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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

10.08.23

O primeiro rescaldo


Luís Alves de Fraga

 

Já passaram dias suficientes sobre o fim das Jornadas da Juventude e da partida do Papa Francisco. Podemos agora iniciar o rescaldo desse “fogo” que foi a presença do líder da Igreja Católica Romana entre nós e começo pelo fim, o mesmo é dizer, pela viagem de regresso a Roma.

 

A RTP 3 transmitiu a conferência de imprensa que Francisco concedeu aos jornalistas que o acompanhavam no avião da TAP e, a dado passo, houve alguém que levantou a questão da comunhão dos divorciados e dos homossexuais.

Escutei atentamente a resposta, dando-me conta, pela primeira vez, da capacidade do Sumo Pontífice da Igreja Católica responder sem dar resposta, repetindo o já estafado argumento de que a Igreja acolhia todos. Contudo, acrescentou uma pequena frase: «cada um, depois, tem de fazer o seu caminho». É um quase nada, mas, também, um quase TUDO, pois esta resposta é dada para fora da Igreja, mas, também, para dentro da mesma e, talvez, com maior intensidade para DENTRO do clero.

 

Fui ver o que nos diz o Direito Canónico e o Catecismo e tal pesquisa feita com brevidade de modo a perceber o que é «o seu caminho».

Para os divorciados e casados de novo não há remédio possível: não têm acesso nem à confissão nem à comunhão. Contudo, pertencerão à Igreja e não viverão em pecado se assumirem, ambos os cônjuges, voto de castidade, vivendo como irmãos, o mesmo é dizer que o matrimónio católico continua vigente nos seus comportamentos.

Para os homossexuais a resposta é semelhante: manutenção da castidade.

Em ambos os casos poderão confessar-se e comungar.

Será que o Papa Francisco gostaria de ver alterado este rigor canónico? Em consciência, e tendo já lido alguma coisa sobre as reformas que ele vem introduzindo e sobre a sua maneira peculiar de entender o cristianismo, creio que ele não teria dúvidas em fazer modificações. Quais e até onde, não tenho ideia.

Mas que rigor é este e de onde vem? É o que vou tentar, em breves palavras, resumir.

 

O tema divórcio é tratado nos Evangelhos oficiais por São Mateus, no capítulo 19 (repisado por São Lucas, capítulo 16) e, na velha Bíblia que me acompanha há cinquenta e cinco anos, lê-se assim: «Pois bem, o que Deus uniu, não o separe o homem». Curioso é que o Professor Frederico Lourenço, tradutor dos Evangelhos partindo dos originais gregos, diz o mesmo, mas acrescenta em nota de rodapé que Jesus se refere, no diálogo travado com os fariseus, não a Deus, mas a passagens do Antigo Testamento quando, afinal, são um aparte explicativo do livro de Génesis. Assim, em definitivo, Jesus disse o que disse, mas baseado numa explicação do Velho Testamento. Claro que, deste modo, caímos na problemática central do cristianismo, a Santíssima Trindade: Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo. E a Igreja de hoje impõe um ponto de vista baseado em mais de dois mil e vinte e três anos! Qual é a diferença desta regra de comportamento social e moral e as impostas pelos rigorosos muçulmanos que interpretam o Corão da forma mais retrógrada, não levando em conta que já passaram mais de mil anos sobre o ditado de Maomé?

 

Esquecemos que por trás da indissolubilidade do matrimónio, desde que o Homem se sedentarizou, estiveram sempre interesses materiais, tais como dotes, heranças e sucessões. Esquecemos que na nossa cultura judaico-cristã os casamentos, até muito tarde, eram combinados entre os pais e familiares dos nubentes, facto que, ainda hoje, é comum em culturas distintas das nossas. Ora, Jesus falou condicionado pelas regras herdadas do passado e para homens do seu tempo.

É um arcaísmo e uma contradição impedir a comunhão a divorciados ‒ porque são adúlteros ‒ mas, ao mesmo tempo, admitir que Deus perdoa todos os pecados e que é compassivo.

Estamos, realmente, perante a incapacidade de “dar liberdade a um Deus” a quem a sua Igreja põe grilhetas quase inamovíveis. Quem sou eu para tirar estas conclusões ao lado do Papa Francisco? Deste modo, aquele que se senta na cadeira de São Pedro tem muita razão quando pede que rezemos por ele.

05.08.23

Insensível?


Luís Alves de Fraga

 

Tenho oitenta e dois anos. O meu rosto não é redondo nem bochechudo. Não tenho cara de avô. Não gosto de estar no meio de multidões. Gosto muito de falar expondo as minhas ideias, mas também gosto de ouvir aqueles que têm alguma coisa a ensinar-me. Gosto de conversar com jovens com idades superiores a doze anos. Adoro ouvir explicações sobre as novas tecnologias que já existem e sobre as que nos esperam com o passar dos anos. Não tenho medo de viver, contudo, com o avançar da idade, tenho medo da morte, porque amo a vida. Acredito que há um Deus universal, que não é um carrasco nem um juiz, é um Ente feito de compreensão e de amor pela obra que criou; não é católico, nem é evangélico, nem se chama Alá, nem Jeová, nem Buda, nem está preso por nenhuma religião. É livre como só um Deus pode ser.

 

Tenho visto as várias estações de televisão e olhado de todas as maneiras o Papa Francisco. É mais velho do que eu quatro anos (nestas idades é muito tempo). Tem uma cara de avô, um avô como todos desejávamos tido, gosta de dizer piadas e de sorrir, irradia bondade, sujeita-se a um horário que não sei se eu seria capaz de seguir. Aceita a segurança que lhe impõem, mas, de vez em quando, “fura” as “ordens” e pára para abençoar uma criança ou dar-lhe um beijo. Estende a mão para tocar nos que o estão a ver passar. Fala-nos de uma “outra” Igreja bem diferente daquela onde cresci quando era menino, daquela onde os pecados eram escalonados desde os mais graves aos menos importantes, daquela onde havia um inferno e, até um purgatório, daquela que condenava quem era “diferente”, que dava às mulheres um lugar secundário, porque as únicas mulheres cimeiras eram a mãe de Jesus e todas as que haviam sido santificadas, uma Igreja daquela em que se beijava a mão do sacerdote em vez de o cumprimentar. Diferente daquela em que se orava em latim e os ignorantes de tal idioma ficavam estáticos, cumprindo um dever porque lhes era imposto sem mais nem menos, sem perceberem o que se dizia. Essa foi a Igreja em que cresci e me formei e da qual me fui afastando carregado de dúvidas.

 

Porque Francisco, o Papa argentino com origem italiana, veio completar o caminho iniciado por João XXIII (até então, e desde 1871, os Papas consideravam-se “prisioneiros” do Estado italiano, no Vaticano, o qual mandou às urtigas essa impossibilidade de sair de Roma e foi iniciar apostolado pelo mundo visitando países onde nunca havia estado), dizia eu, Francisco, reformando o que pode e consegue, está a tornar a Igreja Católica numa Igreja de todos, onde os pecadores também têm assento à mesa de Deus ele é o reconstrutor ecuménico pelo qual os agnósticos tanto esperaram. Ele “simplificou” Deus ao torná-Lo um Ente de amor.

A Igreja ainda não concorda com alguns dos preceitos já praticados na sociedade civil, tais como o aborto e a eutanásia, porque diz que a Vida é obra de Deus e é ir contra a Sua obra pôr fim àquilo que Ele criou. Mas, se Deus é perdão, Ele perdoa, porque não cabe ao Homem descobrir os desígnios de Deus, muito menos julgar no lugar Dele.

 

Francisco tem apaziguado o meu agnosticismo. Não consigo ficar-lhe insensível.

02.08.23

O discurso de Francisco


Luís Alves de Fraga

 

Enquanto Chefe de Estado, o Papa Francisco, discursou no Centro Cultural de Belém para uma seleccionada audiência e para o país inteiro através das televisões. Naturalmente, é um discurso lido pelo Papa, mas não escrito por ele o que não lhe retira valor, pois, se o leu é porque concordou com o seu conteúdo.

Ainda não li o discurso, mas estive atento e dele extraí, pelo menos, duas lições: uma, de natureza geoestratégica, outra, de natureza ecuménica. Vou tentar resumi-las em poucas palavras para não vos fatigar.

 

Quando o Papa recorda os fins traçados pelos pais fundadores da “Europa” ‒ note-se que, se ouvi com atenção, ele não se referiu nem à União Europeia nem à CEE ‒ dá-nos, com precisão, a finalidade básica dessa “fundação”: a construção da paz. Ora, se se refere à paz é porque estamos a viver um clima de guerra no nosso continente e traçou para os europeus uma rota: a da conquista da paz, pondo de lado a tecnologia dos armamentos que se consomem e nada deixam para além da destruição. Francisco foi claro nas suas afirmações, porque estava em Lisboa, “onde a terra acaba e o mar começa”: não falou para o mundo; falou para a Europa e para o papel que Portugal pode desempenhar nela, pois tem nela voz activa.

Adivinho a pergunta: «onde está essa mensagem geoestratégica?» É fácil, muito fácil: cabe à Europa traçar uma estratégia de paz opondo-se aos grande interessados nas indústrias de guerra, ou seja, usando palavras mais simples e expressões mais directas: a Europa não pode nem deve correr atrás das decisões da NATO que correspondem às decisões dos EUA: a Europa tem de ter uma conduta de tamponamento bélico frente a um mundo que se constrói para fazer guerras.

 

O lado ecuménico do discurso do Papa Francisco resulta, na minha análise, no facto de citar Fernando Pessoa, Camões, César de Oliveira, o quase esquecido autor da bem conhecida canção da revista portuguesa «Cheira bem, Cheira a Lisboa», quando nos recorda que «Lisboa tem cheiros de flores e de mar», Sofia de Melo Breyner e, mais ainda, cita José Saramago um indefectível comunista que flagelou, algumas vezes, o clero católico, mas deixou obra sobre a vida dos pobres e do povo português.

É esta a dimensão de Francisco, que rebenta com tradições bafientas da Igreja de Roma, pois, para ele, pela certa, Saramago foi perdoado pelo Deus de misericórdia e bondade em que ele acredita.

 

São estas as missões e são estes os desafios que o Papa, talvez inspirado pela palavra de um poeta e de um teólogo, nos deixa enquanto Chefe de Estado e Chefe de uma Igreja que sobrevive há dois mil e vinte e três anos.