas à idades respectivas.

Claro que a Inês, entre choros e rangeres de dentes não foi a viagem de finalistas nenhuma no nono ano… Foi no final do décimo segundo: justificava-se.

 

Nos Pupilos do Exército havia uma viagem de finalistas, naturalmente para todos os que acabavam os seus cursos, e, também, um baile ou uma récita, abertos aos restantes alunos e familiares que quisessem e pudessem estar presentes. Nunca fui às récitas, mas fui aos dois últimos bailes que se realizaram antes de eu concorrer à Academia Militar. Foram verdadeiros sucessos, com conjuntos musicais que, na época, estavam em grande moda.

O baile decorria no ginásio da 1.ª Secção (aquela que se vê do comboio de Sintra) com pequenas mesas e cadeiras postas nas pareces laterais onde se sentavam as mamãs das meninas que vinham dançar connosco. Como tinha, por esse tempo, namorada, lá ficaram instaladas nas mesinhas e cadeiras onde eu, pressurosamente, estava atento a qualquer pedido de ambas, ao mesmo tempo que “guardava” o par dançante só para mim, porque, nestas instituições, tinha de se ter a rapidez do tigre e os olhos do lince. Eu bem via que, até, alguns oficiais mais jovens “galavam” com o olhar a minha namorada! Era gira, mas era minha…

Lá para as tantas, talvez pela meia-noite, era servida uma ligeira ceia no refeitório dos alunos e, depois, o bailarico continuava até às duas ou três da manhã, porque nesses tempos as mãezinhas das meninas começavam, disfarçadamente, a abrir a boca de modo a chamá-las ao “redil”. Outras épocas que nós aceitávamos com pequenos gestos de revolta, mas acatávamos.

 

Muitos anos depois, na década de 1990, voltei a ir a bailes de finalistas, quando, sendo professor na Academia da Força Aérea e na Universidade Autónoma de Lisboa, era convidado para o efeito. Depois de passado à reserva da Força Aérea deixei de ir ao baile da Academia, mas tornei-me assíduo nos da universidade.

Nunca fui grande dançarino, contudo, safava-me o suficiente para não fazer má figura e as minhas antigas alunas gostarem de “dar um pé de dança” com o professor que se não negava à folia.

Na viragem do século, não sei exactamente a razão, mas, na universidade, acabaram os bailes e começaram os jantares de fim de ano lectivo. Fui a alguns, contudo, não tinham a piada das noites dançantes; limitávamos a falar com os vizinhos do lado ou com os da frente quando a algazarra não era grande. Lá pelo quinto ou sexto ano deste milénio deixei de ir a esses jantares. E, para mim, acabaram-se, de todo, as “finalices”. Resta lembrar-me de alguns bons momentos de há muitos anos.

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Baile de Finalistas dos Pupilos - 1960 - Cópia (2

22.01.24

No Outono cai a folha – 02

O meu carro


Luís Alves de Fraga

 

Não, meus Amigos, não vos vou incomodar com histórias do meu automóvel… Às vezes dá-me dores de cabeça, mas isso são contas de um outro rosário.

Já lá vão uns quantos meses que, antes de adormecer, à noite, na cama (depois de ter feito tudo o que se deve fazer fora e dentro do leito conjugal), me mantenho quedo a pensar no tema do texto que hei de começar a escrever na manhã seguinte. É o momento de uma de duas coisas: ou ganho uma insónia, tal é o turbilhão de ideias que me assalta ao bestunto ou, então, sai à primeira qualquer coisa a que poderei dar forma sem mais cuidado, no dia seguinte. De seguida, acomodo melhor a cabeça na almofada e entro no mundo delicado e fantástico do onírico, deixando-me ir suavemente.

 

Creio que todos nós já sentimos a estranha impressão da diferença de dimensões entre o que recordamos de muito criança e o que vemos já adulto: o que nos parecia imenso surge-nos como pequeno, às vezes ridiculamente minúsculo.

Pois bem, lembro, agora com imensa saudade, um “automóvel” de pedais que tive quando era menino pequeno, mas já suficientemente capaz de o locomover com a força das minhas pernas e pés. Era verde, e, como não havia ainda a indústria do plástico, de metal, com rodas de borracha.

A casa dos meus pais parecia-me, então, enorme e, como era comprida, maior era a dimensão. Ainda sem grande jeito para conduzir, recordo-me que andava aos ziguezagues batendo nos rodapés e nas paredes. Valia que a minha mãe não se importava, pois estava desejosa de mandar tirar o papel de parede com que o anterior inquilino havia decorado todas as divisões. Assim, o restauro previa pinturas e rebocos.

 

Confesso que durante muitos anos esqueci a existência do meu velho “automóvel” e só agora me vêm à memória pequenos farrapos de recordações desse brinquedo que, não sei porquê, desapareceu lá de casa, restando, durante muitos anos, somente o volante metálico, amarelo e pesado. Depois, começou a era dos soldadinhos de chumbo e pouco mais, já que, segundo a minha mãe, o dinheiro era pouco para “essas coisas”.

Imaginativo e sonhador, “inventei” os meus próprios brinquedos e os meus “companheiros” de folguedo. Na verdade, conseguia “ver” os meus “guerreiros”, as minhas motocicletas, os aviões que pilotava e as “invasões” dos “países” inimigos. Não há dúvida, fui um perfeito fruto da 2.ª Guerra Mundial e, quando ela acabou, cultivei todo o saber possível sobre os acontecimentos graças à pequena, mas muito seleccionada, biblioteca do meu pai, naturalmente pró-aliada, como seria de esperar numa ditadura simpatizante do fascismo italiano e do nazismo alemão. Mas, o que li serviu-me para, muito mais tarde, poder fazer as interpretações correctas

 

O meu carro de pedais deve ter acabado na loja do ferro-velho do fim da nossa rua onde o meu pai pagava para ele ir buscar a casa aquilo de que se queria desfazer.

Memórias de quem ainda anda por cá…

17.01.24

No Outono cai a folha ‒ 01

Deus ou deuses?


Luís Alves de Fraga

 

Estou cansado de discutir a situação nacional e a internacional. Causa-me enfado repetir o mesmo com palavras diferentes. Parece haver uma apatia sobre as guerras e sobre as intrigas políticas que derrubaram um governo, que leva a eleições gerais. Afigura-se-me que ninguém quer ver o óbvio no panorama nacional e internacional. Ninguém quer ver a incoerência e a mentira em que vivemos. Tudo isto afasta-me das teclas do meu velho computador.

Mas sinto a necessidade de comunicar, de dizer os pensamentos cruzados que me assaltam nos momentos de silêncio e sossego. Então, vou debruçar-me sobre mim e sobre esse interior fervilhante.

Terão os meus amigos paciência para me ler?

 

Ao mesmo tempo que o meu pai, nos meus sete anos, me impunha a prática da ginástica duas vezes por semana, a minha mãe, suavemente, encaminhava-me para a catequese, na igreja da freguesia dos Anjos, em Lisboa. A distância do templo ao Lisboa Ginásio Clube era e é pequeníssima. O trânsito e o movimento nas ruas eram incomparavelmente mais reduzidos do que hoje. Assim, eu podia ir sozinho para uma e outra actividade sem correr perigo de espécie alguma.

Deste modo, e porque fui para o Instituto dos Pupilos do Exército onde a actividade física era intensa, e, depois, aos vinte anos, para a Academia Militar donde saí oficial em 1965, posso dizer que vivi, na prática, toda a minha adolescência e começo da idade adulta fora de casa, longe da minha residência familiar, rodeado de companheiros de diferentes origens sociais, com experiências juvenis distintas e de áreas geográficas que iam das povoações mais distantes do norte de Portugal até Timor.

Quando entrei nos Pupilos do Exército (por minha livre vontade, mas com agrado do meu pai e tristeza da minha mãe) era um rapazinho com treze anos que ficou confuso no meio de outros quatrocentos; faltavam as chamadas de atenção do meu progenitor e as suaves admoestações da minha mãe. Dentro do internato tudo era hierarquizado, por alunos mais velhos: um comandante de secção, um comandante de pelotão, outro de companhia, um comandante de batalhão, um chefe de camarata, um chefe de mesa e, como não podia deixar de ser, um chefe de turma. Depois, havia os oficiais do Exército que, começando no director, acabavam nos comandantes de companhia, passando pelos professores (quase todos militares). Devo acrescentar que, sem autoridade imediata sobre os alunos, havia também os sargentos, que, contudo, impunham a ordem e o respeito.

Sem ter grande consciência disso, o que me faltavam eram apoios para a construção interior que se devia estribar em valores de toda a ordem para além daqueles que já faziam apanágio do Instituto. Talvez, até, seja conveniente debruçar-me sobre estes últimos para conseguir perceber, neste exercício de introspecção, os outros.

 

Numa Casa como aquela, naturalmente, a disciplina era a pedra angular de tudo o resto, mas não faltavam o sentido de camaradagem, de solidariedade, de emulação, de entreajuda, de cumplicidade (no bom e no mau) e, como resultado do conjunto, um certo tipo de fraternidade. Unia-nos a farda, a igualdade de tratamento, pois não havia privilégios especiais para ninguém, o frio, o calor, o estudo, as marchas, as cerimónias e, até, uma certa concorrência com o Colégio Militar onde os alunos eram, na maioria, filhos de oficiais. Mas isto chegava para estruturar a construção interior? Evidentemente que não. Cada um de nós tinha de se agarrar a convicções lidas em livros, aprendidas com exemplos ou recebidas na casa dos pais antes de ingressar nos Pupilos. Foi por esta última via que enveredei.

 

Ao fim de uma ou duas semanas descobri que, após o jantar, a capela dos Castros (lá repousam os restos mortais de D. João de Castro e de sua família), nos claustros, estava aberta até à hora de recolher (vinte e duas horas). Havia bancos de madeira onde nos podíamos sentar ou ajoelhar a orar. Estava-se em perfeito silêncio e o barulho que se ouvia era o dos alunos que entravam e saíam do pequeno templo. Escolhi o meu lugar lá à frente e passei a ir todos os dias uma boa meia-hora para ali rezar, mas também pensar em mim, nos meus desejos nos meus sonhos de futuro, nos meus anseios, nas minhas dúvidas. Era o meu oásis dentro da confusão, dentro do pensar pouco e agir muito.

Por mero acaso, numa exígua biblioteca que existia por trás do altar, num espaço bastante amplo, descobri a hagiografia de São João de Deus e, nos tempos livres, li-a de uma ponta a outra. Aquele homem nascido quase no final do século XV, em Montemor-o-Novo, cedo foi para Espanha e, de entre outros ofícios, foi militar, servindo em várias guerras. Convertido ao catolicismo já na idade adulta, depois de ter passado por um hospício, fundou, aos quarenta e quatro anos, em Granada, um hospital para portadores de doenças incuráveis e contagiosas, passando a tratá-los, com as suas mãos. Sobreviveu mais onze anos, dando provas de grande espírito de sacrifício e de muita caridade.

Esta leitura impressionou-me tanto que nela está a origem da minha religiosidade juvenil e adolescente, podendo dizer que foi através de São João de Deus que entrevi os pilares que me faltavam continuar a construir para dar por completo a minha estruturação: ter esperança nas minhas capacidades; ser suficientemente hábil para perceber que a caridade ultrapassa em muito a esmola que se dá, pois é preciso ser capaz de sentir como nossas as dores e os sofrimentos dos outros; entender que o perdão dos pecados nada vale se não houver antes arrependimento e uma forte vontade de emenda.

Foi assim que cheguei à Academia Militar e entrei na idade adulta. Mas lá, ao mesmo tempo que interiorizei novos modos de estar na vida e novos pilares necessários à condição de oficial (coragem, abnegação, amor pátrio, liderança, assunção de responsabilidades e capacidade de decisão) fui-me afastando da fé católica que me havia animado. Foi um processo lento que situo temporalmente no meu segundo ano de oficial da Força Aérea. A guerra, Moçambique e as novas responsabilidades contribuíram em boa parte para a revisão do catolicismo.

 

Passaram-se muitos anos até começar a laborar, de novo, na questão religiosa. Nesse ínterim consegui a realização de sonhos que, mais ou menos, sempre andaram a par do meu desejo de ser militar. Foi por causa dessas realizações que aprendi a reflectir de modo diverso daquele que nos é ensinado nas catequeses e conclui que, afinal, o deus dos católicos, tal como todos os outros deuses de todas as religiões, é um prisioneiro dos homens que o inventaram, porque nem o universo pode ser um acaso físico-químico, nem pode ser fruto de tantos deuses quantas as religiões existentes.

Se Deus criou o universo e os homens e deu a estes a possibilidade de escolherem entre o bem e o mal, é ilógico que os condene pelos erros e os enalteça pelas virtudes; Deus colocou na Terra (será que também noutros planetas?) os seres humanos para que disfrutem da Sua criação, assim, terá de ser um Deus de compreensão, de amor, de compaixão e de aceitação, sem infernos, nem purgatórios, sem diabos, sem penas eternas e sem castigos horrendos. Terá de ser um Deus risonho, bem-disposto e acolhedor. Quanto ao resto, não podemos nem devemos extrair ou inventar outras conclusões. Orar a esse Deus é, afinal, rezar ao universo que está dentro de nós e fora de nós. Somos livres de fazer o que nos aprouver; a justiça dos homens julgar-nos-á, porque a do Deus universal acolher-nos-á com amor e compreensão.

03.01.24

Todos somos iguais


Luís Alves de Fraga

 

Há muitos anos, era eu professor na universidade, fui abordado por um colega cuja filha frequentava as minhas aulas e, tendo reprovado na primeira época, ia repetir o exame em Setembro. Diga-se, em abono da verdade, sempre fui um professor exigente e pouco pródigo em notas altas. A mocita em questão era uma aluna de nove valores na minha bitola, daí a segunda época. O pai para além de professor era, em simultâneo, um dos administradores de uma das várias companhias de telecomunicações existentes na altura e, para “meter a cunha” argumentou que à filha, para ser licenciada só lhe faltava a minha cadeira que até era do terceiro ano quando o curso tinha quatro, para além de que já tinha garantido um lugar de secretária no conselho de administração da empresa onde o papá era um dos “manda-chuva”.

A minha resposta foi simples: «Ela que estude especialmente a matéria dada no segundo semestre… o resto depende do esforço que fizer».

A menina esfalfou-se o quanto a sua inteligência lhe permitia e as suas fracas capacidades de redacção a ajudavam. Fez o exame e a diferença para os anteriores era quase nenhuma… Na altura de lançar a nota na pauta olhei para o lado e, em vez de lhe dar o nove dei o dez. Que diabo, por causa da História da Cultura Portuguesa a mocita ia perder o emprego que o papá com tanto “custo” lhe arranjara?

No meio de tudo isto, a minha consciência ficou bastante mais tranquila, porque no currículo do curso havia cadeiras bem mais complexas do que a leccionada por mim e, para meu espanto, ela passara até com notas superiores ao meu mísero dez!

Conclusão: todos somos igualmente venais, dependendo o grau somente do tipo de favor que fazemos ou da recompensa recebida que, no meu caso, foi nenhuma.

 

E vem esta minha confissão a propósito da crise aberta pela queda do Governo. Estamos como estamos por causa de, ainda, supostas venalidades de alguns membros do Executivo, ficando pendente sobre António Costa uma dúvida, até ao momento, não tornada pública.

O que neste tempo decorrido me atormenta não são as supostas e nada provadas venalidades dos ministros… Não! O que me atormenta é que todos estejam apostados em fazer de mim parvo, coisa que julgo ter sido por vontade própria em momentos que me eram convenientes para a minha sobrevivência. Vejamos os meus fundamentos que deviam ser, afinal, o de todos os cidadãos deste país.

Se seguirmos a cronologia dos “casos e casinhos” ficamos espantados, pois uns nasceram dentro do meio político e outros foram trazidos para a ribalta nacional pelos órgãos de comunicação social. Ora, em dado momento, a TVI, através de uma investigação levada a efeito pela jornalista Sandra Felgueiras, noticiou a intervenção da Presidência da República, nomeadamente de Marcelo Rebelo de Sousa, num caso de “cunha” para favorecer duas crianças brasileiras de nascimento, mas também com nacionalidade portuguesa. O Presidente ‒ face e responsável de uma instituição da nossa democracia ‒ não se lembrava de nada, quando os jornalistas o assediaram com perguntas.

Poucos dias depois, o Ministério Público, através da Procuradoria Geral da República, faz saber da situação de supostas e gravosas acusações de corrupção de ministros, incluindo de forma velada o primeiro-ministro. Estava criada a crise que punha em causa uma das instituições fundamentais da nossa democracia e só restava o Governo cair por pedido de demissão de António Costa. As baterias da comunicação social iam voltar-se contra a maioria parlamentar. Era o “grande caso” que há muito se esperava.

Mas quem é que criou a crise? Foi António Costa por achar que não tinha condições para governar ‒ coisa que continua a fazer, embora em regime de gestão ‒ ou o Presidente da República que aceitou a demissão?

A minha resposta, face aos factos, é que António Costa, imediatamente após as acusações da Procuradoria Geral da República, deu um extraordinário exemplo de assunção de responsabilidades. E nada mais digo.