Objectivo da vida
Confesso, com toda a sinceridade, não tenho tido vontade de escrever mais do que simples frases (deixo-as no meu outro blog do SAPO, que dá pelo nome do «O meu Twitter»… podem lá ir espreitar). Estou cansado das guerras, de todas elas, mas, especialmente, da da Ucrânia e, agora, da de Gaza. Oiço muitos “opinadores” e poucos especialistas na televisão. Os primeiros, por culpa dos entrevistadores, são capazes de dizer com horas de antecipação o que se vai passar na reunião tal ou na cimeira anunciada! São uns “privilegiados”: têm ligação directa com os mais altos responsáveis da política da Terra. Fico arrepiado com a segurança deles ou, talvez, com tamanha carga de ignorância, atrevimento e estupidez. Quanto aos especialistas, porque sabem dos assuntos, são sempre muito mais cautelosos nas palavras que pronunciam; desses, gosto, mas são raros. Por estes motivos não tenho escrito e hoje vou fazer um pouco de “filosofia”, procurando abordar o tema sobre o qual ando a pensar há quase um mês: o objectivo da vida.
Olhemos a Natureza, o que vemos? Os animais e as plantas a nascer, a viver e a morrer. É o ciclo, poderíamos afirmar, da vida e da morte. Na Natureza o que nasce é para morrer, cumprindo uma espécie de “vocação”: servir os outros seres vivos: a zebra, o gamo, o coelho, a ovelha e tantos, mas tantos mamíferos, estão “vocacionados” a servirem de alimento a outros animais carnívoros. Uns comem vegetais e outros comem a carne dos primeiros. E há ovíparos que se alimentam de carne e comem peixes e mamíferos cujo alimento preferido é o peixe. E, na Natureza, tudo isto se equilibra entre os limites estabelecidos: nascer e morrer, cumprindo uma “vocação”.
O Homem, animal superior (ouvimos dizer a cada esquina) parece ter fugido deste padrão. Isso é, pelo menos, o que a Bíblia Sagrada, no Velho Testamento, explica: Deus deu a Eva e a Adão a liberdade de tudo fazerem no paraíso terrestre menos comerem a fruta da árvore proibida. A Eva, criada da costela de Adão, deixou-se tentar e vá de convencer o companheiro a dar a dentada no fruto. A expulsão do paraíso foi imediata e o castigo eterno foi cumprido: comerás o pão com o suor do teu rosto e parirás com sofrimento; a vida será um fardo e não o resultado de uma “vocação”.
A Bíblia é um dos livros sagrados das várias religiões; nasceu do judaísmo e, com a junção do Novo Testamento, tornou-se no guia comportamental dos cristãos; é uma “explicação” histórica de um determinado período da evolução do Homem.
Explicação que Spinoza refuta da base ao topo. Deus, para ele, em pleno século XVII, não podia ser um “vingador”, um juiz. Não tinha forma nem representação porque Deus é o autor de tudo e a tudo dá liberdade. Deus criou do Nada e o Nada evoluiu, cresceu e transformou-se em Tudo sem culpas e sem castigos. O Homem surgiu por evolução e senhoreou-se de tudo. Achando-se superior, criou deuses para legitimarem essa posse
Duzentos anos mais tarde, Proudhon, “pai” do anarquismo, veio explicar que a causa de todas as guerras e de todas as injustiças é a propriedade; é o direito que alguns homens chamam para si de possuírem aquilo que nasceu para todos usufruírem.
Proudhon teve, necessariamente, de condenar as religiões e os livros sagrados, pois mais não são do que códigos de submissão às ordens instituídas pelos proprietários.
Já no século XX, em Portugal e no Brasil, o Professor Agostinho da Silva defendia que o homem não foi feito para trabalhar; foi feito para usufruir, fazendo ou não fazendo o que gostava ou não gostava. Disse ele: «“A alegria, a alegria do sujeito… Tinha-se reformado desde que tinha nascido, que era o que nós todos devíamos fazer, estar sempre reformados à nascença… Temos que pensar numa economia, numa sociedade, em que qualquer tipo seja reformado à nascença. E saiba imediatamente, se puder entender, que quem não faz nada morre depressa. E que, portanto, procure naquilo que é, naquilo que sente do mundo, o que é que gostaria de fazer. As duas leis devem ser: “Não trabalhe nunca; por favor esteja sempre ocupado”.» (Agostinho da Silva, “Ir à Índia sem Abandonar Portugal”, p. 15)
Face a estas sínteses que aqui vos deixo, resta-me afirmar categoricamente: o objectivo da vida é fazer só o que se quer, porque fazer nada é o caminho para a morte cerebral e física, pois fazendo o que se quer, Deus, o deus de Spinoza, sorri-nos e vangloria-se de ter criado Tudo, partindo do Nada e Proudhon sentir-se -á satisfeito por ter afirmado que a propriedade é o maior mal da Criação.