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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

29.03.23

A Discrição na Guerra


Luís Alves de Fraga

 

Ou eu não percebo nada de guerra, embora tenha aprendido muito com bons mestres na Academia Militar e no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea, ou tudo o que sei está desactualizado. Vamos lá ver se me explico.

Todos os teóricos militares, pelo menos até à presente guerra na Europa, aconselham a que a surpresa é um dos mais valiosos métodos de tentar a derrota do inimigo. Todo o tipo de surpresas que lhe quebrem o moral e a vontade de combater. É por isso que há a chamada guerra de contra-informação, cuja finalidade é baralhar o oponente, de forma a que, contando com uma coisa lhe surjam várias.

Claro que, num planeta como o nosso cheio de satélites espiões a distâncias diferentes da Terra, pouco se pode ocultar, mas, por isso mesmo, cada vez mais têm de ser sofisticados os meios de dissimulação e de engodo do inimigo real ou potencial.

 

Ontem, em todos os jornais da Europa, vem escarrapachada a notícia de que já chegaram à Ucrânia os dezoito carros de combate cedidos pela Alemanha e os cedidos pelo Reino Unido! Dou comigo a perguntar-me se, sem me passar pela garganta qualquer pinga de álcool, estou bêbado ou se as regras do jogo chamado guerra se alteraram.

Eu sei que transportar um carro de combate de um lado para o outro não é o mesmo que meter no bolso um porta-chaves ou um isqueiro, mas vai uma tremenda diferença entre a tentativa de ocultação e o acto de publicitar em informação totalmente aberta a chegada de material de guerra. Sei, também, que dezoito ou trinta carros de combate são uma lágrima nesta guerra que já se transformou em conflito de atrição, então, fico perplexo com este novo modo de “assustar” o inimigo. Tão perplexo como os tais Wagner dizerem aos quatro ventos que estão a ficar sem munições!

Se não morresse gente e não houvesse estropiados eu diria que esta tratava-se de uma guerra de opereta em que no final todos acabavam a cantar e a abraçar-se.

29.03.23

Técnica e Disciplina Militar


Luís Alves de Fraga

 

Já vai longe o tempo em que as armas militares tinham uma tecnologia muito simples. Com a modernidade a caldeira a vapor deu lugar a sofisticados motores e, embora a espingarda continue a ser só carregar e disparar (mesmo assim, ensinava-se aos recrutas, ao desmontar e montar a arma, que “o material tinha sempre razão”) ganhou, também, melhores aperfeiçoamentos e ligeiras sofisticações.

Sem querer menosprezar os outros ramos das Forças Armadas (FFAA) aquele onde a tecnologia evoluiu mais rapidamente foi na Aviação (entre nós, Força Aérea). Essa evolução foi tão grande e tão rápida que, sem darmos por isso, trouxe alterações profundas ao Regulamento de Disciplina Militar (RDM). Vamos ver alguns exemplos simples.

 

Numa aeronave de duplo comando quem manda a bordo é o comandante da mesma, ou seja, aquele que, tecnicamente, está habilitado para tomar todas as decisões. Ora, isto inverte a hierarquia militar, porque sendo o mais qualificado, nada obriga a que seja o mais graduado. Assim, o comandante pode ser um tenente e o copiloto um coronel e, dentro da aeronave, quem dita todas as ordens é o primeiro e não o segundo. Se o sargento mecânico avisar o comandante de bordo que há a probabilidade de existir uma avaria técnica em algum dos componentes da aeronave este vai verificar e pode decidir abortar a missão por causa da informação recebida. Se o graduado técnico informar o comandante de bordo de que a carga (por exemplo num C-130) está mal estivada ou excede o peso previsto, o comandante pode dar ordem para abortar a missão até que tudo esteja corrigido. Assim, percebe-se que a segurança de pessoas e material prevalece sobre o cumprimento da missão. De nada interessa correr riscos se a missão estiver, à partida, comprometida.

 

Como se percebe há aqui duas dimensões de disciplina: a técnica e a castrense e elas não interferem nem chocam uma com a outra. Se algum choque pode existir é por ter havido falta de informação técnica a qual haja levado a qualquer percalço na navegação da aeronave.

Quando, recorrendo ao exemplo inicial do tenente e do coronel, durante o voo, este último quer fazer valer a sua maior graduação compete ao comandante da aeronave “fazer ouvidos de mercador” e mal vai o coronel se, chegados ao solo, exercer represálias sobre o tenente, pois isso falará sobre a natureza do seu carácter.

Até nas aeronaves monolugares e de comando único, voando em formação, a decisão de um piloto abortar o cumprimento da sua missão tem de ser respeitada.

Recordo o caso de um tenente ou capitão que, aos comandos de um Fiat G-91, em Moçambique, voando em parelha com o general-comande da Região Aérea, para cumprimento de uma missão de combate, porque, ao descolar, começou a sentir, cada vez mais, calor intenso no habitáculo, concluiu que teria fogo a bordo. Informou o comandante da formação ou seja, neste caso, o general, e regressou à base absolutamente esbaforido com receio de morrer assado. O general abortou completamente o ataque que iam fazer e acompanhou-o até à pista. Uma vez no solo, o tenente ou capitão saltou do seu lugar e, não se vendo fogo em lado nenhum, o mecânico de bordo foi passar revista ao habitáculo e deparou com o botão do ar condicionado virado para a posição de aquecer. Estava explicado “o fogo a bordo”.

O general, conhecido pelos seus acessos de cólera, agora na função de comandante da Região Aérea, disse para o tenente ou capitão: «Nunca mais vais pilotar aviões de reacção. Passas imediatamente para os aviões de transporte». E assim foi! Um erro técnico secundaríssimo mudou completamente a vida desse oficial.

 

Talvez, fruto desta cultura onde prevalece a técnica sobre a cega disciplina militar, eu dê valor superior ao que os técnicos dizem do que ao cumprimento de uma disciplina em que a vida humana ainda é bastante desprezada ao mesmo tempo que se fazem correr riscos ao material que custa fortunas.

Afinal, o Regulamento de Disciplina Militar pode ser olhado, compreendido e executado de maneiras muito diferentes.

28.03.23

E agora, caros militarões?


Luís Alves de Fraga
Acabo de ler, no resumo do jornal Público, que me chega a casa, ao computador, a singular notícia que vos deixo em baixo e ela é especialmente dirigida a todos os meus Amigos que além de serem militares são MILITARÕES, que não se desobedece às ordens superiores, mesmo que se seja técnico, se saiba da "poda", se informe com verdade e, por fim, se recuse a cumpri-la. Dedico a notícia especialmente àqueles que gostariam de ver o NRP Mondego a fazer uma missão de presença militar junto de um navio aparentemente mercante, de nacionalidade russa, acabando por ter de ser rebocado até ao porto de partida.

Tirem conclusões...


Basta clicar no endereço que está em cima.
24.03.23

Pequenos Quotidianos ‒ 02


Luís Alves de Fraga

 

Da grandeza dos países à diplomacia

Ontem, quinta-feira, no jornal “El País” topei com a notícia que o Presidente do Governo espanhol havia sido convidado pelo Presidente da República da China para se deslocar a Pequim com a finalidade de tomar parte no grupo de trabalho que vai tentar mediar a paz entre a Ucrânia e a Rússia.

Porquê a Espanha, pergunto-me?

E é aí que bate o ponto. Talvez, por vários motivos que vou tentar elencar com base na simples observação do comportamento internacional do país vizinho.

Espanha tem boas relações com o mundo islâmico, em especial o mediterrânico, embora mantenha duas possessões no reino de Marrocos com quem procura entendimentos que satisfaçam ambas as partes com vantagens recíprocas. Por outro lado, Madrid não tem uma relação subserviente com os EUA nem com a NATO, acrescendo, no entanto, que, do ponto de vista militar é uma potência média à medida da Europa. Em suma, os governos de Espanha sabem fazer boa política com a União Europeia, com a NATO e com os EUA. Estes simples factos contribuem para ganhar credibilidade internacional ao ponto de Pequim admitir Madrid como capital capaz de ser intermediária numa tentativa de mediação na actual guerra.

Não é a impotência militar de Portugal que lhe retira crédito diplomático internacional; é a atitude política dos seus governantes perante os EUA e a NATO, porque não está esquecido que foi nos Açores que se deu a conferência final para fazer acreditar ao mundo as razões de invasão do Iraque… Durão Barroso passou de Lisboa para Bruxelas como “pagamento” desse favor diplomático, porque a Base Aérea das Lajes não é o “jardim americano”, nem pertence aos EUA; se Lisboa soubesse impor-se como entidade de Direito Internacional Portugal teria todas as chances de ser tão respeitado como a Espanha.

 

Custo de vida

O acabar com o IVA em certos produtos alimentares (não sabemos quais) que integram o cabaz de compras assim como o aumento dos funcionários públicos (os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações estarão incluídos?) será suficiente para compensar a inflação galopante? Não me parece, porque estas medidas vão a correr atrás do encarecimento dos artigos necessários. Devia ser um aumento que “empurrasse” a inflação para trás. Por outro lado, o facto de estarmos num mercado de livre circulação de produtos e bens leva a que a inflação registada noutros Estados seja “importada” quando o que vem do estrangeiro se vende por cá; e não estou a falar de produtos de luxo ou supérfluos, mas sim daqueles que são imprescindíveis, como matéria-prima, para a produção de artigos acabados em Portugal (veja-se o caso das rações para gado e os farmacêuticos, por exemplo).

 

Benefícios políticos da ineficácia governamental

Ou António Costa e a sua equipa de ministros consegue dar uma fortíssima guinada nas estruturas governativas, acabando com as reivindicações sucessivas e diárias, para além de estancar com os pequenos (às vezes grandes) escândalos políticos, ou, nas próximas eleições legislativas, vamos ter uma imensa e brutal surpresa… a extrema-direita conseguir alçar-se às cadeiras do poder. Porquê? Por causa da iliteracia política dos portugueses, que os vai levar a caírem inteiros nos braços da demagogia populista de quem só sabe criticar ao nível dos mais elementares argumentos da rua. Foi isso que colocou Bolsonaro em Brasília e Trump na Casa Branca.

A direita tradicional, liderada por Montenegro, não tem “espaço” de manobra perante a demagogia do Chega (da qual, muitas vezes, em campanhas do passado, usou e abusou) nem um programa de reformas alternativas para garantir aos portugueses uma sociedade de bem-estar. O “liberalismo” anti estatal, que constitui o horizonte político do PSD já foi ultrapassado pela Iniciativa Liberal. Assim, resta-lhe tanto espaço político como aquele que o PS ocupa. Ora, se Costa não souber aproveitar esta legislatura (e parece que não está a conseguir, dada a fraca equipa ministerial) para se colocar numa posição de defesa do Estado Social com iniciativas de ruptura de hábitos e tradições, descuidando-se um pouco na satisfação das imposições de Bruxelas para se preocupar com o que pode garantir a estabilidade política interna iremos cair no “buraco negro” de uma política errática dirigida por gente pior do que a actual, cujo programa é governar-se em vez de nos governar.

É triste ter de ter pena de nós mesmos!

22.03.23

Pequenos Quotidianos ‒ 01


Luís Alves de Fraga

 

Os homens bons

Foi a sepultar um Homem Bom, na vila de Campo Maior: Rui Nabeiro. A simplicidade deste Senhor levou-o a conquistar a simpatia não só dos seus conterrâneos como, também, a de um país. Morreu no dia 19 de Março passado, data consagrada ao Dia do Pai. Muita gente diz que ele foi um pai para os campomaiorenses desde há muitos anos.

Não o conheci pessoalmente, mas das várias intervenções e entrevistas nas estações de televisão conclui que era, como soe dizer-se, a figura chapada de um Alentejano: cara de bem disposto (capaz de fazer graça consigo mesmo como só os alentejanos o fazem), sorriso fácil, marcada pronúncia do Alentejo, não escondendo o traço rural, que bons fatos, camisas e gravatas, disfarçavam incompletamente.

Filho de gente, talvez, um pouco remediada (quase de certeza com ligações à rede de contrabando de café com o país vizinho, aquando da Guerra Civil de Espanha) começou, muito jovem (17 anos) por, com apoio dos tios, constituir uma fábrica de torrefacção de café, que mais tarde desfez para fundar uma outra com base numa nova sociedade, que logo se expandiu com sucursais em Lisboa e no Porto. Estava lançada a marca do Café Delta.

Esteve na política local como presidente da Câmara de Campo Maior ainda durante o Estado Novo, por duas vezes, nunca completando os mandatos por incompatibilidades pessoais. Voltou ao lugar, depois de 25 de Abril de 1974, apoiante do Partido Socialista.

Não sei, mas terá sido desde novo que se apercebeu da necessidade de estar ao lado dos mais fracos e desfavorecidos para conseguir alcançar poder e importância, pagando com justiça sem explorar a força da mão-de-obra que utilizava. A verdade é que, com os anos, se tornou no filantropo da sua terra natal, pois sabia que, de várias formas, o retorno era sempre maior do que a dádiva. Ao contrário do capitalista distante e ganancioso, Rui Nabeiro, por ter conhecido um Alentejo de miséria, muito bem caracterizado por Francisco Cantanhede no seu livro “O Cavador Que Lia Livros no Tempo de Salazar”, não investindo na caridade, investiu na humanidade, ganhando amigos em todos aqueles que poderiam ter sido seus inimigos e, tal modo de proceder, não reduzindo a sua fortuna financeira, aumentou a sua fortuna em capital de estima de admiração e de carinho, que esteve bem patente no funeral que as televisões mostraram até à exaustão. Era um Homem Bom, um verdadeiro social-democrata.

 

A habitação

Meu Deus, desde garoto que oiço falar do problema da habitação urbana, pelo menos em Lisboa. Nessas épocas, queixavam-se os senhorios das baixas rendas que recebiam, porque, segundo admito, Salazar havia feito sair legislação que limitava muito a especulação nesse campo (do seu governo nasceram os bairros sociais, as rendas limitadas e outras medidas que não recordo), mas deixava que se vendessem prédios velhos ou terrenos devolutos a preços exorbitantes e, era desta forma que os antigos proprietários se viam ressarcidos de tudo aquilo que os inquilinos não haviam pago mensalmente. Claro que à volta da capital existia uma “cintura” de bairros da lata absolutamente degradante e degradados. Nas zonas rurais não se punha o problema da habitação, porque toda a gente tinha casa ou um tugúrio onde se resguardar do frio, da chuva e do calor (a aldeia “mais portuguesa de Portugal, Monsanto é um exemplo vivo do que afirmo).

Nos tempos seguintes à queda do Estado Novo (ou seja, da ditadura fascista) houve uma explosão na construção civil e na quase total liberdade de especulação feita pelos senhorios ao mesmo tempo que se desenvolveu o mercado de compra e venda de habitação familiar o qual, no fundo, continuou a ser uma forma de aluguer de casa com a simples diferença de o senhorio ser a banca com a capacidade de alteração da “renda” de acordo com a política de juros praticada.

Mas faltam casas para habitação de famílias, em especial nas grandes cidades, e crescem as rendas no mercado de aluguer. O Governo conhece a fundo todo o problema agora aqui meramente esboçado e, vendo-se confrontado com a solução do mesmo, que se arrasta desde os tempos em que Cavaco Silva foi Primeiro-ministro, fez sair um pacote de medidas que, pelos vistos e de acordo com todos os comentários, não resolve a situação, “dando uma no cravo e outra na ferradura” sem que se encontre algo de muito novo e muito ousado neste domínio. Julgo que, no limite, falta audácia para enfrentar um dos sectores económicos que dá mais dinheiro a quem investe, mais emprego a quem faz trabalho braçal e mais dores de cabeça a quem procura habitação condigna na qualidade e no preço a pagar. Há uma clara falta de intrepidez governamental, que se arrasta há várias dezenas de anos e que, agora, com as condições políticas que tem, o Partido Socialista prolonga sem necessidade.

 

A 3.ª Guerra Mundial

Porque já vai longa esta análise do quotidiano recente, convido-vos a olhar a guerra da Ucrânia, o Tribunal Penal Internacional e Putin segundo as palavras de um prestigiado analista militar, o major-general Agostinho Costa, insuspeito pela sua isenção interpretativa dos acontecimentos.

Para isso basta seguir a ligação que vos deixo:

https://cnnportugal.iol.pt/videos/ja-estamos-na-terceira-guerra-mundial-nao-declarada-vamos-passar-a-declara-la-a-analise-de-agostinho-costa/6416d3ee0cf2665294dadf23.

17.03.23

Do Uso da Força à Sensatez do Comando


Luís Alves de Fraga

 

Era eu jovem e dizia-se um provérbio que rezava assim: “Queres conhecer o vilão, mete-lhe a vara na mão”… Pois é, dêem poder a quem dele não sabe fazer uso e se julga impune e logo perceberão o seu carácter!

 

Nas Forças Armadas (em quaisquer, de qualquer país) o poder da hierarquia mostra, quase sempre, o carácter de quem manda, trate-se de alguém com baixa graduação ou do chefe supremo de todos os exércitos.

Há quem leia os regulamentos militares do modo que lhe agrada, que mais satisfaz o seu ego sem levar em conta os egos alheios. Há quem faça dos regulamentos castrenses uma espécie de “Bíblia” não interpretável quando se trata de aplicá-la aos outros, porque, se está em causa a sua pessoa, todas as interpretações são possíveis e devidas.

 

Os treze tripulantes que se recusaram ao cumprimento de uma ordem ignorante e, talvez, criminosa, por desconhecer o estado técnico do navio, não podem ser liminarmente acusados de insubordinação e falta de cumprimento do dever militar. Eles, com lealdade, informaram o comandante do vaso de guerra, sobre as razões da sua recusa. Razões técnicas que o comandante devia conhecer melhor do que ninguém. Razões que deveriam ter levado o comandante a assumir a responsabilidade de recusar a missão perante quem a ordenou.

Os sargentos e as praças, ditos “revoltosos” agiram com lealdade e frontalidade perante quem de direito e a Marinha, pela boca do seu Chefe de Estado-Maior, toma a imediata decisão de repudiar e configurar a acção daqueles militares como uma insubordinação.

Se a atitude destes militares foi a de insubordinação como devemos classificar, no âmbito da mesma Armada, a atitude do imediato e da oficialidade da fragata Gago Coutinho, comandada pelo capitão-de-fragata Seixas Louçã, na manhã do dia 25 de Abril de 1974? Um comandante que não foi frontal e lealmente informado de que estava a haver uma revolução, e se viu perante a recusa de obediência dos seus oficiais que nem coragem tiveram para lhe dar voz de prisão? Para quando, postumamente, o CEMA manda fazer justiça a um oficial que, sozinho, teve de tomar decisões que iam contra as determinações do Estado-Maior da Armada e, ao mesmo tempo, lidar com a deslealdade e falta de coragem de quase toda a oficialidade do navio? Se há vontade de cumprir rigorosamente os regulamentos num suposto caso de insubordinação colectiva, então, que se tenha a hombridade de se fazer justiça a um Oficial e Comandante que, sozinho, ponderadamente, foi tomando as atitudes que a sua consciência lhe ditaram, evitando um caos no Terreiro do Paço. Embora isto se tenha passado num tempo em que o Senhor Almirante CEMA era um menino, espero que, agora, com a mesma galhardia com que foi ao Funchal, reponha o bom nome e boa reputação do Comandante Seixas Louçã. Isso era sensatez de comando.

16.03.23

A Revolta dos Marinheiros


Luís Alves de Fraga

 

Os códigos e regulamentos nas Forças Armadas (FFAA) por regra são uma “armadilha” que garante a impunidade dos superiores hierárquicos perante a manifestação de desagrado dos subordinados. Digo-o com a consciência militar que começou nos meus treze anos de idade e passou por uma vida de serviço activo de mais de quarenta anos, tendo sido desligado de toda a actividade castrense e de toda a disciplina a que estive obrigado aos sessenta e cinco anos de idade, quando passei aos quadros de oficial reformado.

Vivi a mais grave situação de indisciplina que ocorreu nas FFAA nacionais no dia 25 de Abril de 1974; meses mais tarde vivi uma situação de indisciplina colectiva numa unidade militar onde estava colocado e onde desempenhava um cargo oficioso, na altura, com valor de legitimidade (delegado do MFA).

Desde muito novo aprendi que o cumprimento da missão, nas FFAA, prevalece ao risco que ela implica, traduzido na frase simples de, “primeiro cumprem-se as ordens e depois reclama-se”.

Aprendi que a razão está sempre, quando se quer, do lado de quem manda e raras, muito raras, vezes, do lado de quem tem de obedecer. Contudo, os códigos e regulamentos, não foram feitos para serem uma grilheta que amarra os subordinados e tal facto é esquecido por muitos, mas mesmo muitos, chefes, comandantes ou outros dirigentes, porque, na legislação, há um dever que obriga estes perante aqueles que lhes devem obediência, chama-se DEVER DE TUTELA. O que é isto?

 

É a obrigação que o comandante ou chefe ou dirigente tem de zelar pelos interesses e segurança dos seus subordinados. É a ele que compete avaliar a missão e recusá-la ou retardá-la perante toda a restante hierarquia. Raros são os comandantes que têm a coragem de exercer até ao limite máximo o dever de tutela, porque, “primeiro cumpre-se e, depois, reclama-se”. São dois tipos de valores disciplinares que estão em confronto e rara é a cadeia de comando que tem, também, coragem para a enfrentar e levá-la às últimas consequências. Em toda a minha vida militar activa, recordo-me de um único Chefe de Estado-Maior da Força Aérea recusar cumprir missões internacionais por falta de dinheiro para manter operacionais os meios de que dispunha. Foi, nos anos setenta do século passado, o general Lemos Ferreira.

Na actualidade os oficiais-generais que comandam as FFAA, em nome de uma subordinação que resulta de primeiro cumprir e depois reclamar, não foram nem são capazes de dar o murro na mesa dos políticos e dizer a frase mais difícil de arrancar da boca de um militar: NÃO CUMPRO, PORQUE NÃO TENHO MEIOS.

 

É que, há mais de trinta anos temos vindo a assistir à sucessiva degradação das capacidades militares do país (levando-me a pensar que só existem para dar “lustre”, em certos momentos, a certas cerimónias) e, para além das PRESUMÍVEIS reclamações de gabinete, de nada se dá conta perante a Nação. E o problema é esse mesmo: é que, se na prática os militares estão sujeitos ao poder político, eles têm de dar contas à Nação, porque existem em nome dela e para a servir a ela. A Nação tem de saber com que FFAA pode contar quando delas depender a integridade e a segurança do nosso território e das nossas vidas.

A guerra é, realmente, um assunto muito sério para ser deixado só nas mãos dos militares, todavia, é nas mãos destes que está a DISSUASÃO, a SEGURANÇA e a DEFESA da Nação, assuntos demasiado sérios para serem deixados SÓ e SOMENTE nas mãos dos políticos.

 

Um navio de dois motores com um só operacional é um risco para si mesmo e para a navegação marítima; um navio com três geradores de energia em que só dois estão operacionais é um risco para a tripulação e, em certas circunstâncias, para a navegação marítima. Mandá-lo para o mar já é ousado, mas impor-lhe uma missão operacional militar, é muito mais.

O almirante Gouveia e Melo tem entre mãos um “bom” sarilho… Ou pune o comandante do navio, porque não cumpriu o dever de tutela e não soube colocar superiormente a situação técnica ou pune os treze “revoltosos” ou assume a responsabilidade de ter mandado executar uma missão com declarados riscos para a guarnição do navio, a segurança do próprio navio e a insegurança marítima que aquela embarcação poderia vir a causar se se verificassem situações adversas. E se for esta última a posição adoptada, só tem que responsabilizar a ministra da Defesa e o Governo por não lhe libertarem meios que lhe permitam poder responder pela vida dos homens que comanda e pela segurança do material que existe na Armada.

Este incidente vai dizer-nos muito do comando da nossa Marinha de Guerra, lá isso vai!

13.03.23

A Confusão Portuguesa


Luís Alves de Fraga

 

Mais coisa menos coisa, falta um ano para o cinquentenário do 25 de Abril de 1974. Vivi esse dia como o maior da minha existência. Ansiava, nos meus 33 anos, pela liberdade e pela democracia, regime onde nunca tinha vivido, mas que, pelos livros e por alguns jornais estrangeiros, já sabia o que era. A sombra da polícia política e da censura pairava sobre todos aqueles que queriam mais do que futebol. E, em boa verdade, nunca gostei de futebol, a não ser quando jogavam grandes clubes ou selecções nacionais, porque, nessas ocasiões, sabia que ia ver bons espectáculos de uma actividade que era praticada em todo o lado e em todos os momentos sem arte nem habilidade.

O período que se seguiu ao dia dos Cravos de Abril foi extraordinariamente conturbado, porque houve uma partidarização extremada das populações, das Forças Armadas e, até, das famílias. Os projectos ditos democráticos eram tão díspares e alguns tão perigosos, que eu, já politizado, fiquei abismado com as exigências populares e com a respectiva reacção. Aconteceu de tudo, inclusive a populaça assaltar a embaixada de Espanha, estragando e destruindo materiais e obras de arte e, até, para cumulo, roubar peças de valor.

A vida política entrou numa “normalidade” mais ou menos aceitável depois do 25 de Novembro de 1975, porque se encontrou o consenso sobre que tipo de democracia se pretendia seguir e, acima de tudo, porque se cortaram amarras com a extrema-esquerda. De seguida, começou a esboçar-se o desejo de fazer entrar Portugal no Mercado Comum Europeu e a chamar a atenção de como tal projecto poderia trazer vantagens para o país e para os trabalhadores.

 

É verdade que do começo da década de 1980 ao fim da de 1990 as transformações em Portugal foram de tal natureza que parecíamos estar a viver num outro país bem diferente daquele que existia nos anos de 1970. A abertura das mentalidades foi quase instantânea, embora, e talvez por isso, sem grandes fundamentos ideológicos nem aprofundamento de escolhas políticas. As populações passaram a votar (e cada vez em menor número) por simpatias nos candidatos e nas ofertas que faziam do que por análise consciente dos programas dos partidos e das campanhas eleitorais. A politização era um fraco verniz lançado sobre a ignorância de outros tempos herdada de quando pensar era proibido em Portugal. Assim, estalava ao menor contratempo, levando a que volatilidade dos votantes fosse constante, dando maiorias ora ao centro-direita e direita ora ao centro-esquerda. Escolhia-se onde votar como se escolhia o clube vencedor do jogo de futebol do próximo domingo, por palpite e simpatia.

Uma democracia sólida não se constrói desta forma; precisa de fundamentos de cidadania, de noções de política e de despir-se de preconceitos herdados do tempo do fascismo.

 

Na sequência da última crise financeira, das desgraças dos governos de José Sócrates e, do trauma conseguido com Passos Coelho, a “Geringonça” à esquerda, conseguida com o tacto de António Costa e da sua equipa, pareceu que tinha ensinado ao eleitorado e aos governantes o caminho certo a trilhar para alcançarmos a verdadeira democracia em liberdade. Foi mentira. Para defender a sua própria existência o PCP teve de impor demarcações e linhas vermelhas ao PS, o BE teve de se distanciar para reganhar personalidade política e a maioria absoluta socialista tornou-se naquilo que sempre foram os partidos do centro-esquerda à direita: oportunista.

A par desta reafirmação genética surgiu um novo fenómeno quase inesperado, mas que foi uma consequência dos bons entendimentos à esquerda: a fragmentação partidária da direita sem capacidade de entendimento, por ter surgido um novo desafio, que vai em linha com a tendência europeia e, de certo modo, americana e brasileira: um partido de extrema-esquerda com um discurso populista, radical e falsificador das verdades. Um partido que vai ao encontro da despolitização do tempo de Salazar e que a Democracia não soube destruir, politizando a sério o Povo.

 

A maioria absoluta do PS enveredou, como todas as maiorias absolutas em Portugal, pelos trilhos do descuido, que conduzem a uma suposta impunidade política, pois conta-se com a falsa politização democrática dos eleitores a qual releva tudo e tudo perdoa. Desta vez, o que está a acontecer é que, no remoinho tempestuoso da maioria absoluta, a oposição, incapaz de apresentar um projecto político, prende-se a todos os pormenores acidentais do Governo para lhes dar o mesmo valor destrutivo e, em apoio deste desmoronar do pouco que se vai construindo, estão os órgãos de comunicação social a servir de caixa de ressonância de um grupo político que, não se propondo construir nada, quer ver tudo arrasado. Tudo estaria correcto se à direita houvesse um projecto alternativo, mas não há nada para além de uma imensa confusão política. Curiosamente, no meio do descalabro, na linha da sua tendência de comentador, o Presidente da República, sem deixar de mandar recados para um lado e para o outro, consegue manter uma aparente tranquilidade que balanceia entre a correntes de ar da confusão política nacional. Não sei se outro, com outro perfil, seria capaz de ter o discernimento necessário para gerir esta ocasião.

De tudo, fica-me a pergunta:

‒ Para onde estamos a caminhar?

09.03.23

Lar de Terceira Idade ou Cela Prisional?


Luís Alves de Fraga

 

A recente notícia de num lar de terceira idade, na Lourinhã, as condições de vida serem altamente condenáveis, não só do ponto de vista sanitário mas, acima de tudo, moral, leva a interrogar-me sobre o negócio dos chamados “lares”, que, entre nós, salvo raras excepções, deveriam ter a designação de “casas para velhos”, pois a sua finalidade é essa mesma: depositar os velhos, tirando-os dos seus lares de família.

 

Mas será que a culpa é das famílias, é dos negociantes, é da Segurança Social ou vai muito mais longe?

É evidente que as entidades mencionadas são peças de uma engrenagem muito mais complexa e que só começou a existir de forma organizada no século XIX e explosiva no século XX, no chamado mundo ocidental (entenda-se Europa Ocidental, Estados Unidos da América e Canadá). Em Portugal, ganhou expressão significativa já só nos últimos cinquenta ou sessenta anos.

 

A necessidade de lares para terceira idade é uma consequência directa da necessidade ou desejo da mulher “dona de casa” se transformar em “mulher empregada”. Com efeito quando a mãe de família se ocupava da lida da casa, da primeira educação dos filhos e do apoio aos velhos, fossem pais ou sogros, os lares para idosos não tinham razão de ser; quando muito existiam os asilos para velhos sem família e desvalidos por completo, incapazes de pagar a quem deles cuidasse. Essa foi a realidade anterior ao apogeu da Revolução Industrial e da total implantação da sociedade capitalista. Os lares ou as, eufemisticamente, chamadas de Casas Repouso resultam desta extensão do trabalho fora de casa para as mulheres que, no passado, dependiam em exclusivo dos rendimentos do marido.

 

A sociedade capitalista gerou novas formas de cultura que, independentemente da análise crítica que deve estar implícita, levaram à alteração do modelo assistencial dos velhos, estabelecendo um paradigma que obriga o Estado a ter de tomar posição naquilo que era, no passado, do âmbito familiar.

Países houve, em especial os social-democráticos da Europa do Norte, onde a assistência aos idosos foi tida como exemplar, em estabelecimentos dignos dos maiores encómios, dada a comodidade e dignidade do fim de vida de quem contribuiu para a sociedade das formas mais diferentes. Em Portugal, ficámos muito distantes de tais modelos, entregando, quase em exclusivo, ao sector privado a exploração desse campo assistencial, facto bem demonstrativo da baixa consideração em que se têm os trabalhadores em geral, pois, ao chegarem ao começo do fim da vida, têm de ser descartados pela família, internando-os em “depósitos” de acordo com os rendimentos do agregado familiar, os quais ou são ilegais ou legalizados mas sem inspecção e exigência rigorosas.

 

Em quase todos os lares, invocando razões diversas e muitas vezes discutíveis, há horários para as visitas dos familiares, impedindo os internados em receberem o carinho ou o mimo daqueles de quem estão longe. São poucas ou nenhumas as actividades lúdicas para os velhos, quase não existem actividades ocupacionais, levando aqueles que já dependem da ajuda de terceiros a conviverem silenciosamente com a sua solidão, tornando os chamados “lares” em verdadeiras penitenciarias de uma vida vivida para o trabalho e para a família. Ali ficam, para um canto esconso e escuro da sociedade em vez de ocuparem os lugares mais destacados pelo muito que fizeram em prol de todos: família, empregadores, Estado e planeta Terra em geral.

 

O que se passou no lar da Lourinhã ocorre todos os dias na maioria dos estabelecimentos similares deste país e a culpa não é dos donos nem da sua ganância ou falta de zelo (claro que são os primeiros responsáveis), mas sim do Estado que não fiscaliza em constância estes estes lugares onde se “apodrece” mais rapidamente para ser despachado para a morgue e daí para o cemitério. A culpa é do Estado que deveria assumir para si a obrigação de acolher os velhos quando deixam de ser produtivos e se transformam no peso para o agregado familiar.

Um Estado, um povo e uma sociedade que não respeita os seus velhos não se respeita de forma nenhuma.

06.03.23

Reflexões sobre reflexões da Grande Guerra


Luís Alves de Fraga

 

Há tempos, no âmbito da Comissão Portuguesa de História Militar, o Tenente-General Mário de Oliveira Cardoso, antigo Presidente da Comissão Coordenadora da Evocação da 1.ª Guerra Mundial, proferiu uma conferência subordinada ao tema “Reflexões Sobre a Participação de Portugal na Grande Guerra”.

 

Antes de avançar tenho de recordar aos meus leitores que, nas Forças Armadas, existem dois métodos de nomeação para qualquer cargo: o da antiguidade no posto e o da escolha. Em abono da verdade, o mais comum é o primeiro. Deste modo, com aptidões ou sem elas, para o desempenho da missão avança sempre o mais moderno sem se olhar ao currículo… Não sabe, tem de aprender o mais rapidamente possível para ser capaz de estar à altura do lugar que vai ocupar. Este é um princípio implícito, desde há séculos, nas nossas Forças Armadas.

Pessoalmente, fui sempre contrário a este processo de nomeação, enquanto desempenhei funções de chefia na Força Aérea. Dou um exemplo.

Estive colocado na Academia da Força Aérea durante onze anos, tempo em que leccionei, entre outras disciplinas, a de História de Portugal. No Instituto de Altos Estudos da Força Aérea, a duzentos metros de distância, todos os anos, havia curso de formação de oficial general, dado a coronéis, e nele incluía-se um módulo de História de Portugal que era leccionado por um professor doutorado da Universidade de Lisboa ou de Coimbra a quem se pagava uma brutalidade por hora. Um licenciado não é um doutor, mas se esse licenciado leccionar a um nível de ensino superior, se calhar, tem competência para ensinar num curso de formação profissional militar, mesmo que seja frequentado por coronéis!

Como se vê, pelo menos noutros tempos, havia fortes pruridos em colocar no lugar certo um militar mais capaz, escolhido, em vez de se gastar dinheiro desnecessariamente.

Claro que, como já disse, o outro processo de nomeação é a escolha, mas, também, muitas vezes, ela não é feita em função do critério dos conhecimentos, mas de outros que ficam guardados no cofre de quem tem o poder de decidir.

 

Reconhecendo largas competências castrenses ao general Mário de Oliveira Cardoso, a verdade é que eu e muitos mais militares não fui capaz de descortinar a razão da escolha para ele presidir à Comissão Coordenadora da Evocação da 1.ª Guerra Mundial. Teve, naturalmente, de fazer como é hábito entre nós: desenrascar-se. Sem deslustre e com dignidade, conseguiu “levar a carta a Garcia”, coordenando, como era seu dever e obrigação.

 

Mas, pelo alongado tempo de duração do centenário (2014 a 2018), acabou por, ouvindo muitas conferências, colóquios, debates, lançamentos de livros, etc., apreender, muito por cima ‒ repito ‒ muito por cima, o que foi a problemática da participação de Portugal na Grande Guerra. E, assim, formou uma opinião assente nos “saberes” daqueles historiadores que, por qualquer motivo, mais lhe agradaram ou mais de próximo o influenciaram.

Passados que foram quase cinco anos sobre o fim das comemorações do centenário, ei-lo que aceita fazer uma conferência, que traduza a sua reflexão sobre a participação dos portugueses na Grande Guerra. É aqui que fez a má escolha! Poderia ter-se ficado pelo que foi o trabalho da Comissão, mas foi tentado a entrar, também, na polémica que divide, ainda, os historiadores: a da entrada na guerra!

Embora com toda a experiência do “curso intensivo” a que esteve sujeito durante a presidência da comissão; embora tentando distanciar-se das posições que geram a polémica, a verdade é que “se agarrou” a um dos historiadores que mais contestam a beligerância nacional e que, só por esse facto se afasta do conceito de História para se colocar no de juiz do passado. Julgar o passado não é fazer História; é, quanto muito, tomar posição no passado e distorcê-lo perante o presente e o futuro, porque, fazer História é, acima de tudo, EXPLICÁ-LO. Explicá-lo de modo a que seja compreensível, no presente, aquilo que determinou o ter sido como foi e não aquilo que deveria ser. É como se, em Medicina, um médico legista quisesse que o morto de enfarte do miocárdio tivesse morrido de apendicite, porque sofria do apêndice.

 

Quando o general Oliveira Cardoso se colou aos pontos de vista do Doutor António José Telo e os aceitou, sabendo que se trata de um dos mais críticos autores da beligerância nacional, tomou para si a argumentação daquele. E disse o que não era aconselhável que dissesse, exaltando o papel político de Sidónio Pais quer como figura pioneira do Estado Novo e da política corporativa quer como “anti-guerrista” que os factos e os documentos provam que foi.

Pena que tenha esquecido quem se esforçou por demonstrar, depois de muitos anos de pesquisa, que a beligerância foi, talvez, dos actos mais afirmativos de uma política de dignidade internacional praticados nos primeiros setenta e quatro anos do século XX, no nosso país.