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Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

Fio de Prumo

Aqui fala-se de militares, de Pátria, de Serviço Nacional, de abnegação e sacrifício. Fala-se, também, de política, porque o Homem é um ser político por ser social e superior. Fala-se de dignidade, de correcção, de Força, de Beleza e Sabedoria

31.10.22

Brasil, que cultura?


Luís Alves de Fraga

 

No dia em que o Brasil vai escolher o Presidente da República, recordei a recente morte do Professor Adriano Moreira que, de certa forma, apadrinhava as teses do Luso-Tropicalismo desenhadas por Gilberto Freyre na obra Casa-Grande & Senzala sempre conservada como padrão de relacionamento inter-racial de brancos e negros, de senhores e escravos, resultando numa cultura (aqui entendida como a maneira de ser e estar de um povo) racialmente democrática.

 

Freyre foi atacado e defendido de toda a forma que se possa imaginar desde o ano de 1933, data em que publicou a sua polémica tese.

Mas, como se arquitectou o pensamento do sociólogo? À volta de uma realidade que se viveu no Brasil e um pouco por todo o lado onde os portugueses andaram a cultivar grandes propriedades agrícolas: aquilo que nas terras de Vera Cruz se chamou “Casa-Grande”, a casa senhorial dos proprietários onde não faltavam as comodidades possíveis nos locais mais atrasados: camas de dossel, mesas grandes e largas, cadeirões com veludos e brocados, toalhas de bom linho, janelas com vidros e candelabros de muitos braços para dar boa luz quando se acendiam todas as velas. Tudo era grande para satisfazer a grandeza, ambição e mando do senhor, do proprietário, católico, mas capaz de roubar terras ao vizinho e mandar matar inimigos ou quem se opusesse à sua vontade.

Nas terras do senhor não havia democracia; havia o senhor e a prole de filhos que gerava na mulher, quase sempre proveniente de um casamento de conveniência e submissa aos mandos do marido. Democracia só havia a sexual, que se centrava uma vez e sempre na vontade do senhor: ele fazia filhos nas escravas que escolhia; também aos filhos legítimos do senhor era concedida essa prorrogativa. A escrava engravidava e tinha a esperança de que o senhor reservasse para este filho um tratamento diferente daquele que dava aos que lhe não eram nada. Eram os filhos da senzala, que, às vezes, ganhavam a carta de alforria e se tornavam superiores aos outros, aos escravos, e os tratavam com a brutalidade aprendida com o sangue do pai. Mas toda a gente, dentro da propriedade agrícola, imensa a perder de vista, constituía um microcosmo do absolutismo do senhor da casa-grande, que um dia era pródigo e no outro se deixava obscurecer pela raiva e ódio. Todos tinham de frequentar a igreja ao domingo e rezar e ser tementes a Deus e dar-Lhe graças pelo que tinham e não tinham. Era Deus no Céu e o senhor na Terra. Era um modelo de sociedade de boas e más convivências onde o senhor apadrinhava os casamentos e fazia filhos nos momentos de luxúria, mas que se condoía com os males daqueles que sofriam por sua causa.

 

Assim nasceu um tipo de sociedade mista e mesclada de variadas cores, de variadas formas de viver ou na abundância ou na miséria ou no amor ou no ódio e esta mole humana só era possível de “construir” na mistura tropical de negros, brancos e índios. Gilberto Freyre chamou-lhe luso-tropicalismo porque, também só o português conseguia este tipicismo de misturas com respeitos, medos, ódios, amores e crenças de forma a, caldeando todos, que todos se entendessem e se sentissem unidos por algo que não sabiam explicar e que, na minha opinião, já vinha da “caldeirada” de que foi feita a cultura portuguesa: celtas, visigodos, mouros, galeses, judeus que, século após século, formou uma gente que não temeu o mar nem as diferenças da cor da pele, das religiões, dos costumes, porque os subverteu através da miscigenação.

 

Hoje, no dia em que muitos, mas muitos brasileiros votam em Lula da Silva fazem-no, ainda no senhor da casa-grande, porque os da senzala rebelam-se, mas inventam meios de dançar quando estão a treinar uma luta: a capoeira, que é o disfarce do escravo da senzala para escapar à tirania do senhor. Escapar quando puder e ficar quando espera a mudança dos humores do senhor. E hoje vota-se como quem dança capoeira, num jogo de disfarces. Amanhã logo se verá como estão os humores do senhor da casa-grande que fica, agora, no Planalto, em Brasília. E o luso-tropicalismo continua a viver naquele lado do Atlântico como viveu quando a casa do planalto estava em Lisboa, no lado de cá do imenso mar que nos separa.

 

P. S. ‒ Propositadamente polémico, este texto é essencialmente metafórico.

 

29.10.22

O Ocidente e o Oriente


Luís Alves de Fraga

 

Há um ou dois dias, chegou-me à mão um longo e-mail da autoria do meu amigo e camarada Carlos Matos Gomes, no qual estabelecia a semelhança dos pensamentos de Napoleão e de Putin, sobre a guerra, o Ocidente e o Oriente.

Curiosamente, eu já havia escrito, embora noutra perspectiva, sobre o Ocidente e o Oriente, em apontamento já com algum tempo. Tenho repetido vezes sem conta (passe o exagero) que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia é menos do que um conflito entre dois Estados independentes e soberanos, porque, acima de tudo, é uma guerra civil onde, de um lado, combatem uns tidos, por nós, como maus e outros tidos como bons. E não é nada disso. Eles são em quase tudo semelhantes, porque a raiz cultural que os separa é a mesma que separa um catalão de um castelhano ou um flamengo de um valão ou, até um inglês de um escocês. É isto que não convém aos americanos perceber, porque destas coisas eles percebem bastante menos do que os europeus.

 

O Ocidente de Putin não é a Europa; é a “cultura” americana, com todas as entorses que lhe advém de ser um Estado muito “novo” e resultante de uma miscelânea cultural que inventou, para sobreviver e se identificar, uma “Pátria”.

O meu tio José, açoriano, homem feito e pai de filhos, quando se naturalizou americano e jurou a bandeira das estrelas e das listas, chorou perante o juiz, que lhe perguntou o motivo do pranto ao que explicou que ele já havia jurado a sua bandeira, que era a de Portugal. Perante esta confissão a resposta do magistrado foi bastante curiosa: «É de gente assim que nós precisamos nos “Stats”». Gente assim, com consciência de uma “traição”, acrescento eu, porque está a fazer uma opção ciente.

 

Putin tem, também ele, consciência de que a Rússia “que ele quer que exista” é um mistura de culturas difíceis de se identificarem umas com as outras e que a única forma de se entenderem é a de criarem uma ficção: a Rússia. Uma Rússia que tem de passar por uma personalidade unificadora: foi o czar, o PCUS, Estaline e, agora, ele. Não é uma questão imperialista que está em jogo: é, acima de tudo, uma questão de unidade. Uma unidade que, por força do desaparecimento da URSS, perdeu uma bandeira e teve de recuperar a outra, a antiga, a do regime que apelava ao amor pela “Mãe Rússia” e que via no czar o “papá” de todos os russos, desde a Sibéria até à fronteira Oeste.

 

Tudo isto não o quer compreender a Europa, por conveniência, mas perceberam os alemães quando se propuseram a fazer a integração possível da Rússia no comércio europeu. Perceberam porque, também eles “nasceram” como Alemanha há cento e poucos anos, sendo que tiveram de “inventar” uma pátria através de três guerras que caldeou o sangue de todos eles, em 1870, em 1914-1918 e 1939-1945, donde saíram derrotados mas carentes de manter o orgulho na pátria unida pela Prússia e a vontade de um imperador, Guilherme II.

Mas isto é excessivo para a inteligência dos americanos, porque não são capazes de perceber que a pátria deles só nasceu, realmente, com Lincoln e a Guerra Civil, quando os Estados sulistas saíram derrotados ou, sendo mais radical ainda, quando Luther King ganhou a sua “batalha” da igualização dos negros aos brancos.

 

É ao confronto “deste Ocidente” com o “Oriente de Putin” que o Presidente russo se quer referi quando demoniza a cultura “do lado de cá”. Mas não exclui a cultura europeia (haverá tal figura antropológica?), porque esta se rendeu, depois de 1945, aos americanos da pastilha elástica, dos cigarros Lucky Strike e do sabonete Lifebuoy. Rendeu-se na Itália, na Alemanha ocidental, na Bélgica, na Holanda e, de certa maneira, na França. Esta rendição passou, depois, pela música, pelo cinema, pela língua e por uma série de hábitos que até banalizaram o simples OK como forma de concordância, mas, mais grave ainda, banalizaram a entrega da defesa de uma Europa cheia de identidade própria à OTAN, mais uma invenção dos EUA.

 

A Europa não está “acabada”, porque não tem matérias-primas para concorrer no mercado global; está “acabada”, porque se despersonalizou na sua diversidade cultural. E a esse facto não é insensível o Presidente russo.

Este é o momento certo para alcançar um cessar-fogo entre a Rússia e a Ucrânia, mas, é também, o momento certo para a Europa se repensar e a verdade é que os líderes europeus (serão mesmo líderes de alguém ou de alguma coisa?) não me parecem dispostos a fazê-lo, desligando-se dos medos do passado, ou será que os “tecnopolíticos” de Bruxelas estão a defender as suas cadeiras com a mesma força de que acusam Putin.

28.10.22

A energia nuclear


Luís Alves de Fraga

 

Era eu menino, andava na chamada instrução primária, e, recordo, havia um pequeno texto no livro de Língua Portuguesa sobre “a hulha branca”, que nos explicava que as barragens era um substituto das “fábricas de produção eléctrica a carvão”. Ainda hoje existe, já só servindo de museu, um desses exemplares, em Belém, junto ao rio Tejo.

Desse tempo para cá ‒ digamos, qualquer coisa como setenta e dois ou três anos ‒ para além da construção de muitas barragens (na época fazia furor a do Castelo do Bode), desapareceram as centrais eléctricas a carvão e surgiram os “moinhos de vento” (captação da energia eólica) que, aproveitando a força do vento, acrescentam produção eléctrica à que é obtida com a energia gerada pela queda da água nas barragens. Contudo, nestes setenta e tal anos, no estrangeiro ‒ na Espanha, aqui ao lado, também ‒ construíram-se outras fontes de produção eléctrica, bastantes vezes criticadas, mas de uma limpeza ambiental extraordinária e de uma capacidade de produção fora de quaisquer limites pensáveis: as centrais nucleares.

 

Foi controversa essa decisão no mundo, por associá-la às explosões nucleares e aos perigos que podem representar fugas radioactivas, se ocorrerem defeitos no fabrico das infraestruturas ou mau funcionamento nos mecanismos de fusão atómica.

Em Portugal, desde logo, no pós 25 de Abril de 1974, a contestação à construção de uma central nuclear foi tema de importância, sendo que se percebia, de imediato que o desenvolvimento industrial dependia desta falha energética. Quarenta anos depois da onda sobre o nuclear, o nosso país continua atrasado por falta de energia eléctrica. Aliás, a electrificação geral é bastante deficiente nas nossas cidades, já para não referir a das nossas aldeias.

 

Foi precisa esta crise resultante da guerra russo-ucraniana para, de novo, se falar nas centrais nucleares em Portugal, mas, atentando bem, repara-se que o governo desviou com grande mestria a questão que sabia ser polémica para levantar a solução do gasoduto entre a Espanha e a França. O gás vai continuar a manter o nosso país na cauda da Europa. Só uma central nuclear de média potência servirá para tornar a electricidade barata e muito acessível à indústria e ao uso doméstico, fazendo baixar a factura de modo a que o dinheiro chegue para ser canalizado para outro tipo de consumos. Nos tempos que correm já se fazem centrais nucleares muito seguras e não excessivamente caras. Todavia, tenho a certeza que uma tal decisão, se algum dia for discutida, vai demorar tanto como a do aeroporto de Lisboa ou, pelo menos, como a do Alqueva. As decisões estratégicas, entre nós, são lentas e, quando se concluem já estão ultrapassadas.

É uma pena, porque uma central nuclear levaria Portugal para uma posição mais aceitável no conjunto dos Estados europeus.

28.10.22

O meu outro blog


Luís Alves de Fraga

Caro leitor, talvez desconheça que criei, há alguns meses, um outro blog sediado aqui no SAPO e que tem por nome O Meu Twitter. Trata-se, realmente, de uma outra forma de intervenção, que se traduz em textos muito curtos com opiniões, críticas ou chamadas de atenção para factos do nosso dia-a-dia nacional e internacional. É rápido de ler.

Pode subscrever o aviso de publicação no próprio blog e receberá, no seu email, sem que eu saiba, uma mensagem alertando-o para a publicação de um novo texto, que pode consultar.

O endereço desse blog é https://coisasrapidas.blogs.sapo.pt/

Vá até lá e não se esqueça de subscrever o blog para ser avisado por email sempre que houver nova publicação. Recebe um só aviso diário. Depois diga-me o que achou. A sua opinião é importante para mim.

23.10.22

Da Coreia à Ucrânia


Luís Alves de Fraga

Em 1950, no contexto do final da 2.ª Guerra Mundial e dos acertos territoriais decididos em Ialta entre os três “grandes” (Estaline, Churchill e Roosevelt), iniciou-se a guerra da Coreia, com a invasão da península pela URSS e China. Era, talvez, o primeiro grande sinal da Guerra Fria entre os dois blocos, sendo que o ocidental se fez representar no conflito por uma força da ONU, maioritariamente constituída por tropas dos EUA. Até aos dias de hoje não foi alcançada a paz entre os dois territórios desavindos, o mais que se conseguiu foi um cessar-fogo, dividindo a península em duas partes segundo um paralelo, o 38.º.

Fui buscar este já quase esquecido conflito às prateleiras da História, porque lhe achei semelhanças com a Ucrânia de hoje. E têm-nas a vários níveis: uma região que se identifica com um país vizinho, o confronto indirecto entre as duas superpotências e, talvez mais, e acima de todas as semelhanças, a impossibilidade que se está a traçar entre a Ucrânia e a Rússia de se conseguir uma cedência que conduza à paz, tendo de se caminhar, ao cabo de muito sangue derramado de parte a parte, para um cessar-fogo em vez de uma paz tranquila e estável.

 

Na Ucrânia não vai ser um paralelo, mas um “meridiano” transformado em rio, o Dniepre, que, provavelmente, definirá a linha de demarcação das forças ucranianas em confronto, porque, quase de certeza, a Rússia endossará aos russófonos do Donbass, autónomos e invocando a separação, a obrigação de se defenderem, depois de lhes terem proporcionado as condições políticas para fundamentar as suas reivindicações, que vão no mesmo sentido dos desejos russos.

Mas, entretanto, durante o tempo em que se desenvolverem operações militares activas o peso da guerra afectará toda a Europa, levando-a ao descalabro económico e, se calhar, político. Foi o que aconteceu no Oriente distante, nomeadamente na Indochina: Vietnam, Camboja e Laos, onde a instabilidade campeou durante mais de uma dezena de anos.

São realidades diferentes, dir-nos-ão! Pois são e nem aqui é o Oriente nem os europeus são indochineses, tal como uma semelhança não é uma igualdade. A semelhança reside na impossibilidade de, neste momento, não se vislumbrar uma ténue esperança de cessarem as operações militares, bem pelo contrário, os russos estão a desenvolver a estratégia militar mais apropriada a vergar a vontade dos ucranianos, levando-os à desistência do combate. Estão a destruir toda a vontade de combater perante um Inverno que se avizinha frio e desastroso. Não tenho dúvidas, qualquer general português, calçando as botas de qualquer decisor militar russo, mandaria fazer o mesmo que estes estão a levar a cabo. É um princípio da guerra. Estupidamente, os EUA, o Reino Unido e, agora, a Alemanha fornecem armamento e, se calhar, assistentes militares para auxiliar os ucranianos de modo a prolongar a guerra até ao limite do possível, isto é, até não haver mais soldados da Ucrânia em condições de pegar em armas. Virá, depois, o cessar-fogo em vez de uma paz que poderia ser tratada agora ou ter sido mantida sempre não fosse a teimosia de Washington em estender a NATO até aos limites impostos pelos “falcões” do Pentágono.

 

Para vos compensar, deixo-vos com uma só pergunta:

‒ E se os Estados europeus da NATO se tivessem negado a acompanhar os EUA nesta aventura, acreditando mais no muito que a Rússia tinha a ganhar com um bom relacionamento com a Europa, o que teria acontecido?

21.10.22

A inflação


Luís Alves de Fraga

 

Como todos nós estamos a saber, a inflação é a subida dos preços dos produtos e tem a sua origem, normalmente, no aumento dos preços das matérias-primas que integram os produtos acabados.

Mas é só isto, a inflação? Não. Tecnicamente a inflação resulta de um aumento da procura no mercado e um abaixamento da oferta; este desencontro provoca a subida dos preços, descontrolando o natural equilíbrio entre uma coisa e outra.

 

O remédio para suster a inflação é actuar sobre a procura e não sobre a oferta, pois agir sobre esta última é, de alguma maneira, contrariar a “onda” de aumentos de preços que encontra a sua razão de ser na produção comercial (se um produto transversal à formação de quase todos os preços rareia no mercado, provoca um aumento de custo de quase todos os produtos ‒ os que não são afectados, por ganância ou “cópia”, elevam-se também ‒, ora qual o processo de actuar para fazer baixar os preços? Só injectando o produto em falta no mercado o que raramente é possível ou, se possível, ele vai surgir a preços mais elevados ‒ continua a funcionar a lei da oferta e da procura ‒, levando ao disparo dos preços em geral). Assim, tem de se actuar sobre o lado da procura, reduzindo-a, por exemplo, pois, obrigará a um abaixamento dos custos na oferta (se há menos procura, a oferta tende a baixar os preços até chegar ao ponto de equilíbrio). Esta solução, teoricamente, é perfeita, mas, imaginemos que a praticamos sobre os produtos básicos de alimentação… matamos à fome as pessoas? Então esta solução só funciona naquilo que se pode chamar consumo supérfluo ou desnecessário. Esta medida resulta muito bem quando os produtos responsáveis pela inflação dos preços são maioritariamente importados, pois basta o Estado subir brutalmente as taxas aduaneiras e o exportador deixa de encaminhar a sua oferta para o mercado, gerando uma quase ausência de procura (é por isso que há contrabando), mas esta medida não é aplicável a um mercado comum, aberto e livre (caso da União Europeia), porque os Estados abdicaram de uma parte da sua soberania em nome do bem-estar das suas populações em situação de normal funcionamento do mercado.

 

A solução que resta é, continuando a actuar no lado da procura, aumentar-lhe o poder de compra. Isto faz-se de duas maneiras: ou se aumentam os salários significativamente ou se põe mais moeda em circulação, medida que permite, também, aumentar temporariamente a capacidade aquisitiva. Contudo, qualquer destas duas medidas tem graves consequências e são, pelo menos três: a primeira, as pequenas e médias empresas entram rapidamente em falência, gerando desemprego (este pode ser combatido com medidas adoptadas pelo Estado ou pelas autarquias, que passam pela oferta de trabalho, mesmo que seja para não fazer nada, ou subsídios aos reformados, desempregados e incapacitados para permitir que o mercado funcione); a segunda passa por o Estado ter de contrair divida externa para ter dinheiro para proceder à solução anterior, podendo levá-lo a uma situação de falência ou bancarrota; e, a terceira, é a descredibilização internacional do valor da moeda.

 

Traçado, em grandes linhas, o quadro resultante da inflação, falta-nos, tão-só, avaliar a situação prática de Portugal enquanto membro da União Europeia (e o que se disser para nós é válido para todos os outros Estados).

Primeiro, os Estados na UE, quando integrados na zona euro, não podem criar moeda a seu bel-prazer; segundo, esses mesmos Estados estão obrigados a não ultrapassar um certo nível de endividamento externo; terceiro, não podem fechar o mercado aos produtos dos outros membros. Assim, a inflação em cada membro da UE, e em especial os da zona onde circula a moeda única, está dependente das decisões conjuntas dos restantes Estados.

Ora, porque Portugal tem uma dívida externa imensa, não se pode ou não se deve ampliá-la mais, logo a ajuda tem de vir de Bruxelas sob a forma de subsídios a fundo perdido ou a juros muito, muito baixos, sendo o Banco Central Europeu a tomar essa decisão… mas não a vai tomar. Assim, tem de ser fora da área da procura que se tem de encontrar a solução ou seja, na área da oferta e a que mais falta faz é a das fontes de produção energética.

Percebem os leitores que a única estratégia viável no passado, no presente e no futuro é a de a UE não tomar partido nem contra nem a favor dos conflitos que envolvam os Estados de quem depende, em termos de oferta ou de procura, o mercado interno e externo? Foi a falta de uma estratégia que nos colocasse fora da órbita dos conflitos entre os EUA e a Rússia que nos colocou na situação actual. Mas, para tornar possível essa neutralidade a UE tem de ter uma política externa, uma diplomacia e uma política de defesa únicas, do mesmo modo que tem um só mercado comercial, que se regula por regras comuns a todos.

Vamos esperar pela clarividência dos tecnocratas de Bruxelas ou deixamos desfazer a União Europeia?

20.10.22

A grande mudança na democracia e na economia


Luís Alves de Fraga

 

Os meus leitores habituais que não receiem, pois desta vez, não vou escrever um “tratado” sobre um assunto tão complexo. Não.

Vou deixar-vos somente uns tópicos para poderem ser ponto de partida para as vossas honestas e desapaixonadas reflexões. Vamos, então, começar.

 

Leio em várias revistas especializadas ou em artigos escritos por especialistas que há duas formas de olhar as “viragens” à direita levadas a cabo pelos populistas, a saber: para uns, os mais radicais, estamos a caminhar para o novo fascismo, para outros, os mais moderados, a nova direita não é fascista e, simplesmente, é “mais direita”.

Mas, se não se criam polícias políticas e se permitem certos partidos que dão uma matriz plural à nova direita; se as prisões estão cheias, não por opositores ao regime, mas por desordeiros que se contrapõem à ordem estabelecida; se não há uma censura expressa à liberdade de opinião; então, em conclusão, não há fascismo. O que pode haver, e há, é mais nacionalismo e muito mais xenofobia. Mas isto não é fascismo; é defesa de interesses nacionais e defesa dos cidadãos nacionais; é defesa de emprego, de trabalho e, se calhar, de capitais nacionais (já lá iremos). Não se querem abortos nem alinhamentos com casamentos homossexuais. A Família é a base celular da sociedade. Isto não passa por campos de extermínio, nem por expansionismos imperiais. Então, isto é só nacionalismo e não fascismo, dizem os defensores do modelo.

Afirmam os mais moderados, os não fascistas, em relação aos mais extremistas: não queremos ingerências na nossa política interna e menos ainda na externa; queremos o bem de toda a sociedade, mas, em primeiro lugar o dos que nasceram no nosso território. Defendemos a liberdade, desde que não atente contra a ordem social. Até aceitamos o aborto, mas pomos reticências ao casamento homossexual. Os nossos valores são os do Ocidente. Não queremos prisões políticas, mas, quem não está bem entre nós e não segue o nosso estilo de vida, pode ir-se embora.

 

Realmente, estes modelos diferem pouco um do outro. Não reproduzem o fascismo de Mussolini e menos ainda o de Hitler, mas será que os devemos qualificar como democracias? Se são democracias, em que tipo as podemos classificar? Liberais, não são de certeza!

Quando, no tempo (décadas de vinte a 50 do século passado), o fascismo não deixava dúvidas interpretativas, estas “democracias” eram proto-fascistas: eram quase fascistas, porque lhes faltavam algumas das características para serem totalmente fascistas. Actualmente há a tendência para começar por classificá-las de populistas, porque dá a sensação de serem “democracias” impostas pela “rua”, pelos populares, quando, verdadeiramente, o modelo é traçado antes do movimento de massas e, depois, é activado juntos das massas populares para colher “legitimidade”.

 

Esta mudança, quanto a mim, nasceu de uma outra mudança que justifica a corrupção e a desonestidade a todos os níveis (porque esta “democracia” é uma corrupção da democracia liberal). Vamos ver?

Até ao final da 2.ª Guerra Mundial, mesmo talvez nos cinquenta anos que se lhe seguiram, a riqueza de um homem, de uma empresa, ou, até de um Estado, media-se em função dos bens imóveis ou bens fabris ou territoriais ou produtivos possuídos pelo indivíduo ou instituição. Na viragem do século e milénio, começou a surgir a ponta de um novo “iceberg” para definir a riqueza: o dinheiro acumulado, através de meios lícitos ou ilícitos, em zonas ou cofres ou pseudo empresas onde repousa para ser usado de maneira legal ou ilegal para acumular mais dinheiro.

Para além da licitude, talvez melhor dizendo, da ilicitude do processo o que está diferente é que aquilo que noutros tempos foi um simples padrão de troca ‒ para comprar uma fábrica dava-se dinheiro e, através da fábrica, obtinha-se mais dinheiro para aplicar noutros meios de produção ou de gozo pessoal (palacetes nas melhores praias, nas grandes cidades) ‒ agora, a riqueza é o dinheiro em si mesmo, em papel-moeda.

 

Este novo modelo parece traduzir, por trás de si mesmo, uma “doutrina” que se sintetiza de modo fácil:

  • Não há diferença entre ganhar, licita ou ilicitamente, dinheiro e acumulá-lo, porque ser rico é ter dinheiro;
  • A ilicitude contempla a corrupção;
  • A corrupção é uma forma fácil de ganhar e dar a ganhar dinheiro;
  • Os investimentos legais têm o mesmo valor moral dos investimentos ilegais;

Em conclusão, quem não se aproveita dos esquemas de corrupção, é um “investidor” malsucedido.

 

Como hipótese, se associarmos os dois temas hoje aqui tratados, percebemos que o primeiro ‒ a mudança do paradigma democrático ‒ está intimamente ligado ao segundo ‒ “licitude” da ilicitude e, em especial, da corrupção.

Assim, não podemos ter uma democracia verdadeiramente liberal se não retomarmos os princípios morais da honra com retorno à função do dinheiro e da propriedade.

17.10.22

Amanhã o mundo fica melhor?


Luís Alves de Fraga

 

Parece que, de facto, está a ocorrer uma mudança na frente de combate entre a Rússia e a Ucrânia. O exército desta última está a obter resultados na reconquista de algumas cidades e lugarejos que já estavam ocupados por aquela. A grande pergunta é uma só: como pode ser isto possível? Vamos tentar dar respostas que configurem as hispóteses sobre aquilo que se está a passar.

 

Em primeiro lugar, os ucranianos estão a receber material sofisticado em relação àquele que possuíam aquando da invasão. Moscovo, em Fevereiro do corrente ano, não terá equacionado a hipótese de os EUA e o Reino Unido, seguido da Alemanha, se terem empenhado tanto no fornecimento do seu próprio armamento à Ucrânia. Aquilo que era, realmente, uma “operação especial” entre países vizinhos que, num deles, havia minorias culturais e falantes a serem perseguidas e esmagadas ‒ uma quase guerra civil ‒ transformou-se, por força da invocação de um Direito Internacional, conveniente ao Ocidente e, em especial aos EUA, numa invasão de um Estado soberano com esquecimento de tudo o mais que ficou a montante da agressão dita internacional. Moscovo contou, demasiado, com a passividade de Washington, e fez mal.

Ora, em consequência desta interpretação da “operação especial” (Salazar e o aparelho fascista nacional, também começou por chamar às operações militares em Angola, no ano de 1961, operações de polícia… e tinha razão de ser: tratava-se de repor a ordem interna num território colonial!) o Pentágono viu a oportunidade de fazer uma guerra com a Rússia, usando um terceiro interveniente, a Ucrânia. Esta perspectiva levava a administração americana a ter de apoiar Kiev em armamento, pelo menos. Contudo, e aqui entramos numa outra fase da questão inicial, havia que converter a capacidade técnica dos soldados ucranianos, habituados a operar armamento igual ao russo, em soldados do Ocidente.

Porque tivemos uma vida de mais de quarenta anos nas fileiras, sabemos que um recruta, por muito inteligente que seja, não se adapta, de um mês para o outro, a fazer uso de material de guerra e de táctica que desconhece (como nota esclarecedora, recordo que os nossos militares, na 1. Guerra Mundial, tiveram de ter cerca de dois meses de preparação para aprenderem coisas tão simples como lançar granadas, usar máscara antigás ou treinar esgrima de baioneta, em França, antes de entrarem em combate), especialmente se elas utilizarem sistemas electrónicos sofisticados. Então, esta simples observação leva-nos a uma outra conclusão.

Como os Estados alheios ao conflito não podem enviar soldados para combater ao lado das tropas ucranianas, acabam contratando, sem compromissos escritos, mercenários muito bem treinados que, descaracterizados, servem, supostamente, sob as ordens dos oficiais do exército da Ucrânia mas, na realidade são eles que determinam como e quando as operações devem ser executadas.

Acredito que, neste momento, o número de mercenários é elevadíssimo e que passou do escalão operacional ao de decisor de grandes operações. Ou seja, mercenários passaram à posição de conselheiros militares com comandamento sobre as armas mais sofisticadas que estão a ser usadas nas frentes de combate.

 

Se a sabotagem da ponte foi o ponto de partida para justificar publicamente a ofensiva arrasadora da Rússia sobre as infraestruturas da Ucrânia, a presença destes especialistas, que tanto podem ser americanos como britânicos, foi a verdadeira razão para Moscovo passar a arrasar o que é fundamental para os ucranianos terem um dos seus piores Invernos em todo o território e não só no Sul e no Leste.

 

E, quando chegar a Primavera, como estará o mundo?

Pois é essa a grande interrogação, porque a Ucrânia pode vir a tornar-se, salvaguardadas as devidas diferenças, o “Afeganistão da Europa”. Uma zona de combate que arrasa a economia do Velho Continente ao mesmo tempo que beneficia os capitais que estão por trás da indústria de armamento dos EUA e desequilibra a economia chinesa, pois a falta de condições de compra de artefactos fabricados na China, por muito baratos que sejam, leva-os a ter de modificar os termos comerciais com o resto do mundo e, obrigatoriamente, com a América. Em situação de aperto restará a Pequim, talvez, na nossa opinião, impor a sua condição de maior credor dos EUA e isso pode levar a

Casa Branca não suportar tal humilhação, sendo obrigada a “fugir para a frente” através de um conflito militar declarado com a China.

O que restará do mundo ao cabo de uma década?

Admitimos, como hipótese, uma nova ordem em nada semelhante ao que hoje imaginamos ou conhecemos do passado.

Pessimismo? Só na medida em que a conjuntura se encaminhar para o cenário que acabamos de equacionar.

13.10.22

Irão: O que pode ser


Luís Alves de Fraga

 

Quem tenha feito parte da 2.ª divisão de um estado-maior ‒ a das informações ‒ ou de uma polícia de investigação ou tenha sido pesquisador científico padece de um “mal” tremendo: desconfia facilmente de todas as situações e constrói “cenários conspirativos” com grande facilidade.

Nunca estive em nenhuma das primeiras duas situações anteriores, mas fiz pesquisa histórica durante mais de trinta anos sem grandes interrupções, o que me “deformou” o modo de olhar para a vida e de a explicar, colocando-me sempre, pelo menos, duas ou três hipóteses diferentes para justificar um mesmo facto. É mau? É bom? Não qualifico assim, mas prefiro dizer que é útil!

Hoje vou ser breve, mas não quero perder a oportunidade de vos mostrar como assuntos aparentemente diversos podem estar ligados por linhas que nos surgem invisíveis, contudo existentes ou possíveis de existir.

 

Nos últimos dias duas notícias nos têm matraqueado os ouvidos e os olhos nas televisões e nas rádios: a revolta latente e incessante entre a juventude do Irão, por causa da morte de uma jovem que tinha mal colocado o véu obrigatório e que não lhe tapava os cabelos tal como manda a lei islâmica, no país onde a religião é moderadamente imposta aos cidadãos (moderadamente, se a compararmos com certos radicalismos que germinam por todo o lado).

A menina morreu numa esquadra de polícia, aparentemente, à vista de todos e sem que tivesse, naquele momento, sido agredida. Gerou-se uma onda de raiva entre as mulheres e os jovens iranianos que se estendeu a mulheres de diversos países.

A outra notícia, depois de se ter sabido do acto de sabotagem da ponte que liga a Rússia à Crimeia, foi a da utilização pelos russos de drones suicidas fornecidos pelos iranianos, já que, parece ‒ e eu duvido ‒ começam a faltar munições na Rússia para atacar como retaliação várias cidades da Ucrânia.

 

Estas duas notícias, aparentemente em nada estão ligadas. Todavia, raciocinando-as como investigador de factos históricos, sou levado a pensar, em termos hipotéticos, que estão presas pelos mais fortes arames que possam imaginar-se. Vejamos.

A morte da jovem no Irão aconteceu fortuitamente, do mesmo modo que já morreram muitas outras noutros tempos e noutras épocas, mas o que faltou, então, é o que sobra agora: quem agite as massas populares de estudantes, rapazes e raparigas iranianos, e, para o fazer, bastam agentes infiltrados e activos que, num ápice, incendeiam os ânimos. É um “trabalhinho ingénuo” para espiões com boas redes de colaboradores. E para quê? Para criarem o clima de descrédito do governo dos aiatolas que fornece e está disposto a fornecer armamento e ajudas aos russos. Quiçá, tentando ir mais longe, conseguir o derrube desse governo para implantar outro religiosamente mais brando e claramente mais virado para os interesses do Ocidente (não interessa o caos que virá a seguir, porque as vítimas serão especialmente iranianas). Deste modo corrói-se a retaguarda russa ao mesmo tempo que os drones suicidas passarão a estar do lado do Ocidente, podendo ser utilizados contra os russos.

 

Parece o enredo de um filme de espionagem, não parece? Pois, só que os filmes de espionagem é que se parecem muito com a realidade de um mundo onde esta se esfuma com a facilidade do nevoeiro soprado por uma ligeira aragem.

 

E pronto, aqui têm juntos factos que parecem distantes. Aqui têm como funciona a mente de quem está habituado a tentar cumprir a função máxima da História: a busca pela Verdade das motivações que estiveram na origem dos factos e que os documentos não guardaram, porque se esfumam como o tal nevoeiro.

11.10.22

Guerra Total


Luís Alves de Fraga

 

A definição de “Guerra Total” só foi dada pelo general alemão Eric Ludendorff, já depois da 1.ª Guerra Mundial ter acabado, num livro que publicou, mas, todavia, este tipo de guerra já havia sido tentado durante dois conflitos anteriores: a guerra da independência americana e nas guerras napoleónicas. Em ambos os casos, consistiram em estabelecer bloqueios navais de modo a que não entrassem ou saíssem mercadorias dos respectivos territórios, no caso em análise, dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha.

Foi uma nova táctica de guerra cuja finalidade não era atacar as forças combatentes, mas antes as populações civis para as obrigar à perda do moral, forçando os políticos a mudar de objectivos. Exactamente porque o seu fim último era envolver as populações nos sofrimentos do conflito militar, esta manobra deixou de ter características tácticas, para as assumir no plano estratégico.

 

Logo na 1.ª Guerra Mundial, a Alemanha, nas operações iniciais resolveu ‒ e muita gente desconhece este facto ‒ bombardear a cidade de Paris utilizando para o efeito os célebres aeroplanos Gotha e bombardeou, também a cidade de Londres, neste caso usando, em especial, dirigíveis militares que lançavam as granadas explosivas onde lhes parecia mais conveniente. Era uma nova forma de fazer a guerra, ou seja de atacar populações civis constituindo-as em alvos militares, alvos importantes para quebrar a vontade de combater. Estávamos em pleno plano estratégico. E foi tão importante a ligação do ataque aos alvos exclusivamente militares com os alvos exclusivamente civis, que o governo francês resolveu bater em retirada de Paris para se instalar em Bordéus, bem longe da acção dos meios aéreos e das peças de artilharia ultra pesada, nomeadamente, o conhecido e célebre “Canhão de Paris” (alcance até 130 quilómetros) também erradamente conhecido por “Grande Bertha” disparado de cima de carris ferroviários capazes de suportar o recuo após o disparo.

Mas não chegava esta acção estratégica para desmantelar todos os circuitos comerciais e morais da população civil e, porque não chegava, o estado-maior alemão deu início à guerra submarina, afundando navios mercantes, por conseguinte civis,  para que se perdessem embarcações de grande calado, mercadorias e vidas.

Esta foi a “Guerra Total” que se impôs na Europa e no resto do mundo, sempre que foi possível, desde 1914 a 1918.

 

A 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) marcou, logo de início, a intenção de, novamente, serem usados, pelos alemães ‒ não se deve confundir a doutrina militar determinada pelo estado-maior das forças militares germânicas e dos seus generais com o regime político, porque este último exigiu a guerra, mas não controlou nem doutrinas militares nem meios para fazer a guerra ‒, os princípios da “Guerra Total”, que podemos separar em três tipos de acções, sendo uma táctica e, as duas restantes, estratégicas: a Blitzkrieg (guerra relâmpago), bombardeamentos e combates aéreos sobre Londres e a guerra submarina.

A grande inovação no começo do conflito foi a utilização simultânea dos chamados aviões de caça em articulação com os carros de combate. Este novo processo de lutar trazia duas novidades: por um lado, a velocidade no avanço das tropas e, por outro, a ausência de importância de deixar bolsas de resistência na retaguarda. Ou seja, era necessário penetrar no território do inimigo, furando a sua frente na maior quantidade de quilómetros para o deixar para trás sujeito à acção supressora da infantaria e da artilharia, que avançavam mais lentamente. Os generais alemães fugiram, por conseguinte, ao começo de uma guerra de desgaste, semelhante ao que havia acontecido no conflito anterior. Foi deste modo que rapidamente derrotaram a Polónia e a França e alcançaram grandes avanços na URSS. Assim, podemos afirmar que os germânicos tiveram imenso sucesso táctico com a blitzkrieg, mas não alcançaram grandes vitórias no plano estratégico: guerra aérea e guerra submarina.

Logo em 1941, depois da batalha aérea de Londres, que desgastou fortemente a aeronáutica alemã, o Reino Unido começou o bombardeamento estratégico do território alemão, que aumentou quando os EUA entraram na guerra e levaram mais longe essa acção com ataques massivos nocturnos, chegando a destruir cidades inteiras já na fase final da guerra. Não houve dúvidas de que se tratava da aplicação da “Guerra Total” envolvendo todo o tipo de infraestruturas e de população civil, desde mulheres até crianças. Este tipo de acção estratégica voltou a repetir-se ‒ aliás, com grande sacrifício de tripulações de aeronaves americanas - quando foi feito o primeiro bombardeamento aéreo de Tóquio, que, devido ao tipo de construção tradicional, ardeu quase completamente. Mais tarde, foi o mesmo raciocínio estratégico que obedeceu aos bombardeamentos com bombas nucleares sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, dando a prova imediata de que o emprego deste tipo de arma era decisivo e, por conseguinte, de um alto valor estratégico.

 

Na guerra da Coreia e em todas as que se seguiram com características de conflito tradicional ‒ com exclusão da guerra do Vietnam, onde os combates se faziam mais na linha da guerrilha ‒ o conceito estratégico de “Guerra Total” passou a ser usado como se pode verificar, revendo-os em qualquer manual ou documentários filmados.

Assim, todos nós estranhamos o que está a acontecer entre a Rússia e a Ucrânia, por um simples facto: está “aqui ao nosso lado e nós sentimos-lhe os efeitos” e, pior, receamos a escalada para a guerra nuclear.

Os mísseis russos que atingem instalações civis têm a mesma finalidade que as bombas lançadas por drones no Afeganistão ou na Faixa de Gaza: reduzir a resistência dos civis que dão suporte aos combatentes. A sabotagem da ponte que liga a Rússia à Crimeia teve efeito idêntico: impedir a circulação de meios importantes. Esconder isto é trapacear com a opinião pública.

 

Estas coisas podem impressionar-nos, mas, olhando a situação do ponto de vista estrictamente militar, nada é novo e tudo já vem, com os meios técnicos de cada época, desde os século XVIII, se não quisermos olhar mais para trás, para séculos muito mais recuados, quando os conflitos se faziam por meio de cercos que levavam as populações à morte pela fome. Leia-se a Crónica de Fernão Lopes sobre o cerco da cidade de Lisboa e por lá veremos crianças à cata de um grão de trigo para matar a fome.

“Nic novum subsolo.”

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