Outra vez, Francisco
O Papa vem a Portugal e gastam-se balúrdios de dinheiro para receber o homem que proclama a caridade e a virtude de dar tudo aos pobres. Os trabalhos executados fazem parte de um mau entendimento do dever de hospitalidade. Vamos olhar esta questão por esse prisma, está bem?
Quando eu era garoto e o médico ia lá a casa ver qualquer um de nós por estarmos doentes, recordo-me, a minha mãe, no fim da consulta, trazia sempre uma bacia com água morna, um sabonete e uma toalha de linho, que ia buscar às que estavam guardadas na gaveta do seu enxoval. Quando se fazia, lá em casa, um jantar de “mais cerimónia” saíam as bonitas toalhas de bom tecido com rendas ou bordados, vindas da mesma gaveta. Não se ia comprar nada de novo, usava-se o que de melhor havia e que não era comum utilizar no dia-a-dia.
Assim acontecia na minha casa ‒ casa de gente remediada ‒ como acontecia nas mais pobres e nas mais ricas: usar o que de melhor havia. E, provando esta regra de bem receber, conto para quem não sabe que nos jardins do palácio dos marqueses de Fronteira há uma parede repleta de cacos de boa loiça a recobri-la. Como e qual a razão de lá terem ido parar? Pois bem, foi a loiça que serviu, num almoço ou jantar, aquando da visita de um dos nossos reis ao palácio do marquês; se serviu ao rei, não podia servir para mais ninguém nela comer.
É uma extravagância a que se podia dar a nossa nobreza mais endinheirada. É que há tradições para pobres e para ricos! E não existe ninguém para perceber melhor isso do que o Papa Francisco. Deveríamos ter ido à “gaveta do nosso enxoval” buscar o que de melhor temos para fazer cá a Jornada Mundial da Juventude. Uma sólida colina de terra batida e consistente com um altar e sombra suficiente teria sido bastante para aquele que escolheu para nome papal o do santo para quem todos eram irmãos… até os burros! Depois, era necessário improvisar sanitários para os peregrinos e sombras onde fugir do dardejar dos raios solares, postos médicos para acorrer a doenças súbitas e segurança para evitar riscos desnecessários.
Dêem ao Papa oportunidades para sorrir, para poder soltar o seu sentido de humor, não lhe dêem aquilo de que está cansado: gastos inúteis a esconder misérias sociais. Quantos sem-abrigo se tiravam das ruas de Lisboa e do Porto se os milhões gastos fossem utilizados na construção de pequenos apartamentos para essa gente, esses irmãos de São Francisco?
Desde os nossos bispos aos nossos políticos ninguém percebe o gesto do lava-pés na Quaresma, esse gesto de humildade feito por Jesus, que beijou os pés dos apóstolos. Um gesto de humildade, mas também gentileza para com os hóspedes naqueles tempos. Coisas simples e sem aparato foi o legado de Jesus. Basta ler os Evangelhos. Foram os homens que encheram de poder, de riqueza e de soberba uma Igreja que se queria para os desprotegidos, para os perseguidos e para aqueles que acreditassem que um dia estariam ao lado de Deus.
Como militar, sempre embirrei com os comandantes das unidades que, aquando das visitas dos generais, mandavam pintar e alindar os quartéis. E nós, que lá estávamos todos os dias, não tínhamos direito a viver em sítios alindados?
Está tão mal sabida a lição de vida de Jesus!