O PCP e a guerra na Ucrânia
Com a mudança de secretário-geral esperou-se que o PCP alterasse a postura em relação à guerra que assola a Ucrânia. Mera ilusão!
Quem tal espera é porque não conhece, pelo menos por estudo e observação ‒ já não digo de experiência feita ‒ o funcionamento do PCP.
Vou tentar dar uma ajuda a todos os que tiverem curiosidade e a todos os que condenam a atitude dos comunistas.
Diz o nosso Povo, “amigo do meu amigo, meu amigo é”, na sua generosidade e na sua ingenuidade, pois, se a frase já foi verdadeira e traduziu uma realidade, agora, creio, é absolutamente falsa. Contudo, posta na negativa a frase não deve ser tão falsa nos tempos que correm, na medida em que os inimigos do meu inimigo, meus inimigos são, simplesmente, porque estamos num mundo de egoísmos e de um “salve-se quem puder”.
Ora, a Rússia de hoje não corresponde politicamente em nada à URSS de ontem, podendo dizer-se que se encontra nos antípodas da ideologia prosseguida e defendida pelo PCP. Moscovo é, para os comunistas, a lembrança da capital do marxismo-leninismo e nada mais.
Mas, a prova de que a mudança de regime na Rússia não fez mudar os seus amigos e inimigos internacionais, está no facto de, Moscovo ‒ tal como Washington ‒ continuar a considerar os EUA o grande adversário a ter de conter à distância. Assim, torna-se evidente que, para a Rússia e para os EUA, a oposição não está nas ideologias políticas prosseguidas (isso é propaganda para enganar incautos) e sim nas teses geopolíticas de Mahan e de Mackinder: a luta pelo domínio dos mares e pela conquista da Eurásia e do heartland. Disto, a maior parte da população global quase nada sabe, para ser gentil e não dizer que é totalmente ignorante.
Deste modo, quem confunde os “alhos” do PCP com os “bugalhos” da Rússia comete um erro crasso do ponto de vista da estratégia e da política internacional. E, nestas coisas, os nossos comentadores televisivos, jornalistas e radialistas, que falam de tudo e de nada, são verdadeiros peritos.
Assim, há que passar às razões dos comunistas portugueses.
A lógica dos silogismos nem sempre os estabelece como verdadeiros, já que um cavalo por ter quatro pernas não é uma cadeira, nem um boi, nem um jacaré: um cavalo é um cavalo e uma cadeira é uma cadeira, embora ambos com quatro pernas.
Assim, o comité central do PCP não condena a invasão da Ucrânia por concordar em tudo com Moscovo, mas tão-só por concordar ‒ e as razões são diferentes ‒ que os EUA são o país que mais enfatiza o desenvolvimento do capitalismo e o apoia nas suas fases mais cruéis. A oposição aos EUA tem, para o PCP, um fundamento ideológico de matriz económica e social e nada passa por razões geopolíticas ou geoestratégicas ou, talvez melhor dito, estas complementam aquele, porque a Casa Branca se aproveita da sua superioridade militar para impor aos Estados que ideologicamente não se identificam com o capitalismo americano a sua doutrina imperial.
Esperar que a posição do secretário-geral do PCP seja de condenação pela invasão da Ucrânia, como se vê, era inverter a ordem ideológica do partido, porque, sendo a Rússia uma ditadura não se comporta imperialmente do ponto de vista da ideologia capitalista e a Ucrânia tendo tiques de ditadura, subjuga populações que querem fazer opções autonómicas e independentistas, facto que leva, também por razões ideológicas, o PCP a opor-se-lhe.
Temos, por conseguinte, motivos que levam o PCP a não alinhar com a posição de todos os restantes partidos de Portugal, que, sem dúvida, aceitam o imperialismo estadunidense. Assim, esclarece-se o que os nossos jornalistas e comentadores deviam explicar para que fosse compreendida ‒ mesmo que não aceite ‒ a posição comunista, mas, é claro, o anticomunismo natural no nosso país, como herança do fascismo, leva à condenação e baralhação daquilo que não é nem misturável nem baralhável.
Pessoalmente, não defendo nem acuso as tomadas de posição dos partidos e das pessoas sobre esta guerra, simplesmente gostaria que essas tomadas de consciência resultassem de fundamentos bem conhecidos e bem explicados e não como resultado de opções emotivas e, menos ainda, ignorantes.