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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

14.11.22

O PCP e a guerra na Ucrânia


Luís Alves de Fraga

 

Com a mudança de secretário-geral esperou-se que o PCP alterasse a postura em relação à guerra que assola a Ucrânia. Mera ilusão!

Quem tal espera é porque não conhece, pelo menos por estudo e observação ‒ já não digo de experiência feita ‒ o funcionamento do PCP.

Vou tentar dar uma ajuda a todos os que tiverem curiosidade e a todos os que condenam a atitude dos comunistas.

 

Diz o nosso Povo, “amigo do meu amigo, meu amigo é”, na sua generosidade e na sua ingenuidade, pois, se a frase já foi verdadeira e traduziu uma realidade, agora, creio, é absolutamente falsa. Contudo, posta na negativa a frase não deve ser tão falsa nos tempos que correm, na medida em que os inimigos do meu inimigo, meus inimigos são, simplesmente, porque estamos num mundo de egoísmos e de um “salve-se quem puder”.

 

Ora, a Rússia de hoje não corresponde politicamente em nada à URSS de ontem, podendo dizer-se que se encontra nos antípodas da ideologia prosseguida e defendida pelo PCP. Moscovo é, para os comunistas, a lembrança da capital do marxismo-leninismo e nada mais.

Mas, a prova de que a mudança de regime na Rússia não fez mudar os seus amigos e inimigos internacionais, está no facto de, Moscovo ‒ tal como Washington ‒ continuar a considerar os EUA o grande adversário a ter de conter à distância. Assim, torna-se evidente que, para a Rússia e para os EUA, a oposição não está nas ideologias políticas prosseguidas (isso é propaganda para enganar incautos) e sim nas teses geopolíticas de Mahan e de Mackinder: a luta pelo domínio dos mares e pela conquista da Eurásia e do heartland. Disto, a maior parte da população global quase nada sabe, para ser gentil e não dizer que é totalmente ignorante.

 

Deste modo, quem confunde os “alhos” do PCP com os “bugalhos” da Rússia comete um erro crasso do ponto de vista da estratégia e da política internacional. E, nestas coisas, os nossos comentadores televisivos, jornalistas e radialistas, que falam de tudo e de nada, são verdadeiros peritos.

Assim, há que passar às razões dos comunistas portugueses.

 

A lógica dos silogismos nem sempre os estabelece como verdadeiros, já que um cavalo por ter quatro pernas não é uma cadeira, nem um boi, nem um jacaré: um cavalo é um cavalo e uma cadeira é uma cadeira, embora ambos com quatro pernas.

Assim, o comité central do PCP não condena a invasão da Ucrânia por concordar em tudo com Moscovo, mas tão-só por concordar ‒ e as razões são diferentes ‒ que os EUA são o país que mais enfatiza o desenvolvimento do capitalismo e o apoia nas suas fases mais cruéis. A oposição aos EUA tem, para o PCP, um fundamento ideológico de matriz económica e social e nada passa por razões geopolíticas ou geoestratégicas ou, talvez melhor dito, estas complementam aquele, porque a Casa Branca se aproveita da sua superioridade militar para impor aos Estados que ideologicamente não se identificam com o capitalismo americano a sua doutrina imperial.

 

Esperar que a posição do secretário-geral do PCP seja de condenação pela invasão da Ucrânia, como se vê, era inverter a ordem ideológica do partido, porque, sendo a Rússia uma ditadura não se comporta imperialmente do ponto de vista da ideologia capitalista e a Ucrânia tendo tiques de ditadura, subjuga populações que querem fazer opções autonómicas e independentistas, facto que leva, também por razões ideológicas, o PCP a opor-se-lhe.

Temos, por conseguinte, motivos que levam o PCP a não alinhar com a posição de todos os restantes partidos de Portugal, que, sem dúvida, aceitam o imperialismo estadunidense. Assim, esclarece-se o que os nossos jornalistas e comentadores deviam explicar para que fosse compreendida ‒ mesmo que não aceite ‒ a posição comunista, mas, é claro, o anticomunismo natural no nosso país, como herança do fascismo, leva à condenação e baralhação daquilo que não é nem misturável nem baralhável.

Pessoalmente, não defendo nem acuso as tomadas de posição dos partidos e das pessoas sobre esta guerra, simplesmente gostaria que essas tomadas de consciência resultassem de fundamentos bem conhecidos e bem explicados e não como resultado de opções emotivas e, menos ainda, ignorantes.

12.11.22

As papoilas vermelhas


Luís Alves de Fraga

 

No dia de ontem (11 de Novembro), há quatro anos, estava em Paris a fazer a conferência de abertura de um colóquio sobre Portugal e a Grande Guerra, na Sorbonne. Quando comecei a falar ainda não eram onze horas, nem pouco mais ou menos… Era muito mais cedo. Não havia papoilas, tanto mais que essa tradição é de matriz inglesa. Mas falou-se da Grande Guerra, da razão de Portugal lá estar e, mais do que tudo, do que representou a nossa participação no conflito.

Na verdade, expliquei que, para além de ser um dever darmos o nosso auxílio aos Aliados, fomos para a guerra para marcar posição política e diplomática nos acontecimentos que a Europa e o mundo estavam a viver desde 1914.

E, creio, vem a propósito falar da situação da Europa no momento que passa para, se possível, tirar ilações que nos levem a compreender a actualidade europeia e, de certa forma, mundial.

 

É comum dizer-se que Portugal entrou na Grande Guerra para defender as suas colónias. Esta é uma meia verdade, porque não se podia dizer, em 1916, a verdade toda. Já aqui começa a semelhança com o presente: diz-se que a Rússia invadiu a Ucrânia, o que, sendo verdade, é só uma parte da mesma.

A outra parte que se não disse em 1916 é que em Lisboa se sabia que, de um momento para o outro, Londres estava disposta a negociar a paz ou o cessar-fogo com a Alemanha, dando como contrapartida as colónias de Angola e de Moçambique, pelo menos, a Berlim. Isto só seria evitável se Londres convidasse Portugal a entrar na guerra, tornando-se Portugal uma potência combatente, ficando assim com direitos de indemnização por parte da Alemanha ou seja, invertendo a situação. Na actualidade é Washington quem leva a Ucrânia ao desafio da Rússia, para os EUA, por interposto Estado, se baterem com Moscovo. As perdas territoriais, havendo-as, para se chegar a uma situação de cessar-fogo, serão pagas pela Ucrânia.

 

Nos conflitos militares ninguém quer ficar com o ónus do ataque inicial, daí que o Kremlin se refira à invasão da Rússia como uma “operação especial” que, realmente é, se olhada pelo prisma de Moscovo ou seja, para defender uma parte da população ucraniana que se identifica com a Rússia, fez desencadear uma espécie de acção policial de apoio ao russófilos do Leste da Ucrânia, facto que não atenta contra o Direito Internacional, porque quem está a colocar em risco essa parte do território é Kiev, que reprime o direito à escolha dos russófilos ucranianos. Mas esta argumentação esconde uma outra: a vontade da Ucrânia fazer parte da NATO, permitindo que a Rússia fique cercada por todos os lados por forças daquela aliança dita defensiva.

 

Também aqui há uma ténue semelhança com o que se vivia em Portugal no começo da Grande Guerra.

Portugal estava a ser tutelado pela a Inglaterra, no tempo da jovem República, tal como já vinha sendo desde a Monarquia. Era uma tutela que fazia de Portugal um Estado vassalo ou protectorado do Reino Unido. Também, na actualidade, os Estados europeus, com especial incidência nos da União Europeia, são militarmente tutelados pelos EUA e, por isso, vêem-se obrigados a apoiar a política definida pela Casa Branca, mesmo não querendo. É aqui que está a divergência entre a diplomacia de Lisboa nos anos de 1914 a 1916 e a da União Europeia dos nossos dias, pois Portugal manobrou diplomaticamente para sair da tutela britânica e Bruxelas aprofundou e aprofunda, cada vez mais, a tutela lançada por Washington sobre a União.

 

Fui eu quem, pela primeira vez desmontei a chamada “verdade oficial” da nossa beligerância, em 1990, na minha tese de mestrado em Estratégia, demonstrando as verdadeiras razões da intervenção na guerra e, talvez não sendo o único, neste momento, demonstro que a estratégia da União Europeia está a caminhar ao arrepio daquilo que seria mais conveniente para os Estados europeus: estabelecer um distanciamento do conflito russo-ucraniano, levando os EUA a assumirem por inteiro as suas responsabilidades no conflito que estão a travar com a Rússia envolvendo toda a Europa na salganhada que o Pentágono delineia para vantagem dos EUA e desvantagem da Europa e, em especial, da União Europeia. No momento, o melhor exemplo daquilo que defendo como estratégia para a Europa, é-nos dado pela Turquia, que, sendo um país integrante da NATO, mantém canais abertos para entendimentos com Moscovo e com Washington.

 

É por falta de capacidade diplomática e de unidade de entendimento na Europa que, no futuro próximo ou distante, haverá mais uns largos milhares de papoilas vermelhas, simbolizando os mortos de uma guerra que poderia ser evitada ou minimizada. Mas os governantes estão-se nas tintas para os mortos nas guerras, desde que eles lhes sobrevivam e, se possível, com aplauso das populações.

11.11.22

Uma nova Constituição?


Luís Alves de Fraga

 

Pronto, em cada dia, a oposição lança um tema novo para entravar a governação ou para provar que esta maioria socialista pode estar podre como a madeira velha carcomida pelo bicho. E ainda não se discutiu o Orçamento, já estão na baila casos de dúvida sobre comportamentos éticos de certos governantes ou o “menino” acabadinho de concluir o curso de Direito e que já é assessor a ganhar cerca de quatro mil euros mensais ou este outro que foi registado arguido num caso com anos. Tudo de enxurrada para empanturrar o eleitor de modo a criar uma sensação de desagrado.

É evidente que nada disto é por acaso. Há, por muito ténue que seja, uma linha estratégica política, pois o Governo é olhado como um adversário e não como “empregados” de todos nós cuja obrigação é zelar pelos nossos interesses.

Na verdade, também não sei se zelam pelos nossos se pelos seus interesses! Mas que deviam zelar, lá isso deviam e, então, a oposição teria como objectivo apurar a forma de trabalhar dos governantes e jamais empecilhar-lhes o caminho. Neste particular aspecto distingue-se um grupo parlamentar assaz aguerrido, mas não mais do que isso: o Chega.

 

É tal a oposição por ele desenvolvida que até põe os outros partidos contra si, dando-lhe a oportunidade de ser o mais badalado e, assim, de badalada em badalada, há-de chegar a segundo grupo parlamentar pois o “Zé Pagode” cai no “engodo” destes colocadores de armadilhas políticas e, em próximo acto eleitoral, vá de dar votos ao “menino refilão”, que diz o que toda a gente queria, com ignorância e arrojo, dizer no Parlamento! Esperemos que eu esteja errado no presságio.

É, mais uma vez, o Chega quem altera a agenda da revisão constitucional e, por causa dele, o PS e o PSD, verdadeiros motores da modificação constitucional, pois só eles formam os dois terços regulamentares, têm de começar trabalhos que poderiam ser feitos lá mais para a frente, na legislatura.

 

‒ Mas que alterações se podem e devem fazer?

Em princípio, António Costa deveria saber muito bem quais as áreas que são convenientes mexer, pois a experiência de ter governado, no primeiro mandato, com o apoio da esquerda será um excelente indicador das necessidades sentidas pela maioria da população mais carente do país. Mas isso seria rumar para a esquerda, segundo a opinião de Luís Montenegro que, por seu turno, se vai bater pela liberalização da economia, nomeadamente pela paridade entre o SNS e a actividade hospitalar privada e, já aqui tem de haver cedências, que, quase pela certa, vão pender para o lado da direita, porque o PS, para calar ou tentar calar a esquerda, vai bater-se por direitos adquiridos que não trazem pão para a boca dos portugueses, porque o verdadeiro cerne de toda a questão é de natureza económica: a Constituição não pode nem deve descambar mais para a direita, para a liberalização da economia, nem pode permitir perda de dimensão do Estado, porque o grande patrão e empregador, em Portugal, sempre foi o aparelho estatal por falta de indústrias e ou por excesso de agricultura ou, agora, por carência de agricultores.

Assim, se não é ao trabalho que o Estado deve ir buscar rendimentos para pagar a sua parte de patrão, tem de incentivar a economia nas áreas em que ela pode ser fiscalmente rentável para ter como saldar salários com alguma dignidade.

 

Portugal não é um país fácil de governar, porque é pobre, mas deseja comportar-se como rico, exigindo do Estado aquilo que deveria ser pago por quem explora o nosso sol, a nossa cozinha, a nossa hospitalidade e a nossa mão-de-obra acessível. Mas, quando se quer taxar essas áreas, “aqui del’rei” que nos estão a espoliar de forma a não termos pão para a boca!

Depois acresce que, em Portugal, se alguém (nacional ou estrangeiro) tem êxito numa actividade económica, em nome da liberdade de oportunidades, todos vão copiar o “ganhador” e aquilo que chegava para um dois ou três serem taxados fiscalmente de maneira eficaz, quando distribuído por muitos, não pode sofrer a mesma carga.

 

Tudo isto estará previsto na Constituição, desde que se queira compreender o país que somos e que temos e, ao mesmo tempo, se queira remediar males e entorses vindas de muito longe. Só tendo como finalidades tais objectivos se justifica uma revisão constitucional. De contrário é gastar tempo, saliva e paciência.

Que o “santo das constitucionalidades” (haverá no nosso panteão?) ilumine as mentes dos deputados e dos governantes.

10.11.22

A grande contradição


Luís Alves de Fraga

 

Quando, em Filadélfia, se proclamou a independência dos Estados Unidos, e se fundou uma República em oposição a uma Monarquia, residindo no Povo o direito de se governar segundo a sua vontade, estava-se a dar forma, ainda que imperfeita, a uma democracia que, séculos depois, por si própria, sem que o resto do mundo fosse parte activa nesse processo, se alcandorou ao modelo correcto e único de tal sistema político. No entanto, não era nem único nem correcto, mas deixemos que os estadunidenses acreditem no contrário.

Acreditem, porque, nos dias que correm, ainda fazem gala na sua democracia que desejam exportar para o mundo, e, contudo, é uma democracia cheia de contradições, tal como o veio demonstrar um tal Donald Trump, de ascendência alemã. Foi Presidente, o pior de todos, desde a independência, pois foi aquele que mais atentou contra a Constituição, que teimam em manter quase igual à original (será para se assemelharem à velha Inglaterra, donde se desprenderam?).

Trump assistiu impávido ao assalto popular ao edifício do Capitólio, na mais ousada e despudorada manifestação de barbarismo político de gente enraivecida, que ele havia incitado à revolta. Nesse dia, moralmente, os EUA igualaram-se a qualquer pseudo democracia, daquelas onde o povo é comparável a um rebanho de carneiros ou a uma manada de bois tresloucados. E a onda raivosa continuou e continua ainda que mais amansada.

 

Os resultados das eleições para governadores de Estados e para as câmaras representativas do poder popular não resultaram naquilo que Donald Trump e os seus apoiantes esperavam, mas também não constituíram o retorno ao antigamente; foram um meio-termo que só veio deixar mais a claro aquilo que quem quiser ver verá: a contradição entre querer ser o exemplo de democracia e a realidade de um povo a descambar para o populismo, que antecede a ditadura evidente ou disfarçada.

O Presidente Biden bem tenta esconder as brechas que se estão a abrir nos “costados” daquela “arca de Noé” que dá pelo nome de EUA. O que menos existe nesses Estados é união; há raiva e ignorância, há ranger de dentes e ódios bem latentes. A única união que por lá existe é dizerem-se uma nação fiel a uma bandeira, mas, também isso é mentira: o Sul continua a exibir a sua em oposição à das tiras e estrelas; continua a detestar os negros e a desconhecer-lhes direitos; continua-se a absolver o uso individual das armas de fogo tal e qual como se o “Far West” estivesse em cada esquina de Nova Iorque ou de S. Francisco ou de Chicago.

 

A grande contradição americana não pode ser a defensora da aparente democracia ucraniana nem pode ser a acusadora da ditadura russa. Só o é, porque a moral internacional está sempre nos silos dos mísseis nucleares e na boca das peças de artilharia dos militarmente mais poderosos. E os EUA são, por enquanto, os mais poderosos, aqueles que ainda assustam o mundo com a ideia de poderem fazer uma guerra que destrua todos os Estados e os deixem incólumes para exercerem o poder imperial como lhes aprouver. Esta é a grande contradição que está à vista de todos nós, mas são poucos os que a vêem com olhos de ver. Infelizmente, coerência e moral são atributos dos homens, todavia não fazem parte do léxico das relações internacionais.

09.11.22

Cuidado, eles andam por aí!


Luís Alves de Fraga

 

A Legião Estrangeira mais conhecida é a francesa, contudo, muito próximo de nós há uma outra, a espanhola. Em tudo assemelha-se à francesa, pois foi decalcada daquela, em 1920, por inspiração do major José Millán-Astray Terreros, que a comandou primeiro. Apoiou-o, na ideia, aquele que viria a ser o generalíssimo Francisco Franco, ditador de Espanha e vencedor da Guerra Civil.

 

Era uma força onde quem nela se alistava nada tinha de contar sobre si, podendo dar um nome falso, uma idade diferente da que realmente tinha, contrafazer a sua nacionalidade e esconder um passado cheio de crimes. Ninguém perguntava nada a ninguém; havia um contrato para cumprir e, durante esse tempo nem podia desistir, nem fugir, porque seria perseguido ferozmente pelo Estado espanhol, sendo-lhe, depois de capturado, aplicada uma punição exemplar.

Millán-Astray criou uma mística legionária onde o estar vivo era de menor importância do que estar morto em consequência de combate heróico.

A Legião Espanhola foi, desde a sua fundação, em Marrocos, a força de elite do Exército de Espanha nas lutas para a sustentação da colónia e, depois, dos territórios que foram ficando na posse de Madrid.

Durante a Guerra Civil de Espanha, comandada superiormente por Francisco Franco, foi a tropa mais famosa e mais terrível dos nacionalistas. Nesses anos atingiu o auge dos seus efectivos e, talvez, da sua ferocidade.

 

Millán-Astray foi e, de certo modo, ainda é o criador da mística legionária, capaz de transformar trânsfugas em militares de elite, que estavam e estão dispostos a arriscar a vida, perdendo-a, para cumprir uma missão que, mesmo suicida era tentada. Este homem, ferido várias vezes em combate, perdeu o braço esquerdo e o olho direito; era um destroço humano, mas com total desprezo pela vida, ao ponto de estabelecer como um dos gritos de guerra da Legião Estrangeira Espanhola a frase, sem sentido, “Viva la muerte”, que, em si mesma é uma contradição.

Este general, na Guerra Civil, já desligado do exercício activo da profissão castrense, tornou-se num dos mais ferozes apoiantes de Francisco Franco, propondo que lhe fosse reconhecido o título de Caudilho de Espanha. A sua acção propagandística notabilizou-se impondo a causa nacionalista numa Espanha profundamente dividida.

Foi com ele que se passou um dos episódios mais controversos da Guerra Civil e sobre o qual, creio, já aqui escrevi.

Passou-se em Salamanca, na secular universidade, quando Astray lançou o grito de guerra da Legião seguido de uma invectiva difícil de aceitar na “catedral” do pensamento humanista de Espanha: “Viva la muerte, abajo la inteligencia”. Miguel de Unamuno, um extraordinário pensador e filósofo basco, reitor da universidade, teve de dar-lhe a resposta adequada colocando o general na posição que devia ter na escala dos valores da humanidade: uma mera ruína física sem mais na mente do que o amor por aquilo que é o terror de todos os homens: a morte. Isso valeu-lhe a prisão domiciliária.

 

Pois bem, ontem, o presidente da Câmara Municipal de Madrid inaugurou uma estátua dedicada “ao legionário”, a qual é, antes do mais, um elogio a José Millán-Astray, fundador da Legião Estrangeira Espanhola.

Mais do que uma estátua, sejam quais forem as dívidas de Espanha à sua Legião, trata-se de um monumento onde também, implicitamente, se homenageia o homem que ofendeu a Ciência e o Saber e os soldados que mataram republicanos sem qualquer pinga de dó ou piedade. Esta estátua é, sem dúvida, uma homenagem às forças da reacção democrática e à democracia que ainda se vive em Espanha.

 

Cuidado, porque há males que com a proximidade física se contagiam com imensa facilidade e, contra eles, não há máscara que nos resguarde. Eles andam por aí!

08.11.22

A grande hipocrisia


Luís Alves de Fraga

 

No Egipto estão reunidos os representantes de quase todos os países do mundo para discutir a salvaguarda do planeta, que corre riscos climáticos muito sérios, devidos ao efeito de estufa.

Estamos todos, mas todos, perante o mais completo acto de hipocrisia que aconteceu nestes tempos mais próximos. E isso resulta do facto de quase todos os representantes baterem com a mão no peito em acto de contrição, prometendo para daqui a alguns anos acabar com as indústrias que poluem, que destroem a camada de ozono, que tornam irrespirável o ar que nos circunda, que provoca doenças graves, que, que, que… e todos nós sabermos da impossibilidade de mudar de paradigma produtivo se se mantiver o sistema de suprema concorrência e consumo. Isto é qualquer coisa como, por exemplo, querer acabar com o crescimento da população mundial e não se passar a usar um sistema de castração masculino e feminino, que impeça a reprodução, pelo menos, em certas percentagens. O exemplo é propositadamente chocante para se perceber a importância da mudança de modelo produtivo.

 

Vamos lá tentar explicar que, enquanto houver concorrência entre fabricantes e consumidores, os níveis de poluição e de alteração climática continuarão a ser os mesmos ou pouco menos ou pouco mais, porque a nossa sociedade visa especialmente o consumo e este tem mecanismos que convém serem olhados para serem desmistificados.

O consumo passa, necessariamente, pela compra dos produtos e estamos a falar de produtos não essenciais à vida. Ora, o que mais abunda para ser comprado e vendido são estes últimos, os não essenciais.

E como é que se consegue essa abundância, que tem de ter, na origem, uma necessidade? Através de duas acções conjugadas: a mudança de aspecto ou de modelo do bem de consumo e o aparente aumento da necessidade ou seja, da moda e da publicidade.

 

Por mais voltas que se dê, transformando a energia “suja” em energia “limpa”, nunca se conseguirá acabar com um ciclo de produção que rapidamente fica obsoleta e carece de ser substituída. Tal substituição dá origem ao aumento de desperdício, de lixo que, sejam quais forem os processos, jamais se conseguirá a total reciclagem. É ver as sobras de consumo que são transferidas dos países ricos para os países pobres e percebe-se que estamos perante um flagelo.

Façam as cimeiras sobre as mudanças climáticas que quiserem e nada mudará, porque se está a “atacar” o problema pelo lado errado.

 

As políticas a adoptar têm de ser orientadas para a redução da mudança e para o fim da criação de necessidades ou seja, tem de se passar a fabricar para durar (o que equivale a dizer, para resistir ao desgaste) e tem de se acabar com a publicidade (o que equivale a dizer, acabar com a invenção de novas necessidades).

Está provado que as inovações tecnológicas de um mesmo produto só têm interesse para gerar a sensação no consumidor que ele está a ser ultrapassado e que isso é mau, que isso é estar fora dos padrões sociais.

Nos séculos XIX e XX o nível de desperdício era muito mais reduzido, porque se fabricava para durar e a moda (todo o tipo de moda e não só a moda no vestuário) variava com muito menos frequência do que na actualidade; um automóvel era feito para durar vinte anos ou mais; um aparelho de radiotelefonia avariava-se e reparava-se, não se deitava fora; uns sapatos não se destinavam a uma só estação do ano, nem a um só ano; uma máquina fotográfica existia para durar uma vida; o mesmo com os aparelhos telefónicos, as mobílias, as casas, os adornos e a decoração de interiores; as meias de homem eram cosidas; as de senhora (as chamadas “de vidro”) quando caía uma malha havia quem a repusesse; e tantas, mas tantas, formas de manter em uso o que se tinha em vez de deitar fora.

 

Se realmente se quer salvar o planeta inverta-se a ordem de “ataque” do problema. Não é no lado da produção que se deve mexer, é no modo de produção e no modo de venda ou de consumo.

Claro que, uma tal mudança, conduz à alteração dos padrões a que a sociedade de consumo nos habituou, mas essa mudança vai beneficiar mais gente e de uma forma mais saudável e mais duradoura. Acima de tudo, vai beneficiar a Terra, a tal “casa comum” de todos nós.

É tempo de acabar com hipocrisias e quem está ou esteve no Egipto, nessa cimeira pseudo salvadora, sabe perfeitamente o que acabei de escrever… Mas os interesses financeiros em jogo não permitem a salvação de todos nós.

Ao menos, tenhamos consciência de que estamos a ser enganados!

07.11.22

Jerónimo de Sousa


Luís Alves de Fraga

 

Já está decidida a substituição do actual secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa. Os órgãos de comunicação social dão um extraordinário relevo ao facto. Tudo parece diferente do que se se tratasse de um outro líder político. Só que Jerónimo de Sousa não é um líder político; é o porta-voz de um colectivo onde as decisões são tomadas e é ele quem empresta a voz e a figura para as comunicar e bater-se por elas. Muita gente confunde o PCP com o PCUS e a já não existente URSS onde o secretário-geral era o ditador de todo o sistema. Além do mais, já não existe União Soviética, nem Internacional Comunista; agora, cada partido que se reclame do marxismo-leninismo gere-se a si mesmo e segundo aquilo que julga serem os princípios doutrinários que podem levar à mudança de regime, de sociedade e de democracia.

 

Carlos Carvalhas com Jerónimo de Sousa foram os sucessores de Álvaro Cunhal, sendo que o primeiro, tomou posse do cargo em Dezembro de 1992, ou seja, um ano depois do desaparecimento da URSS e há que perceber esta sucessão de secretários-gerais.

Sendo o PCP um partido de massas e de classe orientado, originalmente, para o proletariado e, na actualidade, para os trabalhadores em geral ‒ deve entender-se, neste contexto, por trabalhadores aqueles que auferem baixos salários ‒ conteve em si mesmo uma profunda contradição durante as três últimas dezenas de anos da existência da URSS: de 1961 a 1992 o secretário-geral não era nem operário nem trabalhador manual nem descendente de tais grupos sociais: era um licenciado em Direito, com uma boa classificação na tese final de licenciatura (na época ainda existia essa modalidade de conclusão dos cursos), filho de um advogado endinheirado. O PCUS tinha, então, uma forte influência no comité central do partido e “indicava” (leia-se, impunha) aqueles que deveriam ser figuras de destaque dentro do PCP.

Quando Álvaro Cunhal, por força da idade e da doença, tem de abandonar o cargo, seguiu-se-lhe, na contradição, Carlos Carvalhas, antigo estudante de Economia, com licenciatura nesta matéria (mais tarde doutorou-se em Sociologia) com ligação ao operariado metalúrgico e à CUF (Companhia União Fabril, um dos maiores grupos financeiros e industriais do Portugal antes de 1974). Foi secretário-geral no período de 1992 a 2004, data em que, finalmente, a contradição se desfez, pois de origem, Jerónimo de Sousa é operário metalúrgico, nascido numa família humilde e de trabalhadores braçais.

 

Era necessária esta explicação para se perceber a “lógica” das sucessões no cargo, pois, sendo a origem de classe diferente da dos ideais do partido havia uma natural entorse da maneira de estar e de proceder dos secretários-gerais. Essa entorse acabou com Jerónimo de Sousa que, ao falar em nome dos trabalhadores, sabia do que falava, mas falava também de uma outra realidade distinta da que foi vivida por Cunhal e Carvalhas, visto a sua adesão ao PCP ter ocorrido já em 1974, um tempo de liberdade em Portugal, e de ter representado um partido cujas raízes já não mergulhavam na “terra” do PCUS nem da URSS. Quer se queira ou não, o PCP pós-URSS foi e é um PCP diferente. É um partido que se governa por si mesmo e desligado de orientações externas; é um partido muito mais português, arrisco-me a dizer, muito mais nacional do que qualquer dos outros, pois os restantes encontram ligações e legitimações internacionais que o PCP só tem se aceitar parcelas de identidade ideológica com alguns partidos pró ou pré comunistas existentes no mundo de hoje. Na realidade a social-democracia é internacional, tal como é o neoliberalismo e, até, o populismo de certos partidos da “nossa praça”. O PCP é um partido marxista-leninista sem outras âncoras que não sejam as que o ligam à ideologia exposta por Marx e levada a cabo por Lenine. E, a este propósito, temos de distinguir entre a teoria, a doutrina e a práxis desenvolvida, na URSS, em especial no período estalinista e pós-estalinista. Eis, provavelmente, a razão que leva o comité central do PCP, após o quase total desaparecimento da geração que viveu, em simultâneo, a perseguição fascista de Salazar e a ditadura estalinista e pós-estalinista, a escolher para secretários-gerais operários e não intelectuais convertidos à vivência proletária, que fazia algum sentido quando o partido era para os trabalhadores e agia doutrinariamente como uma ditadura incapaz de se entender com partidos burgueses (segundo a terminologia do próprio partido). E a melhor prova do que acabei de afirmar está na sincera, leal e frontal aliança que deu pelo nome de “Geringonça”.

Com a nova eleição do novo secretário-geral prova-se que o partido está em mudança, mas sem os desvios ideológicos tão desejados pelos restantes partidos do leque democrático da nossa democracia, que ao querer tal alteração mais não quer do que acabar com o PCP na sua forma original. Devo acrescentar que, na minha opinião e na de muitos outros analistas políticos, só neste formato ideológico é que o Partido Comunista é útil à nossa democracia pluripartidária e multi-ideológica. É desta oposição que Portugal carece.

 

Se tivermos a capacidade de saber olhar e interpretar o PCP com imparcialidade e sem preconceitos, tal como tentei fazer antes, percebemos que não é o partido que está a atravessar uma crise, mas em crise está a sociedade portuguesa (arrisco-me a dizer, internacional), porque vem descaindo da “rota de navegação”, segundo uma deriva que coloca a democracia em fase de mudança ideológica, enquanto o PCP continua fiel à sua posição anti-imperial que vê na política externa dos EUA o real perigo da e para a democracia. Do PCP sabemos aquilo com que contamos, mas de Washington desconhecemos quase tudo, como se comprova com a presente guerra entre a Ucrânia e a Rússia.

Se é certo que o PCP não vai dar lições de democracia liberal aos restantes partidos nacionais, a verdade é que, ao ser, como é, um acérrimo defensor da Constituição Política da Nação, defende a pluralidade partidária e, deste modo, a democracia na sua forma mais pura. E é isto que a grande maioria dos anticomunistas primários do nosso país são incapazes de ver e, muito menos, de compreender.

04.11.22

Um pedaço no alto da “pinha”!


Luís Alves de Fraga

 

Vai um turista ‒ bem sei que já não é época de turismo de massas, mas… ‒ por “Las Ramblas”, em direcção à Plaça Catalunya, e, zás, leva com um pedaço, que até pode não ser grande (e nem grande coisa) de foguetão chinês no alto da “pinha”. Depois de rachado ao meio, lá segue ele, sem apelo nem agravo, direitinho aos anjinhos (bons ou maus, dependendo do comportamento do turista), pesando mais uns gramas. Valerá a pena fazer dieta?

 

Não, não me “passei” do juízo! O facto é que foi anunciado que um foguetão chinês, saído do controlo terrestre (eu sempre disse que a produção chinesa era de má qualidade ainda que barata ou, por isso mesmo, barata e de má qualidade!), se vai desfazer, estando prevista a queda de pedaços do foguetãozito na Espanha, mais em concreto na costa Leste da Península. E é para hoje. Os espanhóis até interditaram o espaço aéreo!

Pode brincar-se com coisas sérias, tal como comecei por fazer, mas que o assunto merece cautelas, disso não tenho dúvidas. É que, meus amigos, em relação ao avanço da ciência, o Homem não tem emenda e, ainda por cima, é de uma incoerência total. Se vos não falecer a paciência para acompanhar o meu raciocínio, verão a razão que me assiste. Vamos a isto?

 

No século XIX, em plena Revolução Industrial, ao entrar na carruagem do comboio, a primeira coisa que o cidadão cauteloso fazia era fechar a janela. Fechá-la bem, porque com a fumarada da chaminé da locomotiva lá vinha uma faúlha direitinha ao olho do passageiro e era incómodo pela certa, para além de que o cheiro a carvão queimado, com o respectivo fumo, empestava as roupas de toda a gente.

Que grande invenção foram os caminhos-de-ferro, mas eram poluentes em todos os sentidos. Vieram as fábricas, depois, em abundância, os automóveis e as centrais eléctricas a carvão, a água, a energia nuclear e os plásticos e mais tudo aquilo que a Natureza rejeita desfazer, absorver ou reciclar. Chegámos aos dias de hoje em que as criancinhas, bem-educadas na escola, massacram os pais com a necessidade de separar o lixo e de não poluírem o ambiente que é de todos nós. Que bonito! Que consciencialização! Até quase me chegam as lágrimas aos olhos com tanta cautela com o nosso planeta, a nossa casa comum!

 

Ora, desculpem-me a vernaculidade, e se fossem todos à merda! À merda, sim senhor!

‒ Porquê? Pela simples razão de que, sem tirar nem pôr, estão a repetir, de um modo diferente, os erros da Revolução Industrial, do comboio a vapor e das fábricas altamente poluentes. Só que, agora, em vez de poluírem a atmosfera, andam a poluir a estratosfera!

É que satélites da Terra não são só a Lua e todos aqueles que fazem bip-bip ou qualquer coisa semelhante, que localizam e fotografam a vida íntima de todos nós, começando pela nossa rua até chegar à cor do nosso fato. Não! Satélite é toda a porcaria que anda à volta da Terra e que não chega a entrar na área gravitacional que nos leva a andar com os pés no chão em vez de voar em saltinhos de ballet. Porcaria é todo o tipo de coisas que se desfez para colocar em órbita aquilo a que se chama satélite, é tudo o que polui o espaço que vai do fim da atmosfera até ao infinito e que lá foi posto pela vontade do homem.

Ora esta é a maior contradição que se pode imaginar: toca de limpar a Terra de toda a porcaria que polui e vamos pôr em órbita toda a trampa que julgamos necessária para “dar bem-estar” aos homens, mas que, “por mero acaso”, também serve para fazer guerras e para destruir casas, ruas, cidades e vidas. E lá está o foguetão chinês a correr atrás do americano, do russo, do coreano do Norte, do inglês e do francês e de mais todos os que conseguirem atirar para esse infinito assustador, mas eterno, onde a nossa Terra navega há milhões de milhões de anos.

 

Era bom que os papás tomassem consciência de tudo isto e mandassem recado para, nas escolas, ensinarem aos professores que temos de poupar a Terra cá em baixo e o espaço onde ela flutua graças aos seus movimentos rotativos… Por mim, dispenso o GPS e as fotografias do Google Maps e, se calhar, muitas mais coisas! Nasci no tempo dos comboios a carvão e eléctricos e do telefone ainda com as meninas das centrais a fazerem as ligações para as casas que tinham tais aparelhos…

 

P. S. À hora em que acabei de redigir esta crónica, os americanos (só podiam ser eles!) já avisaram que o foguetão chinês caiu no Oceano Pacífico. Não sabemos é quantos tubarões mandou ter com Neptuno!

03.11.22

Queipo de Llano


Luís Alves de Fraga

 

Para muitos dos leitores desta crónica o nome que está em título nada lhes diz, mas, então, comecemos pelo fim.

Esta madrugada, da basílica da Virgem de Macarena, em Sevilha, foram exumados os cadáveres do tenente-general Queipo de Llano e da sua mulher para serem sepultados algures em cemitério mais recatado e pouco ou nada conhecido. A medida foi tomada em concordância com a chamada “Lei da Memória” que proíbe que estejam sepultados em templos ou lugares públicos com grande destaque os responsáveis por assassinatos durante a Guerra Civil e o franquismo em Espanha.

 

O general foi um dos conspiradores contra a República e que, apoiando Franco, conquistou Sevilha, sendo responsável pelo assassinato de 45.000 prisioneiros, que estão sepultados em valas comuns. Depois foi comandante militar de toda a Andaluzia. Quis disputar o poder a Franco, mas acabou marginalizado. Quando morreu, em 1951, foi autorizado o sepultamento do seu cadáver, devidamente embalsamado, na basílica da Virgem da Macarena, um dos últimos bairros de Sevilha a render-se aos nacionalistas.

Deve dizer-se que Queipo de Llano serviu a Monarquia contra a qual se rebelou, o que lhe valeu ser desgraduado e ser preso. Depois foi fiel à República, voltando às fileiras militares e chegando a ocupar um cargo de certa responsabilidade junto de um dos Presidentes de Espanha. De novo se revoltou para se colocar ao lado de Francisco Franco. Era, por conseguinte, aquilo que em bom português se chama, “um vira-casacas”.

Durante os três anos que durou a Guerra Civil ‒ uma barbaridade que, “convenientemente”, a Europa e o mundo já esqueceu ‒ arengou diariamente aos microfones da rádio de Sevilha, que, pela sua potência, era escutada em quase toda a Espanha, fazendo propaganda contra os republicanos, que apelidou de traidores, de perigosos vendedores da pátria, enquanto, exaltando os ânimos, aconselhava à denúncia e fazia equivaler a revolta nacionalista a uma cruzada religiosa contra o comunismo e o anarquismo. Por isso, para além de um criminoso, Llano foi um instigador de ódios, de vinganças e de denúncias quase sempre infundadas.

Recordo a história que li algures, há muitos anos, sobre o fuzilamento, em Badajoz, de um pobre homem que foi preso pelos nacionalistas simplesmente porque apresentava mais coçado o tecido do casaco, no ombro do lado direito. Alegavam os algozes, que ele usava a espingarda pendurada daquele lado; replicava o desgraçado que a sua profissão era a de cobrador de bilhetes nas camionetas e o coçado se devia ao roçar do cabedal da bolsa dos trocos. Foi fuzilado. Assim se agiu em Espanha, mesmo aqui ao lado, por causa de todos quantos instigavam ao crime e à vingança. O general Queipo de Llano foi, talvez, o pior de todos eles.

 

Na basílica da Virgem da Macarena, local e santa de grande devoção dos sevilhanos, passa-se a poder elevar os pensamentos ao Alto sem que sejam conspurcados com a presença do cadáver e a lembrança de um criminoso de guerra, que ali repousava para a suposta eternidade. Os fiéis ficam livres da sombra tenebrosa e assustadora do “pacificador” de Sevilha e da Andaluzia.

01.11.22

A nova estratégia russa


Luís Alves de Fraga

 

Na Ucrânia prepara-se um Inverno rigoroso, porque a Rússia mudou, uma vez mais de estratégia.

Como sabemos, uma estratégia tem, por norma, um objectivo muito bem definido e pode mudar quantas vezes forem as necessárias em função da resposta do adversário. De forma muito rápida vamos olhar para as estratégias russas, nesta campanha, tendo em atenção que o grande objectivo é quebrar a vontade de o governo de Kiev aderir à OTAN e, por arrasto, fazer diminuir a vontade de os EUA levarem a Ucrânia a integrar aquela aliança militar de modo a que o flanco sul da Rússia possa estar livre de ameaças perigosas por parte seja de quem for. Deve acrescentar-se que, a cada mudança de estratégia, corresponde um novo objectivo subordinado ao que enunciámos, gerando uma cadeia que converge para alcançar o efeito desejado. Tome-se, também, nota de que os EUA não querem de forma alguma que os ucranianos estabeleçam como objectivos, mesmo que simplesmente tácticos, ataques a território da Rússia com a finalidade de não justificar a escalada no conflito, permitindo que os russos possam passar do armamento convencional ao armamento nuclear. A Ucrânia tem de se defender, atacando os russos somente dentro do limite das suas fronteiras, ainda que Zelensky esteja desejoso de passar ao ataque no território rival.

Vamos, então, fazer um pouco da história recente das manobras estratégicas russas, porque não acredito que Putin se entregue pessoalmente, a delineá-las; isso é trabalho para os seus generais (e não podia deixar de ser, tratando-se de um homem inteligente, pois, se assumisse a condução particular das operações, corria o risco de todos os fiascos militares poderem ser-lhe assacados… Assim, a responsabilidade, em última instância, na sua perspectiva, há-de ser de algum general chefe do estado-maior russo).

 

Repare-se que foram já diversas as formas como o exército russo “abordou” a Ucrânia: atacou a Norte em direcção a Kiev e a Leste em direcção ao Donbass. Pode perguntar-se: «Qual era o objectivo subordinado ao objectivo principal?»

Atentemos nos passos que são dados.

O ataque sobre Kiev podia tomar-se como objectivo principal ou como manobra para, através de intimidação, levar à revolta interna e deposição do Presidente, arrumando-se sem grandes perdas de vidas humanas o assunto, demonstrando aos EUA que os ucranianos estavam mais com Moscovo do que com Washington. Mas havia ainda uma terceira alternativa: o ataque pelo Norte ser uma manobra de diversão para permitir o ataque em profundidade a Leste, que foi o que realmente aconteceu conseguindo-se ocupar quase toda a linha de costa e mais os portos principais. No Ocidente, julgou-se que a retirada da imensa coluna de carros de combate, que pareciam dispostos a avançar sobre Kiev, foi uma “derrota”, quando, quase pela certa, não passou de uma diversão do objectivo primário: a conquista do Leste.

Nesta fase, a Ucrânia estava derrotada, limitando-se a combates desesperados de unidades mercenárias, dando tudo por tudo para evitar a queda de cidades importantes. Moscovo, nesse momento ou na sequência dele, porque estava em superioridade, aceitou deixar sair os cereais acumulados nos portos quase em fase de serem todos conquistados. Era a altura propícia à abertura de conversações para um cessar-fogo ou, em última instância, fazer a paz com perdas territoriais para a Ucrânia. O que aconteceu? Os EUA e o Reino Unido forneceram armas sofisticadas a Kiev e houve como que um novo fôlego nas fileiras ucranianas que, nada garante, a par do armamento não tenham recebido apoio com unidades mercenárias constituídas por soldados americanos desligados do serviço “activo”.

Perante a reviravolta estratégica de Kiev, Moscovo incentivou a ocupação do Leste, procurando chegar ao rio Dniepre para estabelecê-lo como fronteira entre a zona ocupada e a livre. Encarniçaram-se os combates, por estar clara e evidente a jogada russa. Isso chegou a fazer que algumas unidades fiéis a Moscovo fugissem em debandada. No Kremlin não se podia anunciar nem cantar vitória. O material de guerra ocidental começou a chegar à frente de combate em maior quantidade e, talvez, em melhor qualidade. Os EUA assumiram por completo que a guerra “era deles contra a Rússia” e impuseram limites quanto aos meios a disponibilizar à Ucrânia. O Pentágono conduzia agora as operações. Moscovo tinha de mudar de estratégia com o fim do Outono à vista.

 

Os generais russos na impossibilidade de terem derrotado, até Setembro, as forças ucranianas, depois da sabotagem da ponte que liga a Rússia à Crimeia (cuja origem é desconhecida mas, provavelmente, teve origem em determinações do Pentágono ou de Kiev) mudaram a estratégia contra a Ucrânia: mantendo os combates terrestres no Leste e iniciando uma ofensiva aérea generalizada sobre todo o território, visando a inutilização das infraestruturas de fornecimento de electricidade e água. Segundo admitimos, seguir-se-á a destruição de todos os entroncamentos ferroviários e de algumas zonas habitacionais de cidades importantes.

Esta alteração estratégica visa a quebra do moral das populações urbanas perante um Inverno frio, esperando que as carências determinem revoltas populares que levem a uma mudança política ou à redução da insistência do Pentágono na flagelação das tropas russas, quiçá, mesmo ao cessar-fogo ou, na melhor das hipóteses, a uma paz que permita a imediata reconstrução das infraestruturas desconjuntadas.

 

Como todas as vezes, não podemos considerar este texto como definitivo e seguro, porque não passa da colocação de um conjunto de hipóteses que carecem de confirmação documental a qual, a fazer-se, só poderá ser efectuada quando os diferentes arquivos forem abertos à vista dos historiadores.

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